Varejista reduz desperdícios e quer ter 100% dos fornecedores certificados até 2021. Frutos e flores de jatobás, braúnas, imbuias e ucuúbas – árvores brasileiras ameaçadas de extinção – estampam camisas e macacões da Renner. A coleção, vendida pela internet e em apenas uma loja física, a da rua Oscar Freire, no bairro paulistano dos Jardins, foi lançada há três semanas, quando o ritmo acelerado de desmatamento na Amazônia ganhava as manchetes dos principais jornais do país e do mundo.
O “timing” certeiro não foi intencional – a coleção começou a ser desenvolvida em fevereiro deste ano – e as clientes da varejista tampouco expressaram preocupação recente com a preservação da flora nacional nas redes sociais. Mas a companhia considera importante ter em seu portfólio roupas feitas com tecidos que agridem menos o ambiente como a poliamida biodegradável e o algodão certificado.
Do total de peças vendidas, 26% são feitas com materiais menos danosos ao ambiente – meta é ter 80% em 2021
“Tentamos estampar a árvore inteira na roupa, mas não funcionou. Partimos para os detalhes”, diz o diretor de sustentabilidade da Renner, Eduardo Ferlauto. Ele não informa quantas peças já foram vendidas da coleção especial, mas tem na ponta da língua um número bem mais importante: 26% das peças que a companhia vende atualmente são feitas com materiais, e a partir de processos, “menos impactantes” ao ambiente. Sua missão é fazer com que a companhia aumente essa fatia para 80% em 2021.
No ano passado, a Renner vendeu 12 milhões de peças fabricadas a partir de materiais e métodos que causam menor impacto ao ambiente. Isso equivale a cerca de 20% do total comercializado pela empresa.
O controle sobre os fornecedores é parte importante do plano. A indústria da moda costuma ser acusada de negligenciar a fiscalização sobre a origem dos produtos que vende. Grandes empresas como Renner, C&A e a Inditex, dona da Zara, têm feito auditorias regulares em sua cadeia de fornecimento nos últimos anos. Em 2018, somente a Renner fez mais de 4 mil auditorias, com uma equipe própria.
A companhia tem 70% de suas roupas feitas no Brasil, em especial em Santa Catarina. O restante é importado da Ásia. A produção nacional depende em grande parte de 300 confeccionistas, que são responsáveis por cortar o tecido, iniciando o processo de produção.
“Aqui no Brasil, se costumava trabalhar com uma mesa de corte de seis metros de comprimento. Mesmo o nosso maior fornecedor usa esse tipo de mesa. Mas uma mesa maior, de 18 metros, traz benefícios”, diz Ferlauto, que no ano passado levou um grupo de fornecedores à Espanha, para conhecer de perto como a Inditex, a dona da Zara, faz suas roupas.
As mesas usadas pelos produtores espanhóis são de 18 metros. Conseguem cortar mais tecidos de uma vez só, acelerando o processo e reduzindo o desperdício de tecido. “Não exigimos isso dos fornecedores, mas mostramos o benefício. Se ele usar uma mesa maior, ele aumenta a produtividade”, diz Ferlauto, que voltou animado da viagem à sede do grupo espanhol, uma referência mundial no mercado de moda popular.
A Zara tem milhares de fornecedores na Europa e na Ásia. “É um ecossistema do qual fomos aprendendo. Nos inspirou para montar nossa política em relação a resíduos. Também consultamos a USP [Universidade de São Paulo]”, diz Ferlauto.
Já há progressos. Na produção de uma peça de jeans, por exemplo, diz o executivo, a fatia de tecido jogado fora caiu de 20% para 15%. “Esse trabalho tem muito a ver com a mesa de corte do tecido usado pelo nosso fornecedor”, diz Ferlauto.
A companhia tem procurado aumentar a produtividade no setor de jeans e também no de malha. “Com o Sebrae, temos um projeto com 170 oficinas de costura e conseguimos aumentar a produtividade entre 13% e 17%”.
Dentre as metas para 2021, a Renner estabeleceu ter 100% de seus fornecedores nacionais e estrangeiros de roupas, calçados e acessórios com “certificação socioambiental”. O algodão, diz Ferlauto, a Renner já consegue comprar 100% certificado pela Better Cotton Institution (BCI), uma organização sem fins lucrativos, sediada em Genebra (Suíça). Quando um produtor recebe um selo da BCI significa que ele respeita leis trabalhistas e o ambiente.
Uma das maiores varejistas de perfumes do país, a Renner também tem um programa de logística reversa que cresce a cada ano. A clientela pode devolver à companhia frascos e embalagens de perfumes comprados ou não na Renner.
Em 2011, primeiro ano do programa, foram recolhidas 4,6 toneladas. No ano passado, 36,1 toneladas. Todas as lojas da Renner – são 363 no total – podem receber frascos e embalagens vazias de perfumes. E 15 lojas fazem o mesmo com roupas usadas, que podem ser encaminhadas para doação ou são transformadas em novas peças como almofadas e cobertores. Este projeto está atrelado a um outro programa social, voltado a refugiados.
Iniciado há dois anos, o programa ensina mulheres que chegam ao país em condições precárias a costurar. “Já demos cursos a 280 refugiados de Haiti, Venezuela e Guiné Bissau”, diz Ferlauto. A varejista contratou 50 pessoas desse grupo para trabalhar como assistentes de vendas nas lojas da Renner e da Camicado, marca que reúne lojas de produtos para casa.
Também faz parte das metas para 2021 da companhia, ter 75% da energia que usa gerada por fontes renováveis. Hoje essa fatia é de 37%. Para esse projeto, Ferlauto considera energia solar, termoelétrica e de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs).
Sobre as florestas ameaçadas, de onde veio a inspiração para a coleção que estampa flores e frutos de árvores em extinção, a Renner mantém um programa, desde 2001, para ajudar a manter a mata natural em Rondônia.
“Desde 2016, neutralizamos anualmente 100% das emissões de CO2 geradas pela nossa operação por meio da compra de créditos de carbono”, diz Ferlauto. O projeto é responsável pela conservação de 73 mil hectares de floresta, o que abrange 17 espécies de flora e 785 de fauna. Considerados todos os projetos apoiados pela Renner, a varejista ajudou a conservar mais de 100 mil hectares de floresta amazônica.
Os investidores reconhecem o esforço da companhia. A Renner é a única varejista brasileira a integrar o índice de sustentabilidade da Dow Jones deste ano.
Fonte: Valor Econômico