Por Raquel Brandão e Natalia Viri | A Americanas ainda está em negociações para equalizar sua dívida de quase R$ 40 bilhões. Mas, com balanços de 2021 e 2022 finalmente reapresentados e confiante de que um acordo com os credores possa ser aprovado ainda este ano, a nova gestão trouxe para os investidores pela primeira vez um desenho do que que imagina ser a companhia nos pós-crise.
Varejista com o maior número de lojas no país – são 1600 unidades espalhadas em todos os Estados –, a companhia não pretende fechar lojas e planeja inclusive uma expansão após 2025, quando acredita que as contas estarão saneadas. A ideia é que os pontos físicos sirvam como principal conexão para construir valor em cima da marca, inclusive no online.
“Nossas lojas não são um peso, são um ativo formidável para construir conexão com nossos clientes”, diz o CEO Leonardo Coelho, que assumiu a operação em fevereiro, pouco depois da passagem relâmpago de Sérgio Rial.
De acordo com o Coelho, o tema é deixar par atrás os “feudos”, permitindo a criação de sinergias entre todas as áreas de negócios. “No passado, não era possível haver a visão de um todo na Americanas. Essa não visão do todo era o que viabilizada a fraude, porque assim ela não era percebida pelo time geral”, afirmou o executivo.
A missão da gestão passa por fazer o negócio digital ser mais integrado com o físico, que funciona como um hub de entrega das vendas online. Para isso, na frente 1P, ou seja, a de venda direta, deve reproduzir mais o portfólio da loja física. Um exemplo de categoria de atuação é o de telefonia.
Outras categorias em que a loja física não é forte, mas o site da Americanas é referência, como as de linha branca (eletrodomésticos) ou linha marrom (equipamentos de áudio e vídeo), a venda será por meio de parceria com os grandes fornecedores operando como sellers. “Um super 3P”, define Coelho.
“O nosso digital tem se mostrado resiliente, mesmo com o impacto das restrições que fizemos especialmente em publicidade. Maso digital da Americanas não vai ser concorrente em tamanho e peso de um Mercado Livre, pelo menos não no curto prazo”, argumenta Coelho, destacando que o digital vai ser um complemento ao físico.
A empresa sentiu uma redução de sellers dado o ambiente de credibilidade afetada. Após criar iniciativas para ficar mais próximo dos vendedores do site, incluindo o pagamento em períodos mais curtos, a companhia conseguiu voltar a crescer seu marketplace, com 9 mil sellers novos.
A Americanas não trouxe os números de valor geral de mercadorias vendidas (GMV) nas duas plataformas para 2022 – e afirmou que deve voltar apresentá-los apenas nos resultados trimestrais de 2023, que ainda não tem data para serem publicados.
Num cenário desafiador no ecommerce, que arrastou para a crise players como Via Varejo e Magalu e forte competição de produtos asiáticos, as principais perguntas do analistas se voltaram para como a Americanas pretende manter sua posição competitiva num cenário de casa ainda bagunçada e crédito mais restrito. “A empresa não tem mais apetite nem capital para investir em itens que tem margem baixa”, disse o CEO sobre a atuação no online, em que o 3P vai ganhando mais relevância.
Mas ele vê algumas alavancas no negócio da Americanas: forte atuação em itens de menor desembolso e maior recorrência de compras. Segundo Coelho, com um tíquete-médio mais baixo, a companhia tem conseguido manter o fluxo de clientes mesmo em meio à restrição de renda dos consumidores, afirma o executivo. “É uma marca com muita conexão com o brasileiro e que teve uma resiliência impressionante nesse cenário de crise”.
Ao longo de 2023, a operação física é quem tem sustentado os negócios do grupo em meio à crise de credibilidade que a Americanas passou a enfrentar após a revelação do rombo, em janeiro. Os primeiros meses foram de foco na categoria de conveniência, disse o CEO, por causa de problemas de fornecimento dado a restrição de liquidez.
Agora, a empresa voltou a ampliar sortimento para categorias de variedade, um dos alvos da companhia daqui em diante. O plano passa por crescer, mas com “massa de margem” e, também, pela renovação das lojas.
O objetivo é que o inventário de cada loja seja maispersonalizado, atendendo às necessidades específicas de onde a unidade está instalada. “É ter os itens corretos, nas lojas corretas e com preços corretos.”
Cronograma para o plano de recuperação
Ainda que dê uma sinalização importante ao mercado, os planos para o pós-crise são apenas uma miragem até que haja a aprovação do plano de recuperação judicial, que segue sendo o principal driver para a companhia.
A CFO Camille Faria destaca que a previsão é que o acordo com os credores seja aprovado ainda em dezembro e homologado no começo de 2024. O objetivo é evitar o recesso judicial e os entraves de começo de ano, como o feriado de Carnaval, explica a diretora em entrevista ao EXAME In.
A partir daí, seriam mais 90 dias para a capitalização integral e a execução de leilões reversos que servirão para comprar a dívida remanescente com desconto. Nesse cenário, a única dívida remanescente para a companhia seria uma nova emissão de R$ 1,85 bilhão para financiar o valor restante.
“Sabemos que cronograma é ambicioso, mas queremos alcançá-lo”, diz Faria.
É um cronograma apertado para uma empresa que levou onze meses para conseguir recolher apresentar os novos balanços, mostrando de fato o rombo causado pelas administrações anteriores. A Americanas terminou 2022 com uma dívida líquida de R$ 26,3 bilhões e um patrimônio negativo em R$ 26,7 bilhões.
Mais de 10 credores institucionais, que representam cerca de 60% das dívidas, estão na mesa negociando. “Não é que exista um consenso, pois tem arestas a aparar, mas a espinha dorsal do plano está definida e credores estão em processo interno de aprovação. Então não imagino aprovarmos o plano abaixo disso”, diz Faria.
Na mesa desde meados do mês passado, ele prevê uma capitalização de R$ 12 bilhões por parte do trio 3G, que são os acionistas de referência, mais uma conversão da mesma magnitude por parte dos bancos, que concentram a maior parte das dívidas. Um valor remanescente será pago por meio de leilões reversos com desconto mínimos de 70% e mais uma rodada de negociação para pagar o valor restante com haircut.
A ideia é que, ao fim do processo, reste apenas uma dívida de R$ 1,85 bilhão, referente a uma nova emissão de debêntures para alongar o passivo remanescente.
Nesse cenário, a empresa sinalizou que pretende voltar a ter patrimônio líquido positivo em 2025 gerar um Ebitda (resultado antes de juros, impostos, depreciação e amortização) recorrente de R$ 2,2 bilhões. Todo recurso obtido com possível venda de ativo, vai ser utilizado para abater a nova dívida, Considerando um potencial ganhod eR$ 1 bilhão com desinvestimentos no plano de RJ, isso levaria a empresa a uma alavancagem de 0,75 vez. “Já nos coloca como a empresa de menor alavagem do setor.”
“Mesmo em 2024, a Americanas já vai ser uma empresa mais leve. A receita vai ser menor que no passado, mas vai ser focado em segmentos em que Americanas é destino ou onde possamos nos posicionar para uma venda adicional. Portanto, será uma margem muito mais robusta”, diz Coelho.
Venda de ativos
A administração também reforçou que a venda da fintech Ame não é uma opção de curto prazo. “Continua sendo um link entre nosso mundo físico e digital e uma forma de rentabilizar de maneira inteligente nossa base de clientes”, explicou o executivo.
Nessa frente, desde o começo do ano, a empresa iniciou um processo de reestruturação financeira e operacional. Quer ampliar o programa de fidelidade e também reforçar as vendas, com possibilidades novas, como concessão de crédito com funding de terceiros.
Uni.co e Natural da Terra são ativos cujo desinvestimento continua sendo estudado, mas “não vai ser por liquidação”, diz Coelho. As companhias chegaram a entrar como possíveis vendas no plano de recuperação, com previsão de levantar cerca de R$ 2 bilhões. No entanto, as ofertas até o momento ficaram muito aquém disso. Enquanto isso, diz Coelho, o grupo vem buscando melhorias operacionais nas duas empresas.
Fonte: Exame