O Magazine Luiza estuda abrir lojas da varejista on-line Netshoes. O assunto está em discussão entre Frederico Trajano, CEO do Magazine Luiza, e Marcio Kumruian, cofundador da Netshoes. Também já está definido que a Netshoes receberá aporte do Magazine de R$ 200 milhões para pagar dívidas bancárias (parte pequena do valor foi liberado). O equilíbrio financeiro está previsto para 2021.
Trajano soube pelo celular que sua proposta de compra da Netshoes havia sido aceita pelos acionistas da empresa no dia 14 de junho. Ele estava em um voo quando o resultado saiu. Magazine tinha preferência na negociação. Mas a Centauro entrou firme na disputa, fazendo com que Trajano aumentasse sua oferta de US$ 2 por ação para US$ 3,70. O apoio dos acionistas da Netshoes foi de 90%. “Não tinha Wi-Fi no avião. Não conseguia ter acesso a nada. Só vi quando pousei”, disse Trajano. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor:
Valor: Como a empresa está estruturando a integração com a Netshoes?
Frederico Trajano: O mercado entendeu a operação e o seu valor, tanto que [o preço] da ação do Magazine subiu de R$ 160 para R$ 200 [no período de análise da oferta do mercado]. Está claro o nosso foco em crescimento baseado em aumento no volume de clientes ativos, frequência de compra e de categorias à venda. No mundo, quem não se abriu a novas categorias não foi para frente. E a Netshoes já entra em nossa base com mil lojistas do seu marketplace [venda de produtos de terceiros] e 6,8 milhões de clientes ativos que se somam aos 18,2 milhões do Magalu.
Valor: Quando a Netshoes deve voltar a lucrar?
Trajano: Acreditamos que dá para zerar o prejuízo da Netshoes, atingindo “breakeven”, em um ano e meio com os ganhos gerados com a integração. Só não vai dar mais lucro porque vou reinvestir lucro em crescimento. Ao aportar capital na empresa, o balanço melhora, o custo de capital cai, sobe o prazo para pagar fornecedores, então começa um ciclo virtuoso. Na segunda-feira passada já integramos 100% do catálogo da Netshoes ao site do Magalu. O vendedor da loja também já tem acesso ao catálogo.
Valor: Como será a integração?
Trajano: Vamos trabalhar todo o segundo semestre planejando a integração de sistemas, que deve ser executada ao longo de 2020. Estou seguro de que não teremos ruídos nisso porque nenhum de nós têm sistemas pesados. Antes de 2020, vamos fazer muito pouco. Não iremos tocar no sistema deles neste ano porque logo teremos “Black Friday”. Este ano é hora de aportar dinheiro e dar confiança ao fornecedor. Vamos também voltar a investir em marketing, porque não é um valor tão alto em relação à receita. A Netshoes têm lojas oficiais de times que eu não tenho, então é algo que vamos analisar no Magalu também.
Valor: As marcas da Netshoes serão mantidas? Os sites Época Cosméticos, do Magazine, e Zattini, da Netshoes, têm mercados em comum. Serão integrados?
Trajano: Manteremos todas as marcas. E estamos avaliando integrar Zattini e Época. A Zattini tem produtos de beleza, mas o foco dela é moda e acessórios, mas ela pode ter uma troca maior com a Época, que vende volume maior de itens de beleza. E vou ampliar a equipe de Netshoes e da Zattini porque não tenho ninguém que cuide disso no Magalu. Um grande potencial da Netshoes hoje é a Zattini, com penetração baixa e mercado muito maior. Continuaremos crescendo em esportes, mas a Zattini, com R$ 500 milhões em vendas, pode render muito mais. A Netshoes [já com R$ 2 bilhões em vendas] está mais perto do “teto”.
Valor: Quais as mudanças planejadas para a Netshoes?
Trajano: O principal ponto são os altos custos administrativo e de vendas da Netshoes, como é de todo comércio eletrônico “puro” [sem lojas e marketplace], algo que nunca deu lucro. Essas despesas representam mais de 30% da receita da Netshoes e no Magalu isso é 21%. Vamos reduzir isso para o nível da empresa logo.
Valor: Mas para isso é preciso cortar diretorias, gerências. Vão fundir estruturas sem cortar?
Trajano: Eu estou crescendo 30% ao ano, eu preciso contratar, se reduzir será pouquíssimo. E vou cortar custo necessário, mas não vou aumentar preços. Vamos integrar o “back office”. Sobre unificar as sedes, isso ainda não está em discussão. Mas só de fechar o capital da Netshoes, já há uma redução grande de custos. A empresa seguia a Lei SarbanesOxley [que aprimora a governança]. É algo muito caro, uma loucura. Estou repensando questões de [lançamento] de ADR [American Depositary Receipts], porque é uma estrutura cara e muito pesada. Eu estou no Bronx, não em Manhattan, eu sou varejista, então fazemos conta para tudo.
Valor: Há um plano de abertura de lojas da Netshoes?
Trajano: É uma possibilidade, mas não é uma certeza. Marcio Kumruian [fundador da Netshoes, que permanece na empresa] insiste muito nessa ideia porque acha que é importante para as marcas. A questão que estamos vendo ainda é que a minha loja do Magazine Luiza pode fazer esse papel de retirada de itens comprados no site. Se olhar o meu depósito, eu já vendo sabão, pneu, fralda, livros.
Valor: Como ficam os indicadores da empresa após a aquisição?
Trajano: Devemos passar de uma frequência de compra [de clientes ativos] de 3 a 4 vezes ao ano [antes da compra da Netshoes] para oito ao ano em 2020. Em 2018, eram duas vezes. Mas eu quero chegar de 40 a 50 vezes ao ano em algum momento.
Valor: A compra da Netshoes inclui a aquisição das ações, aportes, pagamento de dívidas. Calcula-se que é um negócio de quase R$ 800 milhões. Não ficou caro demais?
Trajano: Isso é menos de 2% do valor de mercado do Magalu. Mas, na prática, nesses R$ 800 milhões estou considerando os R$ 200 milhões que devo aportar na Netshoes, que já definimos que irá entrar no capital de giro da companhia. Ao se descontar isso, o custo foi de pouco mais de R$ 600 milhões, equivalente a 1,5% do valor de mercado do Magalu. Se fosse para construir do zero, eu gastaria muito mais do que isso. A Netshoes tem capital social de R$ 1,3 bilhão, então foi investido todo esse valor altíssimo até hoje.
Valor: O aporte de R$ 200 milhões é suficiente?
Trajano: Esses R$ 200 milhões é um valor inicial. Vamos colocar isso para pagar 100% da dívida bancária da Netshoes, e com isso serão destravados os recebíveis [de cartão de crédito] com os bancos. E isso passa a gerar novo fluxo na empresa. Acho que ela pode precisar de novos aportes e fiz um planejamento para isso que depende da velocidade de virada do negócio e do seu crescimento. Mas não posso falar de projeção. Pode ser ainda que tenha que colocar mais capital para levá-la de um patamar de R$ 2,5 bilhões de receita para R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões ao ano.
Valor: O Magazine Luiza pode ter que emitir mais dívida ou ações para acomodar esses planos?
Trajano: Eu tinha cerca de R$ 300 milhões de ações em tesouraria e vendi isso em cinco minutos [na bolsa] semanas atrás. Vendi a ação a R$ 207. Isso entra no caixa do segundo trimestre. Ainda captamos R$ 500 milhões em dívida a 104% do CDI. Magalu e Netshoes também têm R$ 950 milhões de créditos de ICMS de uma causa ganha para entrada em caixa em 36 meses. E a qualquer momento posso fazer um aumento de capital. Caixa é preocupação zero.
Valor: Porque o Magazine decidiu manter Marcio Kumruian na gestão da empresa?
Trajano: Marcio é um empreendedor excepcional. Era fundamental ficar com ele e a Graci [Graciela Kumruian, diretora e irmã de Marcio]. O time deles é muito bom. A informação que circulou de que o Marcio pediu para ficar foi “plantada”. Eu pedi para ele continuar e, por mim, ele ficará muito tempo [o acordo é de permanência mínima de 12 meses]. Cinco anos atrás ele era o expoente do setor, então começa a dar problema e falam que a empresa não sabe operar bem. Mesmo com o Magalu, em 2015 a ação custava R$ 1 e diziam que a gente não sabia operar, que nossa sucessão [Luiza Trajano presidiu o Magazine, antes de Frederico] não funcionaria. A Netshoes fez escolhas que não deram certo. Houve o erro [de entrar] no B2B [venda para empresas], mas quem não errou nunca? Nós compramos [as Lojas do] Baú, e não foi um boa compra.
Fonte: Valor Econômico