Em uma verificação de rotina do desempenho das lojas, o comando da gaúcha Quero-Quero, varejista de material de construção, eletrodomésticos e móveis, percebeu que as vendas de uma de suas unidades no Sul do país tinha começado a cair, aparentemente, sem motivos. “Fomos ver o que estava acontecendo e descobrimos que o problema era que o gerente da loja havia terminado com a noiva meses antes e a população ficou do lado da moça. Acabaram boicotando a loja, mas depois passou”, conta Peter Furukawa, CEO da Quero-Quero, durante visita à unidades da rede, na semana passada.
Furukawa lembra de outro caso. Em visita às cidades de Alegrete (RS) e Uruguaiana (RS), após ter assumido a direção em 2010, o CEO viu charretes próximas à entrada das lojas. “Disseram que o cliente levava a geladeira ou a TV nesses carretos. Tirá-los de lá não faria sentido. Há determinadas coisas que só quem vê valor é quem conhece a cidade”, diz o CEO, ex-Pernambucanas e Submarino.
Fundada em 1967 pela família Scholz, a varejista cresceu ancorada no modelo de “loja da cidade”. O ponto de venda da empresa é, em muitos casos, a única loja do município. Vende, além do portfólio clássico, itens como pneu e bicicleta. São 300 lojas em operação, com 700 m2, em média, (metade de um supermercado tradicional). Cerca de 75% delas estão em cidades com menos de 100 mil habitantes – 40%, com até 25 mil moradores. A varejista opera no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.
Com esse formato, a Quero-Quero, controlada pela gestora Advent desde 2008, planeja o seu processo de expansão para regiões acima do Estado do Paraná. Num mapa do Brasil fixado na parede da sala da diretoria, na sede da rede, em Cachoeirinha, região metropolitana de Porto Alegre, dezenas de alfinetes brancos identificam as áreas com potencial de expansão. Há áreas marcadas, por exemplo, no sul e centro-oeste do Estado de São Paulo, e na parte inferior do Mato Grosso do Sul, ambos na fronteira com o Paraná.
“Não é uma questão de expansão para um ou outro Estado, especificamente. Mas um desenho de crescimento com base em áreas geográficas. Vamos ‘subindo’ a operação a partir dos Estados do Sul. Ainda há uma área maior a ser ocupada no norte do Paraná e depois disso, naturalmente, se avalia outras regiões”, diz Furukawa.
“Milhares de cidades podem ter uma loja da Quero-Quero, o potencial é imenso”, diz Wilson Rosa, sócio da Advent. A hipótese de ocupar capitais como São Paulo é rechaçada por Furukawa. “Por que eu vou me matar lá com eles?”, responde, ao ser perguntado sobre uma eventual concorrência em outros Estados com grandes cadeias como Leroy Merlin, Telha Norte e C&C. “Eles estão se matando embaixo d’água. Não temos que nos meter nisso.”
Após a compra pela Advent, a empresa passou por uma reestruturação. Mudou a sede de local, trocou sistemas de gestão, o que sempre gera ruídos na operação, mudou o portfólio e o modelo de cobrança. Este chegou a ser terceirizado, mas a empresa voltou atrás. O formato de lojas mudou para um modelo mais focado em material de construção. Segundo consultores, esse processo exigiu tempo e recursos, e impediu um ritmo de expansão mais forte.
O plano agora é reproduzir em outros Estados o modelo de pequenas lojas, com portfólio limitado, com 4 mil itens por ponto, em média. A rede considera que cidades com até 50 mil habitantes comportam uma loja. Esse número aumenta em municípios maiores, como Caxias do Sul (RS), com 500 mil moradores, onde estão instaladas cinco lojas. “É como se fosse uma loja grande de 3 mil m2 numa cidade de porte médio”, diz o diretor de expansão, Daniel Artus.
Na prática, quem realmente concorre com a Quero-Quero são rivais locais. A empresa compete no Sul com a Lojas Becker e a CR Diementz. Mas estas têm menos lojas e menor capacidade de financiar o consumidor. Nesse cenário, caso avance por novas regiões, a Quero-Quero pode ter que lidar com outra realidade. “O seu maior concorrente ainda será a loja do pequeno varejista, mas muda o perfil do consumidor e a relação com a marca. Fora do Sul ninguém conhece tão bem a Quero-Quero e, em São Paulo, é uma economia que vive mais da indústria e dos serviços. Esse cliente tem outro comportamento. Talvez o Mato Grosso do Sul seja mais próximo da realidade da rede hoje”, diz Manoel Araujo, da consultoria Martinez de Araujo.
A Quero-Quero é hoje, em número de lojas, a maior cadeia de material de construção do país e a segunda em área de vendas. Em 2018, suas vendas brutas somaram R$ 1,5 bilhão, apurou o Valor. A empresa não confirma o montante, e diz que opera com lucro, sem revelar quanto. Em 2018, as vendas em lojas abertas há mais de um ano cresceram 9%, diz fonte.
Parte dos resultados vêm da operação financeira, controlada pela própria empresa, que opera o cartão de crédito VerdeCard. A rede não diz, porém, o peso do varejo e do braço financeiro em seu lucro – os juros mensais da rede chegam a 4%. Mais de 70% da venda é a prazo e 60% é feita pelo cartão da empresa.
Pelo plano atual, a Quero-Quero espera abrir uma média de 50 lojas por ano, acima das 35 de 2018. Quer chegar a 346 unidades neste ano, e em 2020, a 406. Até o fim de 2020, é provável que já esteja em cidades do Mato Grosso do Sul e até o início de 2022, em algumas cidades de São Paulo, apurou o Valor. A rede não confirma.
Se avançar como previsto, serão 250 lojas novas até o ano de 2022. São investimentos baixos e, diz a empresa, bancados pelo próprio negócio. São gastos cerca de R$ 300 mil por ponto (sem contar estoques), muito abaixo da média desembolsada no setor. Em 2018 a Telha Norte gastou R$ 25 milhões em uma loja de 5 mil m2 aberta em Belo Horizonte. “Nosso modelo é outro, quem vem de fora para conhecer a loja tem que virar o ‘chip'”, diz Furukawa. “Até por isso, não faz sentido pensarmos em fusão ou compra de redes porque muitas não se encaixam no nosso formato. Compramos só dez lojas até hoje.”
Há previsão de iniciar as vendas pela internet em março. A intenção é vender no site o mesmo portfólio das lojas, com opção de retirar o produto no ponto de venda.
Há tempos, circulam informações sobre um novo ciclo de investimentos mais agressivos da Quero-Quero – um movimento que levaria à saída da Advent do negócio, por meio de uma oferta pública inicial de ações (IPO). A rede chegou a se preparar para o IPO em 2018, mas o plano foi postergado. O Valor apurou que não está descartada uma oferta em 2020, se houver uma janela no mercado.
Fonte: Valor Econômico