Por Ivan Ryngelblum | Há tempos sofrendo com uma dura, e algumas vezes desleal, competição de plataformas internacionais como Shein, AliExpress e Shopee, o varejo brasileiro viu um dos seus principais pleitos sendo atendidos pelo governo federal.
O Ministério da Fazenda informou que deve fortalecer a fiscalização em cima de plataformas de e-commerce estrangeiras que se utilizam da regra que isenta de impostos as remessas internacionais abaixo de US$ 50, cerca de R$ 250, para vender produtos no Brasil. A nota veio após circular a informação de que a regra seria extinta.
A medida busca resolver um tema muito reclamado pelas varejistas, que era a falta de isonomia no lado tributário. Além disso, representa uma forma encontrada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de fortalecer os cofres da União num momento de ajuste das contas públicas.
Pelas regras atuais, importações de até US$ 50 feitas por pessoas físicas estão isentas de imposto desde que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas. No entanto, afirmam os críticos, plataformas internacionais se aproveitaram dessa regra para fazerem vendas diretamente ao Brasil. Em vez de colocarem seus nomes, elas utilizavam pessoas físicas como remetentes.
“Isso provocou uma enxurrada de negócios [no Brasil]”, diz Alberto Serrentino, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) e sócio da consultoria Varese Retail. “As plataformas internacionais ganharam um alcance no Brasil que passou a criar uma competição desigual e não isonômica com quem está estabelecido no Brasil e vende produtos no Brasil tributados.”
A decisão do governo federal representa uma grande vitória para o setor varejista. Para um executivo do ramo do varejo de vestuário ouvido pelo NeoFeed, que pediu para não ser identificado, a medida do governo fecha uma brecha que gerava uma concorrência desleal aos varejistas brasileiros.
De acordo com essa fonte, as varejistas internacionais entravam no Brasil “a qualquer custo”, apoiadas no “bolso infinito derivado de fundos de investidores asiáticos”.
“Eles não têm nenhum compromisso com as práticas que as empresas brasileiras têm em relação à ESG, com mão de obra, porque temos muito pouca visibilidade a respeito dessas empresas”, afirma. “E estão fazendo um estrago grande no mercado brasileiro.”
A questão da competição com atores estrangeiros ganhou força nos últimos tempos. Na teleconferência de resultados do quarto trimestre da Lojas Renner, Daniel Martins, CFO da companhia, destacou o desequilíbrio existente no sistema tributário, resultando em uma competição desleal com a Shein.
Quem também reclamou da situação foi Luiza Helena Trajano, chairman do Magazine Luiza. Em painel no South Summit Brazil, no fim de março, ela protestou do fato de empresas da China não pagarem impostos – na ocasião, ela não citou a Shein. “Não pagar imposto é o negócio da China”, afirmou.
Segundo ela, o Instituto para o Desenvolvimento de Varejo (IDV), que reúne os principais varejistas do Brasil, gostaria de ter isonomia em relação aos concorrentes chineses. Ela disse ainda que a instituição vai trabalhar em uma campanha de conscientização sobre os efeitos negativos de comprar produtos que não pagam tributos sobre a economia do País.
Estimativas do IDV apontam que, considerando a projeção de crescimento do varejo, a evasão originada apenas no varejo digital deve alcançar entre R$ 76 bilhões e R$ 99 bilhões em 2025, se nada for feito.
“Se o produto não tem a finalidade de ser transacionado entre uma pessoa física para outra, e sim a de ser comercializado nos sites estrangeiros, deve pagar o imposto que já existe em qualquer importação regular”, afirmou, em nota, o presidente do IDV, Jorge Gonçalves Filho.
Nos últimos anos, a Shein ganhou muito espaço no Brasil. O BTG Pactual estimou que a companhia registrou cerca de R$ 8 bilhões em vendas no ano passado, o que representaria um crescimento de 300% frente aos resultados estimados para 2021. A empresa não oferece detalhes sobre suas operações no País.
Embora esteja estabelecendo operações no Brasil, conforme revelou o Neofeed, fechando acordos com fornecedores locais, a Shein ainda depende majoritariamente da venda de produtos vindos da China para conquistar mercado no País.
Para Thiago Macruz, analista do Itaú BBA, a decisão de retirar a isenção sobre imposto de importação deve tirar um pouco da “viralidade” da Shein e outras plataformas, com o consumidor reconsiderando uma compra diante do aumento de preços, um benefício para nomes brasileiros, como Renner, Marisa e Guararapes.
Mas Macruz destaca que as vantagens competitivas dessas empresas vai além da questão tributária, com a empresa sendo assertiva na compreensão das demandas dos consumidores, a partir de uma forte análise de dados.
A Shein consegue também atualizar suas coleções num dos menores prazos do mundo, de 15 a 30 dias. No Brasil, segundo o analista, o melhor prazo registrado é de 90 dias.
“A medida [do governo federal] tira o risco de cauda da Shein ficar tão grande tão rápido que afetaria as vendas das companhias, mas a história da Shein não acabou, porque ela é muito mais do que apenas uma facilidade para trazer produtos ao Brasil, nem sempre pagando impostos”, afirma Macruz. “É uma empresa muito competente.”
Procurada pelo NeoFeed, a Shein informou que está comprometida em gerar valor para a indústria, consumidores e economia do Brasil e que a isenção de impostos sobre importações de baixos valores é praticada no mundo inteiro.
“Reconhecemos a importância em propor melhorias para as regras no Brasil de modo a fornecer segurança jurídica para os operadores e garantir que milhões de brasileiros possam continuar a ter acesso ao mercado mundial, bem como a artigos produzidos localmente”, diz um trecho da nota.
A Shopee declarou que as possíveis mudanças tributárias em compras internacionais não afetarão seus consumidores, porque mais de 85% das vendas da Shopee são de vendedores brasileiros.
O NeoFeed não conseguiu contato com a AliExpress.
Fonte: Neofeed