Por Juliano Ohta* | Tive a oportunidade de, mais uma vez, visitar a NRF, maior congresso e feira de varejo do mundo que acontece anualmente, em Nova York, há mais de 100 anos. O ecossistema do varejo mundial se reúne para discutir as tendências e inovações do momento, e também visitar o dinâmico varejo de Nova York, onde nascem as tendências mundiais e principais marcas do mundo instalam suas megalojas conceito.
A propósito, fiquei satisfeito de constatar a resiliência do varejo físico. Ao contrário do que muitos pensam, hoje se abrem muito mais lojas físicas do que se fecham. Entre 2022 e 2023, em uma conta que mostra unidades abertas e fechadas, o saldo final foi positivo em 7,8 mil aberturas – e elas ainda representam 75% do volume total do varejo mundial.
Após um período de grande oscilação e digitalização na pandemia, as operações físicas conseguiram evoluir na forma de operar, vender e se relacionar com os clientes. Elas se transformaram em hubs de serviços, logística e entretenimento, voltando a ser um lugar de prazer para atrair e fidelizar os clientes.
Uma pesquisa da Adyen mostrou que dois terços dos consumidores buscam experiências mais gratificantes em loja – minhas visitas em Nova York confirmaram que o setor está no caminho certo.
Em edições passadas, eu tinha a impressão de ver na NRF uma pauta futurística de difícil aplicação no curto prazo. Era muita inspiração, mas pouca demonstração do estava sendo feito. Esse ano foi diferente, com muitas inovações funcionando e trazendo resultados.
Do lado da tecnologia, não senti mais aquele deslumbramento de que a tecnologia resolverá tudo e substituirá tudo – o que vimos, por exemplo, quando o metaverso foi apresentado. Isso deu lugar a um consenso de que tecnologia é fundamental, mas é “apenas” uma ferramenta que empodera os humanos e é enriquecida por eles para resolver problemas.
Sem dúvidas, o tópico mais quente de tecnologia é a Inteligência Artificial (IA). Mais de 80% dos expositores trouxeram soluções deste tema que também apareceu como prioridade na maioria das palestras do congresso.
Apenas 1 ano do boom do chatGPT, há um avanço rápido na implementação de soluções de IA. Campanhas de marketing inteiras, tanto textos como imagens, feitas com IA. Previsão de demanda com uma acuracidade impensável sem a IA. Sem contar as recomendações dos sites de ecommerce e a inteligência na entrega de produtos aos clientes.
Mas se tem um ponto em que a IA fará cada vez mais a diferença é no engajamento dos clientes. Eles estão cada vez mais exigentes com relação a personalização e só se interessam no que se aplica a eles.
A inteligência artificial fará cada vez mais a diferença é no engajamento dos clientes
Fiquei encantado com a solução de busca de produtos do Walmart desenvolvida com a Microsoft, em que o cliente relata um problema e seu contexto (por exemplo: “planeje uma festa para a final do campeonato de futebol”) e a ferramenta responde com a solução completa (dicas e lista de compras que ele precisa para a festa).
Outro bom exemplo é o “Sephora color IQ” que ajuda a escolher a maquiagem perfeita para a cor de pele do consumidor. Somente a IA será capaz de entregar esta ultra-personalização em múltiplos canais para um grande número de clientes.
Porém, a IA ainda não é para todas as empresas. É preciso ter dados de qualidade, ter uma boa arquitetura de tecnologia e formular boas perguntas para desenvolver bons algoritmos. No Brasil, ao final de 2023, segundo a Linx, apenas 16% das empresas usavam alguma ferramenta de inteligência artificial.
Foi também uma feira de muitas robôs e telas – funcionando em casamento perfeito com a IA. Em tempos de falta de mão de obra para atividades repetitivas e pesadas, os robôs já estão presentes em centros de distribuição, na produção e nos escritórios.
Foi possível ver na feira diversos robôs, por exemplo, fritando batatas e fazendo pizzas com rapidez e eficiência ímpares. Uma outra automatização interessante para os escritórios é o “me as a campus”: um assistente pessoal com IA para colaboradores do Walmart em home office. Neste ponto, o Bill Gates afirma que em 5 anos todos terão um assistente pessoal com tecnologia de IA que mudará a nossa forma de viver.
Há também cada vez mais robotização em frentes de lojas: no check-out, no acolhimento de clientes com soluções mais amigáveis e simples. As lojas autônomas, que surgiram com a AmazonGo, em 2016, são hoje uma realidade viável e muito mais simples do que no início. Por exemplo, toda a parafernália de câmeras e sensores dos primórdios da AmazonGo convergiram agora para uma solução simples em torno das etiquetas de RFID.
As telas presentes nas lojas (e também os canais digitais) se tornaram um importante canal de mídia para as indústrias e parceiros entregarem conteúdo ao cliente final. É o “retail media” que chegou com muita força, principalmente nos EUA, atingindo US$ 46 bilhões em 2023.
O “retail media” chegou com muita força, principalmente nos EUA, atingindo US$ 46 bilhões em 2023
Com relação ao Brasil, tivemos um painel na NRF apresentando bons resultados de duas grandes empresas (Mercado Livre e GPA), mas, no geral, os varejistas brasileiros ainda podem extrair muito mais resultado dessa cooperação com parceiros do ecossistema do varejo.
Por fim e mais importante, os exemplos e o discursos do congresso reforçaram que o ESG é uma ação prioritária que não pode esperar e pede urgência para impactarmos AGORA! A diversidade foi bem representada nas palestras por muitas mulheres CEOs de grandes empresas como Levi’s e Under Armour. Algumas empresas, como a PepsiCo, também detalharam seus planos de melhor utilização de seus recursos operacionais.
De forma geral, senti em todos os temas importantes da NRF uma preocupação na busca de inovação com impacto rápido nos resultados e na resolução de problemas práticos e relevantes. Isso está exigindo dos executivos de varejo uma maior fluência em tecnologia e, principalmente, a implantação de um maior senso de urgência que permeie toda a cultura da empresa, do topo até o cliente.
Sempre falo que uma ideia boa existe somente quando é bem executada e resolve problemas relevantes. Essa é a essência do varejo que esteve muito presente este ano na NRF.
*Juliano Ohta é Conselheiro do IDV (Instituto para o Desenvolvimento do varejo) e executivo de varejo há mais de 20 anos, tendo sido Presidente da Telhanorte, Aldo Solar e Saint-Gobain Plásticos.
Fonte: Neofeed