As ações da Raia Drogasil triplicaram de valor nos últimos dois anos e a transformaram na empresa mais cobiçada da Bolsa. Saiba como a companhia conseguiu se tornar mais valiosa até do que a Natura, cujos fundadores são acionistas da rede de farmácias.
O americano Warren Buffett comprou 1,3% de Petro China, entre 2002 e 2003, por US$ 488 milhões. Muitos analistas achavam, na época, que ele estava fazendo um mau negócio, ao investir numa empresa que valia US$ 37 bilhões e que passava por dificuldades. No momento em que resolveu se desfazer das ações, em 2007, a companhia petrolífera era avaliada em US$ 275 bilhões, e as ações garantiram aos seus bolsos US$ 3,6 bilhões. Em cinco anos, o retorno foi de 720%. É por essas e outras que Buffett ganhou o apelido de Oráculo de Omaha.
Guardadas as devidas proporções, muitos investidores deram uma tacada tão certeira ao comprar ações da Raia Drogasil, empresa surgida em 2011 com a fusão entre a Drogasil, que era a segunda maior rede de farmácias do Brasil, controlada pelas famílias Pires Oliveira Dias e Galvão, e a Droga Raia, a terceira do mercado, comandada pela família Pipponzi. A empresa é atualmente a estrela mais brilhante dentre as companhias de capital aberto brasileiras. E não foi só pelos resultados aferidos enquanto o varejo fazia salivar a boca dos investidores do mundo inteiro.
Nos últimos dois anos, em meio à grave crise econômica pela qual o País atravessa, nenhuma ação de grande empresa se valorizou mais do que a da Raia Drogasil. No período, ela subiu 221,9% na Bovespa, até a quinta-feira 15, enquanto o índice Ibo-vespa cresceu 1,3%. Com isso, tornou-se a 23ª em-presa mais valiosa da Bolsa. O seu valor de mercado atingiu R$ 21,2 bilhões, bastante acima de Lojas Renner (R$ 15,9 bilhões), GPA (R$ 13,4 bilhões) e Natura (R$ 13,4 bilhões).
Mais do que o fato de virar a queridinha dos investidores, o caso da Raia Drogasil, a líder do setor, com mais de 1,2 mil lojas, deve se tornar motivo de estudo nas escolas de negócio. Mesmo os investidores mais críticos das estratégias de consolidação de mercado reconhecem que a Raia Drogasil é um exemplo bem-sucedido. “Sou uma pessoa bastante cética, e, como há um número avassalador de processos de fusões que não dão certo, não defendo essa estratégia para gerar valor”, diz Fabio Alperowitch, gestor do fundo Fama Investimentos e investidor da Raia Drogasil.
“Mas a rede fez uma integração tão boa que criou uma barreira de entrada grande para outros competidores e agora é um modelo a ser perseguido.” Junto com o mau momento da economia, essa barreira de entrada, baseada na escala e na gestão bem azeitada que permite boas margens de rentabilidade, tem feito com que gigantes internacionais não avancem no País. Em 2013, quando a americana CVS comprou o controle da Onofre por R$ 600 milhões, esperava-se que faria investimentos vultosos para tomar a liderança no País. Isso não aconteceu e agora ela está avaliando fechar 12 das 47 lojas em operação.
Já a segunda maior rede dos EUA, a Walgreens, que supostamente estaria próxima de desembarcar no País, também continua apenas na ameaça. O sucesso da Raia Drogasil pode ser resumido em algumas cifras notáveis. Desde o anúncio da fusão, em 2011, o número de lojas aumentou 58,7%, a receita bruta subiu 97,4%, o Ebitda (medida de geração de caixa), 153,1% e o lucro líquido ajustado, 157,2%. O ano passado foi especial. A receita atingiu R$ 9,4 bilhões, com uma expansão de 21,1%, e o lucro chegou a R$ 391,1 milhões, o que representou um incremento de 43,6%.
“Conseguimos criar uma cultura própria baseada na eficiência e na visão de longo prazo, combinando o melhor da expertise da Raia e da Drogasil”, afirma o CEO Marcílio Pousada, que assumiu em julho de 2013, depois de comandar a Livraria Saraiva, para dar continuidade à fusão iniciada por Cláudio Roberto Ely, que vinha da Drogasil. “As integrações entre empresas dão errado porque não costumam ser uma fusão entre iguais, e uma marca se sobrepõe à outra.” Durante dois anos, os executivos mapearam toda a malha de distribuição, a localização de cada loja e identificaram qual empresa negociava melhor cada produto, para escolher com o que ficar de cada rede.
Descobriram que o sistema comercial e o software financeiro e contábil da Raia eram melhores, enquanto a Drogasil se destacava por conseguir fazer fortes promoções de produtos e ter bons centros de distribuição. Além disso, a Drogasil estava posicionada no Sudeste e Centro-Oeste, e a Raia, no Sul e Sudeste. Agora, a companhia promete dar um passo ousado. Os varejistas que sofrem com um fluxo de caixa apertado buscaram crescer rápido demais e foram afetados com a baixa demanda durante a crise. Mas a Raia Drogasil, na contramão das revisões pessimistas de estratégia de suas parceiras de setor, considera que tem capacidade de crescer até mais rapidamente do que vinha projetando.
Avançou sobre o Nordeste e hoje conta com 79 lojas na região. Em 2015, inaugurou 156 unidades no País , ante uma média de 130 nos dois anos anteriores. Em 2016 e 2017, o ritmo vai aumentar para 200 lojas por ano. A previsão, até o primeiro trimestre, era de abrir apenas 165 unidades neste ano. “Percebemos que podemos crescer sem perder a qualidade de atendimento, dos farmacêuticos, dos gerentes e da distribuição, e sempre nos colocando nas melhores esquinas”, diz Pousada. A estratégia para garantir que os pontos sejam os melhores possíveis e não haja perda de rentabilidade da operação é manter a expansão de forma orgânica.
O plano poderia ser visto com ceticismo se estivesse sendo anunciando por outra companhia. “É um desafio enorme”, diz Paola Mello, analista do Citibank. “Mas o mercado dá o benefício da dúvida a eles, porque a empresa sempre entrega o prometido. Tanto que os analistas consolidam em suas análises exatamente o plano anunciado, o que não acontece em relação a muitas empresas.” A escolha dos pontos da Raia Drogasil obedece a toda uma disciplina. As lojas de rua precisam estar em esquinas, e elas precisam ter um posicionamento estratégico.
É necessário haver um bom fluxo de veículos, de modo que os motoristas tenham uma boa visão da loja, quando passam em sua frente. Até mesmo a incidência do sol é considerada. A gestão do grupo ainda tem uma agilidade incomum no setor para fechar pontos. Se, poucos meses depois de inaugurada, uma unidade não trouxer o resultado projetado, ela é prontamente fechada. No segundo trimestre deste ano, duas lojas foram fechadas. Outro ponto central da estratégia está na gestão de estoques completamente automatizada, para que o abastecimento das farmácias fique sempre próximo do ideal.
Por exemplo, um inalador que custa R$ 200 vai estar disponível em regiões de renda mais alta, e vai haver mais de uma unidade por loja apenas em épocas do ano de maior ocorrência de problemas respiratórios. “O modelo de negócios está tão redondo que a rede nada de braçadas no setor”, afirma Mello. “Uma rede pequena não tem a menor condição de competir nesse nível.” A aposta no crescimento orgânico não significa que aquisições estejam fora do mapa. Em julho de 2015, a rede comprou o controle da 4-Bio, em-presa especializada em medicamentos especiais, como os para tratamentos oncológicos e doenças crônicas, que faturou R$ 185,6 milhões no ano passado. O investimento para adquirir 55% do capital da 4-Bio foi de R$ 24 milhões.
“As maiores redes americanas, a CVS e a Walgreens, também possuem operações com medicamentos especiais”, diz Pousada. “É uma tendência.” Outro plano da Raia Drogasil que será anunciado ao mercado envolve testar modelos de lojas maiores. Na segunda-feira 19, ela inaugura uma unidade no Conjunto Nacional, prédio tradicional que ocupa toda a quadra que conecta a Avenida Paulista, a Rua Augusta e a Alameda Santos, em São Paulo. Uma antiga loja Droga Raia, no icônico ponto, recebeu monitores de vídeo e painéis digitais para exibir informações sobre diversos produtos e vai dobrar de tamanho. Serão mais de 13 mil itens divididos em três espaços: beleza, infantil e saúde.
O objetivo é promover a experimentação e fazer ações de marketing voltadas ao público feminino e relacionadas aos produtos de beleza e higiene. Isso beneficia os fabricantes parceiros. Segundo analistas do setor, a indústria de bens de consumo está disposta a pagar mais pela exposição privilegiada de seus produtos nas gôndolas da Raia Drogasil do que nas das redes concorrentes, diz a analista de um banco de investimentos. Não é por acaso, então, a proximidade da empresa com a Natura, a maior empresa brasileira de cosméticos, que começou a testar a venda dos seus produtos no varejo por meio da Raia Drogasil.
O outro motivo dessa parceria é o fato de os controladores da companhia de beleza, Luiz Antonio Seabra, Guilherme Leal e Pedro Passos, que eram acionistas da Raia, ainda estarem entre os principais acionistas da rede formada a partir da fusão em 2011. Além da estratégia bem executada, a Raia Drogasil também se beneficia de um bom momento do setor, que ocorre por dois motivos. O primeiro é que vender remédio no Brasil é um negócio lucrativo. Em alguns medicamentos, as margens chegam a 200%. “A margem do Viagra genérico, que é um dos mais pedidos, pode chegar a 180%”, diz o proprietário de uma farmácia localizada em um bairro popular em São Paulo.
As margens em cosméticos e itens de higiene pessoal são igualmente polpudas. Até por isso, o sonho de consumo do setor é um marco legal parecido com o dos EUA, em que as unidades das grandes redes, como CVS e a Walgreens, parecem verdadeiros supermercados. O segundo motivo é que, por características próprias, o varejo de medicamentos brasileiro é resiliente à crise. Apesar de todas as campanhas do governo e do próprio setor, as deficiências da saúde pública e os altos preços da saúde privada – sem falar na cultura popular – estimulam o brasileiro a recorrer à automedicação. E a venda de remédios não arrefece, faça chuva ou faça sol.
Até mesmo em meio à crise geral do comércio varejista, que registrou retração, após 11 anos de altas, de 4,3%, no ano passado, segundo dados do IBGE. No mesmo período, houve crescimento de 3% nas vendas dos artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, de perfumaria e cosméticos. Segundo a consultoria IMS Health, a indústria de medicamentos vendeu R$ 45 bilhões no ano passado, 7,4% acima do que em 2014. Esse desempenho é puxado pelo envelhecimento da população. A Agência Nacional de Saúde estima que um milhão de pessoas ultrapassam os 65 anos de idade no Brasil, todos os anos. Entre 2011 e 2032, a porcentagem da faixa da população acima desta idade vai subir de 7% para 14%.
“Além disso, muitos dos insumos dos medicamentos são importados, o que tem feito os preços caírem com a desvalorização recente do dólar”, diz Fabio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Mesmo assim, o setor não é fácil de operar. O BTG Pactual investiu em oito aquisições para montar a rede BR Pharma, mas não tem encontrado sucesso na área e tenta se desfazer do negócio. O que complicou os pupilos de André Esteves, além das dificuldades de integração entre as redes, é a complexidade em operar um negócio onde há milhares de fornecedores e os mais importantes operam em regime de oligopólio. Pior: o setor é intensivo em mão de obra e exige o gerenciamento de estoques com milhares de itens, com inúmeras transações de pequeno valor. Mas pode ficar cada vez ainda mais difícil fazer negócios no segmento farmacêutico.
Segundo relatório de Guilherme Assis, analista do Banco Brasil Plural, a possível recuperação da economia nos próximos meses pode fazer o crescimento do setor de drogarias ficar mais próximo do resultado geral do mercado. Nos últimos dois anos, o setor se descolou do restante da economia e virou a menina dos olhos dos investidores, mas, historicamente, em períodos de crescimento, as farmácias se expandem menos que outras categorias de consumo, como móveis, eletrodomésticos e roupas. Há quem diga que os investidores mais certeiros já teriam ganhado bastante, e quem não aproveitou essa oportunidade deveria procurar a próxima estrela da Bolsa. Mas essa visão não é unânime.
Diversos analistas ainda receitam a compra de ações da empresa, mesmo após ela triplicar de valor em dois anos. O fato é que as ações da Raia Drogasil continuam disputadas. A ponto de, em agosto, alguns acionistas indicarem estar de olho na liberação, em novembro, de 4% da empresa que estão em posse dos principais acionistas, no momento em que a fusão completa cinco anos. O “lockup” de 40% do capital até 2021 previsto em contrato na época da fusão abria espaço para a liberação de 10% até o quinto aniversário do negócio. Faltam 4%. Mas ninguém garante que os investidores principais já querem se desfazer desses papéis.
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Entrevista
Marcílio Pousada, CEO da Raia Drogasil
Qual é o segredo dos bons resultados da empresa?
A Raia Drogasil nasceu em novembro de 2011 das duas melhores companhias do setor. Ficamos de 2013 até fevereiro de 2014 integrando toda estrutura de back office. Buscamos trazer o expertise das duas companhias e pegar o melhor de cada uma delas. Conseguimos criar uma cultura própria a partir disso, baseada na eficiência e na visão de longo prazo. As integrações entre empresas dão errado porque não costumam ser uma fusão entre iguais.
O ritmo de expansão está aumentando?
Em 2013, foram 130 lojas abertas e mais 131 no ano seguinte, numa expansão focada no Nordeste. No ano passado, aumentamos para 156 unidades e agora revimos a nossa previsão para chegar a um ritmo de 200 unidades por ano, em 2016 e 2017, em todo o Brasil.
Não é um ritmo muito forte, que pode dificultar manter a rentabilidade?
O desafio é manter a qualidade da loja. Mas escolhemos as 200 melhores esquinas do País e investimos em crescer bem, com bom atendimento, contratar e treinar farmacêuticos e gerentes, e ter os produtos certos e preparar os centros de distribuição.
O sucesso da Raia Drogasil criou uma barreira de entrada para competidores, inclusive para os internacionais?
Temos muitos competidores, e que são bons. O mercado é competitivo e bastante pulverizado, com 30 mil farmácias pelo Brasil. Mas temos escala e as melhores esquinas.
Se a empresa está privilegiando o crescimento orgânico, por que comprou 4-Bio, no ano passado?
Essa é uma estratégia de crescimento horizontal. A 4-Bio vende medicamentos especiais, para tratamentos oncológicos e de doenças crônicas. A marca tem um atendimento diferente, com entrega de remédios em casa