Uma série de discordâncias entre os controladores da varejista Saraiva, a maior rede de livrarias do país, e acionistas minoritários motivou a interrupção das assembleias gerais extraordinária e ordinária da empresa realizadas na sexta-feira passada. O Valor apurou que a suspensão dos trabalhos aconteceu depois de desentendimentos entre representantes da família Saraiva e investidores, que discordam do pagamento de um bônus não previsto para a administração, e são contra a aprovação do balanço de 2015.
A reação desses sócios é pano de fundo de uma insatisfação maior. Segundo fontes, minoritários têm estado descontentes com decisões do comando da Saraiva, que enfrenta dificuldades para reerguer sua operação de varejo – único negócio da empresa após a venda, em 2015, da editora Saraiva para a Somos Educação. A deterioração do desempenho, anterior à crise econômica, acompanha uma perda de valor de mercado de quase 30% neste ano e de 40% em 2015. A rede vale R$ 128 milhões hoje, para um patrimônio de R$ 520 milhões.
O Valor apurou que cresceu a pressão de minoritários, nas últimas semanas, para a troca da presidência da rede, comandada por Jorge Saraiva Neto, filho do presidente do conselho, Jorge Eduardo Saraiva e de Olga Saraiva, também membro do conselho. Entre 2013 e 2014, Michel Levy dividiu o comando da rede com Saraiva Neto, numa tentativa de profissionalização que não deu certo.
Nos bastidores, circulam informações de uma posição mais crítica aos controladores por parte dos acionistas da família Gonçalves, detentores de ONs (com direito a voto), segundo apurou o Valor. Ruy Gonçalves, já morto, diretor da empresa por décadas, foi casado com a neta do fundador da Saraiva, e hoje quatro filhas de Ruy são acionistas da rede. A gestora GWI Asset Management, maior preferencialista da rede (com voto restrito), também estaria reforçando o discurso favorável à mudanças na empresa, segundo fontes.
A GWI tem 38,98% das PNs e 25,86% do capital total. Jorge e Olga Saraiva têm 58,7% das ONs e 24,4% do capital.
O Valor apurou que a família Gonçalves, com 20% das ONs, deve indicar na assembleia um membro para o conselho de administração. Na quinta-feira passada, Maria Cecilia Saraiva Gonçalves, titular de 5,13% das ONs, fez requerimento à companhia pedindo voto múltiplo na reunião de sexta.
O voto múltiplo aumenta a possibilidade de os minoritários ganharem representatividade no conselho, pois é possível concentrar vários votos em um candidato.
Além disso, a GWI, gestora do coreano Mu Hak You (ex- sócio de B2W e ex-Lojas Americanas) também deve indicar um candidato, o próprio Hak You. Se forem eleitos, os indicados integrarão a chapa com Jorge e Olga Saraiva; o filho deles, Jorge Saraiva Neto; e Julio Sergio Cardozo, hoje no conselho fiscal.
Na sexta-feira, foi aprovada apenas o tópico do aumento de capital de R$ 3 milhões, mediante uma capitalização de uma reserva para futuro aumento de capital, um ponto sobre o qual não havia divergências. Quando outros assuntos foram colocados em votação, o clima ficou mais tenso, e sem deliberação, nova assembleia foi marcada.
Um dos tópicos mais polêmicos trata de um bônus de R$ 3,4 milhões, provisionado nos demonstrativos de 2015 para possível pagamento aos administradores e empregados envolvidos na transação de venda da editora Saraiva no ano passado. Na reunião, acionistas questionaram o provisionamento desse adicional, considerando o cenário atual, de fracos resultados. A empresa não pagará dividendos relativos a 2015 pela primeira vez em sua história. Se não é possível o pagamento de dividendos, investidores têm questionado a rede sobre a razão para o pagamento do bônus.
A explicação para a não distribuição dos proventos é que o pagamento seria “incompatível” com o difícil quadro atual da empresa, disse Saraiva Neto, em conversas com investidores. A proposta de retenção do dividendo mínimo obrigatório, de R$ 22,3 milhões, é referente a 25% do lucro de 2015.
Nesta semana, houve conversas entre minoritários e a Saraiva para tentar alinhar algum consenso em relação a essa provisão para um possível pagamento dos R$ 3,4 milhões. Segundo fonte, a estimativa inicial da empresa era um bônus de R$ 5 milhões, e pelas pressões, teria reduzido para R$ 3,4 milhões. Não houve avanço nessas conversas, apurou o Valor.
Segundo analistas, a Saraiva conseguiu “salvar” seus resultados do ano passado com a venda da editora, seu melhor negócio. Não fosse isso, daria prejuízo de R$ 145 milhões. Com a venda da operação, lucrou R$ 239 milhões em 2015, versus perda de R$ 37 milhões em 2014. As vendas líquidas da Saraiva, com 113 lojas, caíram 2,7% em 2015, para R$ 1,8 bilhão.
Desde o ano passado, a cadeia tenta recuperar resultados após a contratação da consultoria de Enéas Pestana. Na época, havia rumores de que Pestana poderia indicar um novo CEO para a empresa, o que não ocorreu. A McKinsey teria sido contratada agora.
Procurados, os controladores da Saraiva não deram entrevista. Em nota, a empresa diz que “a partir da necessidade de esclarecimentos adicionais sobre as matérias a serem deliberadas na assembleia, que demandam diligências por parte dos administradores, os acionistas, sem qualquer manifestação em contrário, aprovaram suspender os trabalhos para os “devidos esclarecimentos”.