Cartão de crédito segue na liderança, mas parcelado sem juros perde espaço
Por Mariana Ribeiro
A aceitação do Pix nas maiores lojas on-line do país voltou a atingir patamar recorde e, agora, o pagamento instantâneo divide com o boleto a segunda posição entre as formas de pagamento mais disponibilizadas no e-commerce. Os dados são da edição mais recente do Estudo de Pagamentos Gmattos, antecipado ao Valor. O levantamento mostra que o cartão de crédito segue na liderança do ranking, mas tem havido mudanças importantes na oferta da modalidade, com menos lojistas dispostos a trabalhar com o parcelamento em 12 vezes sem juros.
Em julho, 78% das lojas analisadas ofereciam a opção de pagamento via Pix, patamar que era de 16,9% no início de 2021, quando o levantamento começou a ser realizado. O percentual é o mesmo quando analisado o boleto. Já o cartão de crédito é aceito em 98,3% dos varejistas. O estudo considerou 59 lojas on-line, que juntas representam 85% do comércio eletrônico do país.
A avaliação da Gmattos é a de que a aceitação do pagamento instantâneo tem potencial para chegar a 92%. Isso considerando as lojas que ainda não operam com essa forma de pagamento, mas que aceitam boleto ou débito. Para o cofundador e CEO da consultoria, Gastão Mattos, está claro que o pagamento instantâneo se tornará a forma preponderante de pagamento à vista para os lojistas.
Ele explica que há dois cenários quando analisadas as lojas que ainda não disponibilizam o Pix. Há aquelas que já trabalham com modalidade de pagamentos à vista e, nesse caso, provavelmente não aceitam o instrumento instantâneo por dificuldades como de integração tecnológica. O segundo grupo é daquelas que operam apenas com opções a prazo. É o caso, por exemplo, de algumas companhias aéreas “Nesse caso, não faria muito sentido pensar que vão priorizar o Pix”, afirma o CEO.
Maurício Salvador, presidente da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABcomm), observa que o e-commerce se beneficiou da rápida popularização do pagamento instantâneo no país. Ele lembra que o instrumento permite o reconhecimento imediato do pagamento de uma compra, enquanto no caso do boleto, por exemplo, o lojista pode esperar até alguns dias pela confirmação, período durante o qual o produto fica “travado” para vendas.
Para ele, há dois principais desafios para uma maior adesão ao Pix no e-commerce. O primeiro é a grande aceitação do parcelamento sem juros. Já o segundo diz respeito a fraudes ou intercorrências nas compras on-line. “Fica muito mais difícil para o consumidor reaver o dinheiro se ele tiver algum problema. No cartão, o processo de ‘chargeback’ [cancelamento da compra] está consolidado.”
Além disso, desde o lançamento do Pix foram registrados três vazamentos de dados, que atingiram cerca de 580 mil chaves. Após a última intercorrência, ocorrida em janeiro, o Banco Central (BC) afirmou que o vazamento ocorreu devido a falhas pontuais em sistemas da instituição de pagamento e que não havia sido “explorada nenhuma vulnerabilidade em qualquer sistema” da autoridade monetária.
O estudo observa também que tem havido um aumento na oferta, por parte dos vendedores, de incentivos para os clientes realizaram seus pagamentos via Pix. Cerca de 24% das lojas on-line que aceitam essa forma de pagamento oferecem descontos, que podem ir de 3% a 10%. Algumas lojas reportam que cerca de 10% das vendas já estão sendo pagas por meio do instrumento instantâneo, o que, para a consultoria, significa que sua participação deve superar o boleto e débito em volume. Segundo dados do BC, eram quase 132 milhões de usuários com chaves cadastradas em julho.
Apesar do crescimento do pagamento instantâneo, ele não está, na verdade, tirando espaço do boleto, que se mantém relativamente estável no que diz respeito à aceitação no e-commerce. O grande prejudicado tem sido o débito, meio de pagamento que nunca foi plenamente aceito nas compras virtuais. Na edição de janeiro de 2021, a modalidade era disponibilizada em 37,3% dos varejistas, percentual que caiu para 30,5%.
O cartão de crédito segue liderando o ranking, mas tem sido percebida uma transformação na modalidade. No último levantamento, apenas 15,3% das lojas ofereciam a opção de parcelamento sem juros em 12 vezes, o que, explica Mattos, representa uma mudança importante em relação ao que era usual no passado. A oferta exclusiva de uma parcela foi observada também em 15,3% das lojas.
O professor do Insper Roberto Rocha diz que o oferecimento de um número menor de parcelas sem juros representa uma estratégia importante das empresas para incentivar consumidores a pagarem suas compras em menos vezes. Ele lembra que, no fundo, não existe pagamento de longo prazo sem acréscimo e que, nesses casos, o preço regular já acaba embutindo os juros.
Para o CEO da GMattos, há dois fatores que podem ajudar a explicar a alteração de padrão dos lojistas em relação ao cartão de crédito. Um deles diz respeito à alta dos juros e o consequente aumento do custo de produtos como de antecipação de recebíveis. Outra questão está relacionada ao crescimento das alternativas de parcelamento no comércio eletrônico.
O estudo mostra que, em julho, 15,5% das lojas ofereciam alguma opção do tipo “Buy Now, Pay Later” (Compre Agora, Pague Depois, ou BNPL), seja por meio de bancos, crediário próprio ou fintechs. “Considero um percentual altíssimo. É um sinal de que essas alternativas têm potencial para chegar e ficar”, diz Mattos.
O BNPL surgiu como uma espécie de crediário digital e se popularizou no exterior, onde não existe, como aqui, a cultura de parcelamento no cartão de crédito. No país, o conceito começou a ganhar mais espaço nos últimos anos.
Fonte: Valor Econômico