Para Carlos Jereissati, demanda foi explosiva, especialmente para marcas de luxo internacionais
Por Adriana Mattos
A demanda por artigos de luxo disparou no país, e a partir da reabertura do comércio após a segunda onda da pandemia, as vendas chegaram a atingir patamares semelhantes ao do Natal, diz Carlos Jereissati, CEO da Iguatemi Empresa de Shopping Centers, o maior grupo de ativos “premium” do setor no país. “[A demanda] foi explosiva. Tivemos um maio com vendas de Natal, para marcas internacionais de modo geral, e com marcas nacionais também indo bem. As escolas voltaram, e as pessoas voltaram do interior para consumir nas capitais”. Por ano, a Iguatemi soma R$ 14 bilhões em vendas de lojistas (dados de 2019, antes da crise) e é sócia em 21 empreendimentos, entre shoppings, outlets e torres.
Segundo ele, a velocidade de retomada é mais forte do que na primeira fase de reabertura das lojas, entre outubro e dezembro, e há shoppings com crescimento sobre o ano de 2019.A recuperação de maio e junho foi mais rápida, pelo aumento da vacinação e com shoppings operando mais horas”
Em termos de investimentos, afirma que após a reestruturação societária em andamento no grupo, novos ativos podem ser prospectados. Ele confirma o interesse em aumentar a sua posição no Pátio Higienópolis, em São Paulo, como o Valor relatou em junho.
No mês passado, a companhia anunciou que a holding da família, a Jereissati Participações, deve absorver a Iguatemi, o que aumentará a liquidez do papel na bolsa e pode abrir caminho para novas ofertas de ações, sem que os Jereissati percam o controle do negócio. Há uma expectativa no mercado de que emissões venham após essa reestruturação. O executivo não fala desse assunto. “ Eu gosto de investir onde o controlador está investido, porque ele está no risco comigo. Vemos empresa sem controlador batendo cabeça”.Ou se aposta em equilíbrio, em gente preparada para o país avançar ou vamos continuar reféns de extremos”
A respeito do ambiente político, Jereissati diz que “as pessoas estão percebendo que extremos não levam a lugar algum”. “Ou a gente aposta em equilíbrio, em gente preparada para o país avançar ou vamos continuar reféns de extremos e não melhora para ninguém. Tenho convicção que as pessoas estão percebendo a necessidade de se votar em alguém que avance, que saiba dialogar, que fale muito mais em amor do que em ódio e que transforme a vida das pessoas para melhor”. Abaixo, seguem trechos da entrevista:
Valor: Como têm evoluído as vendas após a reabertura das lojas?
Carlos Jereissati: Realmente maio e junho foram muito bons para nós, pelo represamento de vendas em certas praças, especialmente nas marcas internacionais e em marcas únicas. Então, o que temos visto é a realidade da venda na loja física se impondo, o que mostra a relevância do físico na vida das pessoas. O shopping tem muito isso de ser um “meeting point”, e isso está vindo muito forte, com as pessoas voltando mais seguras após a vacinação. O que vemos, por exemplo, é o centro de Brasília sofrendo muito mais do que a área onde estamos, no Iguatemi Brasília, que é mais residencial [e se beneficia do “home office”]. Ainda hoje, todas as áreas centrais, cujos escritórios ainda não voltaram, ainda sofrem mais do que os outros shoppings.
Valor: Há aumento de tráfego de clientes com conversão em vendas? Porque na primeira fase de reabertura das lojas, na metade de 2020, a conversão não veio tanto…
Jereissati: Há um continuidade na recuperação, com uma melhoria na venda mais rápida do que o fluxo [de consumidores]. As curvas mostraram que a venda voltou primeiro, e mais forte que o fluxo, porque as pessoas iam ao shopping já sabendo o que comprar. O que ocorre, agora, é que também começamos a ver o fluxo subindo gradualmente. Essa equação toda está voltando a funcionar de forma plena para que a atividade volte também plenamente.
Valor: Essa demanda volta mesmo com algum retorno das viagens internacionais, ainda que lentamente? E o sr. acha que o setor vai ser afetado já neste ano pela volta do turismo e recuperação de setores concorrentes aos shoppings?
Jereissati: [A demanda] foi explosiva. Você teve maio com vendas de Natal, para marcas internacionais de modo geral, e com marcas nacionais também indo bem. Mas nas estrangeiras, tivemos alguns momentos com vendas similares ao Natal. Temos que lembrar que as escolas voltaram, e as pessoas voltaram do interior para consumir nas capitais. Então, eu acho que essas viagens [para fora do país] não são representativas porque a segunda dose é no meio do segundo semestre para muita gente. Quem chega aos Estados Unidos ainda está tendo que fazer quarentena, e durante todo o segundo semestre, muitas áreas ainda estão fechadas. Enquanto não existir uma combinação de vacinação ampla e países completamente abertos, não vejo efeito. Acredito no segundo semestre com boas perspectivas para o setor.
Valor: O setor vai sentir impacto em 2022? Ou a sua base de comparação [de 2021] vai ser mais ‘fácil’ e isso equilibra seus números?
Jereissati: No segundo semestre do ano que vem deve ter alguma comparação distorcida por esses eventos. Mas acho que muita gente, os clientes com idade mais avançada, vão esperar o mundo entrar numa normalidade para viajar e consumir lá fora. Ainda se fala hoje até na necessidade de uma terceira dose.
Valor: E tem ainda o efeito do câmbio. Ele ajuda o lojista aqui, ao limitar viagens, mas atrapalha ao encarecer produtos dolarizados…
Jereissati: Temos que lembrar que aqui se paga a compra em parcelas, mas a viagem não é só isso, tem passagem, estadia, e isso tudo junto fica realmente caro, o dólar se valorizou muito.
Valor: No primeiro trimestre, as vendas totais dos seus shoppings caíam cerca de 30% sobre 2020. Mas esquecendo 2020, porque essa base é muito fraca, há crescimento sobre 2019?
Jereissati: Não posso te dar projeção [Iguatemi é empresa de capital aberto], mas todos os dados melhoraram, vendas, inadimplência. Então isso tem aberto porta para novas negociações de pontos, os lojistas estão mais seguros para voltar a investir e renegociar pendências do passado. Há uma redução do ‘gap’ [sobre 2019], numa velocidade maior do que o que víamos no fim de 2020. Porque, lembre-se, a situação vinha melhorando até dezembro, e depois piorou. Essa recuperação de maio e junho é mais rápida do que a de outubro, novembro e dezembro de 2020, pelo aumento de vacinação, empreendimentos operando mais horas e a volta das pessoas para as cidades. Já temos hoje shoppings com crescimento sobre 2019.
Valor: O projeto de lei que prevê troca do índice de reajuste dos contratos de locação do IGP-M pelo IPCA parece ter parado no Congresso. Shoppings e lojistas andaram muito ativos nessa discussão em Brasília. As lojas dizem que IGP-M é insustentável após a alta de mais de 30% em 12 meses. Por que vocês acham que a mudança é nociva?
Jereissati: Essa discussão aconteceu em 2002, 2004, então ela vai e volta. Nós temos um grande mal, como povo, que é achar que todos os nossos problemas têm que ser resolvidos pelo governo. Nós temos que ter maturidade para saber discutir temas e negociar entre os setores. Ninguém vai praticar coisas que não sejam razoáveis. É importante que exista essa negociação, e ela está acontecendo entre lojistas e shoppings.
Valor: Os lojistas alegam que há desequilíbrio nessas conversas, quando são feitas individualmente, loja versus shopping, que é um David versus Golias.
Jereissati: Mas a questão é que os contatos são muito diferentes. E o cenário mudou de 2020 para cá. Nós soubemos quando negociar [no ano passado] e isso é uma maturidade do time todo de entender o momento e propor políticas pertinentes na época. A questão é que os contratos são individuais, você tem contratos com base de aluguéis baixíssimas que podem ser corrigidos sem problema nenhum. Mas você tem de tudo. Então, querem dar uma única solução mexendo com um mercado inteiro [a mudança de índice proposta engloba contratos residenciais] por uma situação pontual. Isso acabará se equilibrando no tempo. Temos que lembrar que você vai ter lá na frente o IGP-M negativo e o IPCA positivo. E aí, faz o que? Troca de novo? Não podemos viver a vida inteira com essas ameaças. É preciso que a gente aprenda a sentar com maturidade e resolvermos as questões. E não ficar o tempo todo pedindo que o governo estabeleça regras.
Valor: É possível buscar algum sócio em sua operação digital, o Iguatemi 365? Vocês pensam num spin-off lá na frente?
Jereissati: Ele ainda é muito embrionário, tem um ano e meio de vida, então o trabalho ainda é de melhorar o produto. Começamos com 40 marcas, hoje são mais de 400, e acabamos de nos tornar nacionais. Desde junho, estamos atuando em cidades que são 80% do PIB brasileiro. Vamos lançar nosso “app” em outubro, com mais funcionalidades, mais redondo, e com aperfeiçoamento nas entregas e começar a entregar no dia seguinte em São Paulo.
Valor: Sobre essa questão, os markeplaces de shoppings entregam em 4, 5 dias, num momento que o varejo já faz envios no mesmo dia. O Iguatemi 365 entrega em até 7 dias úteis para São Paulo. Mas as exigências do cliente aumentaram muito. Vocês pensam em usar a parceria com a Infracommerce [empresa de soluções digitais, que tem a Iguatemi como sócia], trocando algo com eles?
Jereissati: A Infracommerce é um investimento da companhia [a Iguatemi tem 10%] e nos empresta aprendizados. Temos algumas ideias de parceria entre Iguatemi e Infracommece e estamos estudando como fazer isso, estamos avançando. Mas é preciso evoluir ainda para ver se precisamos trazer alguém para o negócio. Eu saio no fim do ano [Jereissati irá para o conselho de administração] e uma grande satisfação é ter feito essa empresa virar ‘omnicanal’, e talvez a única empresa de shopping do país com estratégia clara de multicanalidade. A cada trimestre, vamos vir com algumas novidades tecnológicas, aumentando mercadorias, e facilitando entrega. Nós temos uma estrutura com o Mario Meirelles [chefe do digital desde janeiro, e ex-Amazon], temos várias companhias parcerias que fazem a logística para nós, e nos servimos de terceiros. Nós não cuidamos da logística diretamente.
Valor: Meu ponto é que há uma pressão sobre o nível de serviço e me parece que os marketplaces de shoppings estão mais atrasados.
Jereissati: Mas nenhum desses caras entrega premium no Brasil. O premium é segmentado, é preciso identidade de marca, é um outro modelo. Os shoppings começaram no Brasil e ninguém era premium. Aí se percebeu que era possível uma segmentação. Você compra banana, parafuso, bateria, em qualquer lugar. Mas um Dolce, um Ermenegildo Zegna, só num shopping segmentado. Então há um natural caminho que leva um tempinho, mas vamos caminhar para avançar, como fizemos no físico.
Valor: Pelas contas de analistas cruzando com seu balanço, é possível concluir que a venda do seu digital é menos de 1% das suas vendas totais. Gira em torno disso?
Jereissati: Não fazemos ‘disclosure’ disso. Importante é que ele cresce a taxas relevantes, não iria de 40 para 400 se não estivesse funcionado, e ainda temos uma taxa de mais de 80% de novos visitantes, o que mostra que cresce muito. O cliente recorrente é muito menor que o cliente novo, o que comprova a existência desse modelo de crescimento acelerado.
Valor: Sobre a reorganização dos negócios proposta pela empresa em junho, com a incorporação da Iguatemi pela holding, vocês já disseram que isso deve simplificar a estrututra e abrir espaço para novos investimentos. Quais são as áreas de investimento? Há espaço para abrir novos outlets? Ou aumentar participação em shoppings em Porto Alegre, Brasília, e em São Paulo?
Jereissati: Há muita oportunidade de crescimento em tudo o que você falou. Todas as avenidas de crescimento que a gente sempre falou são oportunidades ainda. O que queremos é acelerar o crescimento da companhia destravando essa questão do controle. O futuro é muito mais de companhias com modelos híbridos, com o digital, mas veja também a força de nossos negócios tradicionais, basta ver como o físico voltou forte [após a vacinação]. Estamos vindo com a primeira loja da marca Golden Goose, vamos abrir o primeiro St Marche fora de São Paulo, no Iguatemi Campinas, em janeiro.
Valor: Os acionistas minoritários estão muito mais ativos, e um eventual apoio do mercado aprovando a reestruturação, caso isso ocorra na assembleia, levará a uma cobrança maior para a empresa gerar crescimento. Vocês consideram uma oferta de ações após a reestruturação?
Jereissati: Como pioneira na abertura de capital, já existia lá atrás essas perguntas e a empresa foi assertiva, não fez loucura, gerou valor, cresceu enormemente. Sabemos o que fazer, como fazer, e o mercado premia uma empresa com controlador alinhado porque dá segurança. Eu também gosto de investir onde o controlador está investido, porque ele está no risco comigo. Vemos empresas sem controlador batendo cabeça. Sobre “follow on” não tenho nada a comentar.
Valor: A empresa pensa em aumentar a participação no shopping Pátio Higienópolis?
Jereissati: Claro, estamos investindo lá, é um investimento que para nós é óbvio. Mas, primeiro, quem é dono precisa vender [há vários sócios minoritários]. Já houve no passado recente tentativas, é um ativo que temos interesse, mas vai acontecer no momento certo. Acho que é importante organizar a companhia e alinhar interesses para partir para crescer numa velocidade interessante.
Valor: Temos visto o avanço da CPI, com maior embate entre os três Poderes, o que traz cenário de maior incerteza, e tudo isso às vésperas de um ano eleitoral, que já é historicamente um período de maior instabilidade para a economia. Como o sr. está vendo esse quadro atual?
Jereissati: O Brasil é um país continental, com 26 governos estaduais, e tem uma vantagem porque, apesar de ter que conciliar muitos interesses para avançar, é mais difícil andar para trás quando há uma situação mais consolidada. Eu vejo isso muito na Economia, porque se briga em certas questões, mas quando se mexe com inflação, se faz tudo para que não se gere inflação alta. O Brasil está mostrando uma maturidade em entender que há um “base line” que não se pode transpor. Acho que a democracia brasileira é um “base line”, a estabilidade da moeda é um “base line”. O que acho é que deveríamos olhar para frente e ver o que gostaríamos de ser num futuro breve, se queremos ser um país dividido ou unido. Nenhum país dividido vai para frente.
Valor: Trazendo essa discussão para o dia de hoje, vemos analistas alertando para novos desequilíbrios, com uma reforma do Imposto de Renda tributando mais a classe média, mantendo taxação aos dividendos e aliviando as empresas.
Jereissati: O relatório da reforma que saiu hoje [ontem] já está muito mais organizado e bem-feito, revendo alguns pontos, e atendendo as demandas de quem produz. Eu acho que qualquer reforma que venha a ser feita tem que privilegiar quem produz, é a mola propulsora, é quem toma risco. E não um indivíduo. É apoiar quem transforma, que são as pessoas e seus negócios. Sobre dividendo, acho que aquele dividendo que não retorna ao negócio, realmente […]. Você precisa de mais empresas ricas, e menos pessoas ricas, e de mais negócios acontecendo.
Valor: A empresa está mais cautelosa com investimentos por conta desse cenário político?
Jereissati: No passado recente, quando o Brasil estava em polvorosa, e tivemos um governo de transição com o Temer, o país avançou. As pessoas estão percebendo que extremos não nos levam a lugar algum. Ou a gente aposta em equilíbrio, em gente preparada para o país avançar ou vamos continuar reféns de extremos e não melhora para ninguém. Tenho convicção que as pessoas estão percebendo a necessidade de se votar em alguém que avance, que saiba dialogar, que melhore o ambiente de negócio e as condições de vida das pessoas, que fale muito mais em amor do que em ódio e que transforme a vida das pessoas para melhor.
Valor: A gestão da pandemia mostrou isso, na esfera federal e estadual?
Jereissati: Não vou entrar nisso. Minha mensagem já está dada.
Fonte: Valor Econômico