Com lojas abertas, giro das mercadorias melhora pela primeira vez desde que a pandemia chegou ao país
Por Adriana Mattos
De janeiro a 6 de junho deste ano, a venda de produtos eletrônicos, em volume, cresceu 36% em relação a igual período do ano passado, segundo dados da GfK — Foto: Pedro Teixeira/Agência O Globo
A reabertura das lojas físicas, em meados de abril, acelerou as vendas nesses canais e melhorou o giro dos estoques, num cenário que – pela primeira vez em mais de um ano – mostra uma maior normalidade na cadeia do varejo.
Apesar de ainda existir uma certa ruptura nas entregas de produtos pela indústria, por causa da escassez de insumos, caiu o índice de falta de mercadorias. Isso reduziu a necessidade de estoques de emergência nas redes, às vésperas do início da colocação de pedidos de produtos para venda na Black Friday e no Natal. As compras de fim de ano começam a ser fechadas após agosto.
“Já não vemos tanta falta de mercadorias, passou a ser algo mais pontual”, disse José Jorge do Nascimento Jr, presidente da Eletros, associação dos fabricantes de eletrônicos. A Via, dona de Casas Bahia e Ponto, vinha retomando, em maio, patamares mais normais de compra da indústria para o segundo trimestre.
Porém, mesmo com a mudança de cenário frente ao começo do ano, o desempenho das vendas nas lojas e o ajuste nos estoques não é uniforme, o que exige um ajuste fino nos pedidos à indústria.
Os celulares perderam mais fôlego neste ano do que os produtos de informática, por exemplo, que mantêm demanda acelerada, segundo dados da empresa de pesquisa GfK. E a venda de eletroportáteis perdeu ritmo.
Houve alta de 36% na venda de eletrônicos (em volume) de janeiro a 6 de junho, em relação ao igual período de 2020, quando as lojas físicas estavam fechadas em boa parte desse período. Produtos de informática sobem 22%, só que em cima de uma venda mais forte em 2020 do que a de eletrônicos – na época, a procura por notebooks disparou por causa do “home office”.
No caso dos celulares, a alta foi bem menor, de 7%. Em eletroportáteis, a GfK não detecta aumentode janeiro a junho deste ano – em 2020, quando mais consumidores estavam em isolamento, a venda foi forte. Mas as importações desse tipo de produto mostram aumento importante de janeiro a maio deste ano, conforme o Valor publicou na segunda-feira, sinalizando que há empresas apostando em uma demanda para eles.
Segundo a Allied, distribuidora de bens de consumo e varejista on-line, o consumidor está revendo suas prioridades. “No segundo semestre, quando devemos ver esse movimento mais forte de concorrência total, com todos os segmentos e produtos concorrendo entre si após a vacinação mais ampla, talvez tenhamos desempenhos mais díspares. É possível que a TV sofra mais que notebooks, por exemplo”, diz o CEO da Allied, Silvio Stagni.
Segundo a empresa, o nível de estoque hoje está um pouco mais baixo do que o normal, em parte pelos ajustes de expectativas em relação ao que se via em 2020 – quando a venda de eletrônicos subiu 13,5%, segundo a pesquisa de comércio do IBGE. “A realidade de mercado é diferente daquela que víamos quando a pandemia começou, mas também temos que ver se isso não é meio uma profecia autorealizável”, diz ele.
“Todo mundo tem repetido que alguns segmentos e categorias devem desacelerar, e outros com demanda reprimida crescer. As empresas acabam se organizando para isso mesmo”, diz o CEO da Allied, dona do site MobCom e ditribuidor de 10 milhões de itens. Ele lembra que os pedidos para a Black Friday começam a ser colocados para a indústria de dois a três meses antes do evento em novembro, e esse intervalo possibilita que o mercado reúna mais dados e defina estratégias para tentar explorar melhor a data.
Dados de empresas e grupos de pesquisa mostram que a atual aceleração nas vendas é mais forte no varejo de moda e na área de serviços, como restaurantes, do que no mercado de eletrônicos e eletrodomésticos.
Neste ano, de janeiro a abril, que inclui o primeiro mês de reabertura mais firme das lojas, e princípio de maior normalidade no varejo, a venda de eletrônicos avançava 11% (versus 10% no acumulado de 2020), construção, 25% (frete a 11% em 2020), e o comércio de moda parava de cair, segundo dados do IBGE. Vestuário fechou o período com alta de 3,6%, a primeira aceleração acumulada desde o início da pandemia.
Há varejistas que têm feito ajustes em pedidos porque vinham de volumes de compras mais altos, e outros que não reduziram compras. Isso porque entendem que a demanda deve se manter alta para todos os segmentos, com o retorno das atividades antes paralisadas.
“Nós estamos mantendo o nível de compras do ano, para a venda para os próximos meses porque não cremos numa desaceleração. Quando certos setores da economia, como a área de eventos e serviços, que tem uma massa de trabalhadores que parou de comprar, for voltando a consumir, prevemos uma acelerada de demanda forte”, diz José Domingos, superintendente geral da Lojas Cem, com 287 lojas em quatro Estados.
No primeiro semestre, as vendas da Lojas Cem cresceram 34%, em cima de uma base fraca, afetada pela pandemia – a empresa não vende pela interner, só em lojas físicas.
Domingos diz que a falta de componentes que afetou a cadeia global levou a indústria a entregar mais produtos para as grandes redes neste ano. Mas também disse que a produção na Zona França de Manaus está mais estável, e as cadeias menores já sentem isso.
Semanas atrás, a Abinee, associação da indústria elétrica, divulgou uma sondagem mostrando elevação de 16% para 20%, de abril para maio, no número de empresas que estão com estoques de componentes abaixo do normal. Mas em março esse percentual era maior, de 23%.
A Via, dona da Casas Bahia, estava começando a reduzir seus estoques em maio. Durante toda a pandemia, estava comprando mais estoques por conta das incertezas na produção e entrega. “Temos uma visibilidade de melhora do índice de abastecimento da indústria para o terceiro trimestre. Então, já começamos, neste [segundo] trimestre, a desacelerar um pouco a estocagem”, disse, em maio, a analistas o CEO Roberto Fulcherberguer.
“Estamos medindo isso diariamente, todos os indicadores que vemos até este momento nos levam a crer que isso será possível, que já teremos um abastecimento mais ‘flat’ no terceiro trimestre. Se entendermos algo diferente, damos passo atrás, mas tudo indica que faremos uma redução”, disse o executivo.
Fonte: Valor Econômico