Rony Meisler, 38 anos, gosta de dizer que é um outsider no mundo da moda. É difícil acreditar. A Reserva, grife de roupas que criou com o sócio Fernando Sigal em 2004, conta hoje com 70 lojas próprias e 22 franquias, além de estar presente em 1,4 mil multimarcas.
Ao longo de 15 anos, a empresa se desdobrou em uma plataforma tecnológica e cinco marcas, que empregam 1,5 mil funcionários e devem faturar R$ 400 milhões em 2019.
Para uma contabilidade informal dos negócios do grupo, basta olhar para sua campanha de doação de alimentos, chamada de 1p=5p (para cada peça comprada das marcas Reserva e Reserva Mini, são distribuídos cinco pratos de comida): as 29 milhões de refeições fornecidas significam mais de 5 milhões de produtos vendidos desde maio de 2016.
É verdade que o empreendedor tem um bom argumento para sustentar seu status de outsider.
A Reserva, que começou como uma venda de bermudas entre amigos, está cada vez mais distante do mundo da moda. A empresa se tornou, nas palavras de Rony, uma “placa-mãe”. “Hoje somos uma plataforma de negócios que escala ideias diferentes por meio da logística e da tecnologia. Essa plataforma é uma espécie de placa-mãe, um hub que atende todas as marcas do grupo, combinando administrativo, financeiro, tecnologia, logística, fornecimento e expansão”, diz Meisler.
Nesse modelo, a missão número 1 do empreendedor é orientar a cultura da empresa, garantindo que não perca sua vocação para a inovação rápida e contínua. “E é por isso que preciso continuar sendo um outsider: para seguir escalando todos os sonhos que surgem aqui”, diz Meisler. “Se eu achar que virei insider, vai ser muito ruim. Tem uma frase do meu pai [Luiz Meisler, vice-presidente da Oracle na América Latina] que me guia muito: o problema não é ouvir alguém dizer que você é inteligente, é acreditar nisso. Muita gente desiste de estudar, fica autossuficiente, pensando ‘Sou fodão’. O outsider nunca vai se considerar um expert. Ele sabe que ainda tem muito a aprender.”
A mais nova experiência do outsider é o projeto Faça.VC, que vai permitir a qualquer designer abrir sua loja de roupas na internet. “A pessoa entra na nossa plataforma e faz o upload de suas artes em moletons, camisetas, bonés, o que quiser”, diz Meisler. “Depois, a gente opera todo o resto. Desenvolvemos o produto, estampamos a camiseta, operamos a logística de entrega, processamos o pagamento.”
O projeto, ainda em fase de testes, já hospeda mais de 20 marcas. “Quando estiver operando com força total, esse full commerce vai ser o segundo maior negócio do grupo, atrás apenas da Reserva”, afirma o empreendedor.
O novo modelo teve origem no maior fracasso da marca. O sistema operacional do Faça.VC foi usado pela primeira vez no Use Huck, grife criada em 2011 pelo apresentador Luciano Huck, um dos sócios do grupo Reserva. A marca oferecia pela internet camisetas com frases do momento, quase um meme para vestir.
Em nome da agilidade, o anúncio das camisetas era uma fotomontagem, feita por Photoshop. Vendia 300 peças por mês, até que veio o carnaval de 2015, quando o site anunciou uma roupa infantil com os dizeres “Vem ni mim que eu tô facin”. “Designers aplicaram, por engano, o texto de uma camiseta de adulto na foto de uma criança. A imagem ficou no ar por 30 minutos, até a primeira pessoa gritar e a gente reparar o erro. Mas, cara, o estrago estava feito. Veio um tsunami de críticas, foi uma coisa terrível”, diz. Nas redes sociais, Meisler e Huck foram acusados de incentivar a pedofilia.
O Ministério Público do Rio multou o apresentador em R$ 15 mil. A marca fechou. “O Pedro Cardoso, que era o responsável pelo projeto, perguntou quanto nos devia. Numa empresa normal, onde todo mundo sempre tem de achar um culpado, o que iria acontecer?”, diz Meisler. “Eu respondi: ‘Pedrão, tu não me deve nada, o que precisamos fazer é transformar esse limão em uma limonada’.” Para dar uso às cinco impressoras têxteis e ao estoque de camisetas brancas da Use Huck, Pedro elaborou o embrião do Faça.VC.
“Hoje, o projeto já é dez vezes maior do que o Use Huck”, diz Meisler. “Nesse sentido, o Grupo Reserva é muito parecido com a Amazon. Você acha que um negócio terminou, mas na verdade só terminou um nome. A tecnologia a gente guarda e usa em novas propostas.”
Bermuda na parede
Na visão de Meisler, a plataforma do Grupo Reserva começou a ser construída já na primeira loja, em 2006. “Eu sempre falo dessa lojinha de 30 metros quadrados em Ipanema, porque estava tudo ali”, diz Meisler, empolgado, olhando para a primeira bermuda que produziu, hoje enquadrada e pendurada na sede da empresa. “Quando a gente começou, pouquíssima gente focava no consumidor, especialmente no mercado de moda. Mas, para mim e para o Fernando, o verdadeiro tesão criativo estava em usar a tecnologia para entregar uma experiência inesquecível ao consumidor. Quer dizer, a roupa tinha de ser incrível, claro, era nossa obrigação. Mas o que mais nos interessava era o jeito como iríamos entregar a experiência.”
A primeira providência dos sócios foi garantir um time de vendas com a cara da loja. “O critério para a contratação era: vamos chamar cinco caras com quem eu gostaria de jantar”, diz Meisler. “Chamamos uma consultora externa de RH para fazer isso, mas ela não entendeu nada. Daí eu expliquei: ‘Se a pessoa é legal o suficiente para você sair pra jantar três vezes, o resto a gente treina, não é? Preciso de alguém que seja capaz de estabelecer uma relação de afinidade com o público’.”
Enquanto os cinco funcionários atendiam os clientes, os dois sócios-fundadores assistiam do balcão. Um dia, perceberam que, quando o vendedor fazia o cliente experimentar a roupa no espelho do salão, e não no provador, a taxa de conversão aumentava. “Anotamos aquela ideia, porque tinha dado certo. Daí para a frente, toda vez que os vendedores faziam algo muito legal, que funcionava, nós pedíamos para eles anotarem.”
Hoje, o caderninho se chama Experiência Reserva e tem mais de 5 mil verbetes. Dos cinco vendedores da primeira loja, quatro continuam no grupo. Autor da estratégia de usar o espelho do salão, Fabio Milliet virou diretor comercial da empresa.
Uma das boas práticas anotadas no caderninho foi a estratégia de ligar para o cliente uma semana depois da compra e perguntar se ele estava satisfeito. “Parecia um telefonema bobo, mas aumentava o retorno de clientes”, diz Meisler.
Com o tempo, esse small data evoluiu para um cadastro integrado ao sistema de vendas, atrelado ao CPF. Hoje, as preferências de cada consumidor são cruzadas com os dados de produção da empresa. “Desenvolvemos um software chamado Now. Essa ferramenta registra que você comprou uma camisa xadrez e informa quantos produtos parecidos foram lançados desde sua última visita”, diz Meisler.
O Now deu origem ao Reservado: uma caixa de produtos, escolhidos por inteligência artificial, com entrega em domicílio. O cliente experimenta com calma e escolhe o que quer. O vendedor cobra as compras no cartão de crédito e recolhe o que não foi escolhido. “O Now Reservado já representa 23% do faturamento da rede”, afirma Meisler.
O novo filhote do Now está em fase de testes: uma caixa com 15 roupas, enviada a cada três meses, chamada Em Casa, para alcançar quem nunca foi à loja. “Você responde pela internet a um questionário simples, de umas dez perguntas. Com algoritmos e a nossa base de dados, acumulada ao longo de 13 anos, temos um bom palpite sobre suas preferências”, diz o empreendedor.
A análise de dados das vendas mudou a Reserva do balcão para frente, no atendimento ao cliente, e também do balcão para trás, no gerenciamento do estoque. Hoje, cada loja recebe uma cesta de produtos em função de seu histórico — para evitar encalhes, pedidos de remanejamento de produtos e descontos. “Seis meses depois de implantar esse sistema, que chamamos de WMS [Warehouse Management System], em 2011, observamos um aumento de sete pontos percentuais no faturamento bruto”, diz Meisler. “E o curioso é que criamos essa ferramenta sem nenhum grande investimento. Há dois anos, o executivo de uma supercompanhia brasileira de varejo nos visitou para conhecer nosso centro de distribuição — ele estava investindo R$ 3 milhões para fazer algo parecido. Ainda não inaugurou. O nosso a gente foi fazendo aos poucos. E hoje é referência no mercado.”
A próxima estratégia da Reserva para baratear estoques e reduzir encalhes está em testes e deve ser lançada entre março e abril de 2020. Trata-se de um formato híbrido de franquia, que funciona ao mesmo tempo como um pronta entrega de peças básicas e um mostruário para as roupas da coleção.
O cliente experimenta, compra — e a empresa entrega em casa ou, dias depois, na própria loja. “Esse modelo está em teste em 22 unidades, que tiveram um crescimento de quase 20% no ano passado. Estamos bem animados”, diz. “Queremos abrir de 200 a 300 franquias assim nos próximos três a cinco anos. Dessa maneira, vamos poder oferecer roupas 30% mais baratas, atender o Brasil em sua continentalidade e doar mais pratos de comida”, diz.
O projeto 1p=5p surgiu em 2016, por conta de uma inquietação de Meisler. Ele queria encontrar um formato sustentável para suas iniciativas sociais, até então centralizadas no projeto Rebeldes com Causa. “Do jeito que estava, o projeto tinha um formato assistencialista. Eu precisava arrumar uma forma de o consumidor participar.”
A solução surgiu após uma conversa com um jovem no trajeto entre Pentecoste (onde havia feito uma palestra) e Fortaleza, no Ceará. “Ele me fez uma pergunta simples: ‘Quando você está com fome, consegue trabalhar?’. Aprendi que um quarto dos brasileiros — 52 milhões de pessoas — acorda sem saber se vai comer ou não naquele dia. Desses, quase 8 milhões não vão colocar comida no prato. Foi nesse momento que nasceu o 1p=5p.”
As iniciativas de impacto social de Meisler já foram taxadas como “oportunistas” pelos críticos de plantão nas redes sociais. “No começo, ficava irritado com esse tipo de crítica. Mas, com o tempo, consegui formular uma resposta: eu sou um oportunista do bem. As pessoas não aguentam mais oportunistas do mal, da corrupção… Se todas as empresas fizessem o bem para vender mais, a gente ia precisar muito menos de Brasília, não é?”
Fundador dispensável
A Reserva nasceu quase como um alterego de Rony Meisler. O estilo irreverente da grife era um reflexo direto da sua personalidade. Seu sócio, Fernando, era um amigo de longa data; os primeiros clientes eram todos velhos conhecidos; a marca foi batizada com o nome da praia favorita do empreendedor.
E a loja de Ipanema foi decorada como se fosse a sua casa, com direito a cerveja na geladeira — da marca Devassa, fundada por amigos de Meisler. Aos poucos, contudo, o Grupo Reserva está se descolando do seu mais ilustre fundador. “Eu trabalho para ser cada vez mais dispensável. Não faço isso por mim, faço isso por achar que a Reserva tem de ser muito maior do que eu”, diz. “O meu papel principal é na manutenção da cultura. Quero fazer todo mundo sentir o tesão daquela equipe da primeira lojinha. Cara, a gente já cansou de tirar gente que tinha performance boa, mas não estava em sintonia com a nossa cultura.”
A descentralização dos processos faz parte dessa nova fase. Apesar de as cinco marcas do grupo Reserva compartilharem a mesma plataforma, elas têm equipes distintas para produto, marketing e vendas — o que Meisler chama de “tripé de independência”.
Reserva, a grife principal, é um casual masculino; Reserva Mini, lançada em 2010, é a linha infantil do grupo; Eva (2012) atende o público feminino; Ahlma (2017) é voltada a jovens de 18 a 24 anos. “É uma marca 100% sustentável, que trabalha com malha orgânica, usando restos de matéria-prima ou customização de produto de ponta de estoque”, diz Meisler.
E a Oficina, lançada em 2018 em parceria com uma startup de Minas Gerais, faz camisas sociais sob medida.
Além de ver suas marcas crescerem e ganharem vida própria, Meisler diz que não tem grandes ambições para o futuro. “Cara, eu tenho a vida que eu desejo, assim, sou um cara muito simples, não tenho carro, ando de Uber, moro no mesmo lugar desde que saí da casa dos meus pais. Tenho três filhos maravilhosos, casei com a minha melhor amiga da vida toda, moro na mesma casa desde que fundei a Reserva… Então, não preciso de muita coisa para ser feliz, só quero estar com a minha família e depois poder ir para a loja e fazer minhas coisas.
Enquanto eu puder fazer isso, para mim está ótimo. E se eu puder compartilhar essa energia com os meus funcionários, fico mais feliz ainda. No dia em que eu falar e as pessoas não sentirem nada, é melhor vender esse negócio e fazer outra coisa, não é?”
Fonte: PEGN