Você entra em um shopping center, sente o ambiente agradável, a iluminação perto da natural, um paisagismo perfeito, vitrines bem postas. Não restam dúvidas de que os empreendimentos mudaram – e muito. Tornaram-se ambientes abertos, com projetos que têm o objetivo de atrair o frequentador e deixá-lo confortável no local. Mas o que aos olhos dos consumidores é um espaço bem desenhado e bonito, para os administradores é – e deve mesmo ser – um ambiente bem planejado, que alinhe as necessidades das pessoas às operacionais do empreendimento.
Afinal, não basta ser bonito, tem de ser funcional. E tudo isso deve estar dentro de um investimento definido. “A beleza necessariamente não representa alto investimento. O projeto deve estar calibrado com o investimento e a expectativa de retorno. A arquitetura qualificada não é necessariamente cara”, afirma Manoel Dória, sócio da Dória Lopes Fiuza Arquitetos Associados. Ele explica que além dos cuidados estéticos, todo projeto arquitetônico de um shopping center deve se alinhar às necessidades dos empreendedores e dos gestores operacionais.
E para desenhá-lo, os arquitetos partem de uma pesquisa realizada por uma empresa contratada pelos empreendedores que mostra dados técnicos, como tamanho do terreno, quantidade de lojas ideal que o espaço comporta; dados demográficos, com perfil de renda da população daquela região; e, claro, as necessidades dos empreendedores, o que eles querem e esperam daquele shopping. É o que o arquiteto João Carlos Graziosi, da Graziosi Arquitetura, chama de programa de necessidades. “Partimos de dados técnicos e o arquiteto é quem interpreta os números, cria e viabiliza os espaços a partir desses dados para atender a essas necessidades. Às vezes dá para atender a todas, às vezes não. Mas tudo é previamente combinado”, explica.
Segundo ele, via de regra o processo de definição do projeto arquitetônico começa logo depois da escolha do terreno e depois de todos os estudos feitos no local por uma empresa especializada. Em média, conta, um projeto de shopping center fica pronto em seis meses – prazo que pode variar muito dependendo do porte do empreendimento. Durante esse período, várias áreas são envolvidas para conceber o desenho: os empreendedores, área comercial, engenheiros, arquitetos. Nessa fase, é preciso dimensionar a Área Bruta Locável (ABL) e o mall para facilitar o trabalho de comercialização. “Defini-se tamanho, conceito e capacidade de investimento inicial, bem como futuras expansões e conexões”, afirma Dória.
Mas o trabalho do arquiteto não acaba quando o projeto fica pronto. Primeiro porque esse desenho precisa de aprovação dos órgãos públicos – e até chegar a essa etapa, alterações são feitas. Só depois de tudo aprovado é que as obras começam – bem como continuam as mudanças. “Muitas coisas acontecem durante a obra e desta forma o projeto deve ter flexibilidade”, explica Dória. “O shopping é um organismo vivo e de repente surge a possibilidade de uma âncora a mais entrar no negócio, ou uma loja querer dobrar o espaço que tem. Desde que essas alterações sejam possíveis de serem feitas, elas continuam durante as obras”, conta Graziosi. “Via de regra, o desenho do mall é mantido quando as obras começam”, completa.
Para ele, o modelo de negócio que o Brasil segue quando o tema é projeto de grandes obras não é muito adequado. “Em países desenvolvidos, o projeto é feito com um tempo muito maior e com muito mais seriedade do que é feito no Brasil. Aqui, a obra demora dois, três anos, sendo que o projeto fica pronto em média em seis meses. Lá fora é o contrário”, explica. Os modelos europeu e norte-americano evitam grandes alterações durante a obra, o que ajuda a manter o orçamento dentro dos limites, bem como o prazo estabelecido da obra.
Outro ponto desafiador é a relação entre as partes envolvidas. Os especialistas concordam que uma conversa frequente ajuda a seguir com o projeto sem grandes percalços. “A integração entre as áreas é fundamenta”, afirma Doria. Para ele, isso ajuda a manter o conceito do projeto dentro da adequação mercadológica com as operações.
Para ajudar na integração, normalmente são contratadas empresas especializadas para fazer a coordenação efetiva durante todo o processo, o que contribui para manter o prazo e o investimento dentro do parâmetro estabelecido. “Essa coordenação visa atender ao projeto como todo”, avalia Graziosi. Na Tenco Shopping Centers, empresa que desenvolve e administra 20 shoppings no País, a integração entre as áreas é fundamental na elaboração do projeto arquitetônico, segundo Fábio Araújo, gerente de projetos técnicos da companhia. Lá, há sempre um gestor principal para alinhar todo mundo. “A equipe de projetos técnicos é quem lidera e o líder é a figura articuladora das soluções, responsável pela interação entre o arquiteto, os desenvolvedores, a empresa de shopping de center e a operação”, afirma. Ao todo, conta ele, cerca de 40 especialidades estão envolvidas em um projeto.
Segundo Araújo, todos trabalham com o objetivo de desenvolver shoppings que sejam fortes do ponto de vista comercial e operacional. Nesse processo, cada área contribui com o que tem de melhor. “A articulação tem o objetivo de retroalimentação: quem melhor para falar o que tem de ter na circulação, vitrine, por exemplo, do que a operação?”, exemplifica Araújo. Até o consumidor é ouvido nesse processo. “Ele participa de forma indireta. Eles acompanham a obra e dão feedback pelo SAC e a área de operações nos traz essas informações”, aponta.
Rumo à interação
Espaços abertos e bem iluminados continuam sendo os pontos fortes de qualquer projeto de shopping centers. Embora os projetos tenham evoluído muito nos últimos anos, os empreendimentos ainda precisam melhorar alguns pontos, afirma Manoel Alves Lima, presidente do escritório de projetos FAL – Design Estratégico para Varejo. “O shopping tem todo um discurso de ser um centro de atração para a comunidade onde o público pode mais do que simplesmente comprar, mas também passar horas agradáveis, sendo a compra consequência disso. Mas a maioria dos shoppings continua apresentando toda sua comunicação de uma maneira mais institucional”, afirma. “O shopping deveria materializar esse discurso no projeto e assumir essa atitude, usar os pontos de contato para efetivar a interação com o frequentador”, diz. Para ele, projetos como os dos shoppings Cidade Jardim, de São Paulo, Village Mall e Nova América, do Rio de Janeiro, são exemplos de empreendimentos que conseguiram isso.
Para Lima, os empreendimentos devem dar atenção a todos os pontos de contato que o frequentador tem com o shopping, do estacionamento ao mall. “Cada vez mais, essas áreas serão usadas como áreas descompressão, de boas-vindas”, avalia. “Hoje, enxergamos o shopping como um equipamento que quer integrar, um equipamento social, porque temos mais opções para as pessoas resolverem as pequenas aflições diárias”, avalia.
Para os especialistas, a grande tendência é que os projetos sejam cada vez mais especializados. “Embora ainda predomine os shoppings tradicionais, os especializados estão ganhando espaço”, afirma Graziosi. E boa parte deles segue uma linha mais neutra e sóbria nos projetos. Em termos de materiais, os mármores e granitos permanecem como preferência entre os projetos. “Os materiais estão em constante renovação, mas os naturais são os mais procurados por serem resistentes e de fácil manutenção”, afirma o arquiteto. Para Araújo, da Tenco, cada vez mais se tem buscado materiais que permitam uma obra com poucos desperdícios e que comporte uma estrutura mais sustentável. E isso vai desde a estrutura até a arquitetura.
O resultado tem de ser positivo para o frequentador. “O ambiente precisa ser mais aconchegante, com vidros que permitam a entrada de luz natural, mas de forma que o calor fique do lado de fora”, explica Araújo. O que conta hoje e contará daqui pra frente é que beleza não será o único e mais importante atrativo dos shoppings. Se a arquitetura não cativar o frequentador, fazê-lo entrar no empreendimento e ficar por ali, o investimento já não vale a pena. “No fim, se não criarmos espaços agradáveis, o restante se torna menos importante e todos os trabalhos técnicos que foram feitos morrem por si só”, conclui Graziosi.