O mais recente projeto do grafiteiro francês Cyril Phan, conhecido como Kongo, impôs dificuldades maiores do que a simples tentativa de não se molhar ao pintar a lateral de um edifício em um dia de chuva. Sua missão foi decorar as peças delicadas de um turbilhão (mecanismo usado na alta relojoaria) para a marca suíça Richard Mille. O relógio, que foi posto à venda em junho, custa US$ 800 mil. “Foi um desafio técnico fantástico porque às vezes trabalhamos com elementos que são um décimo ou um centésimo de milímetro. Nosso objetivo foi garantir a precisão da pintura em uma escala muito pequena”, disse Mille, o fundador da marca.
A empresa primeiramente passou seis meses criando um aerógrafo especial que iria controlar a distribuição de quantidades mínimas de tinta de cores brilhantes. O projeto pode parecer um tanto improvável, dado o estilo da arte de rua: impulsivo, jovem e que, à primeira vista, sugere um ambiente boêmio moderno, pouco afeito ao tradicional artesanato suíço, mas outras marcas estão trabalhando com artistas cujo meio usual é o grafite ou até mesmo as tatuagens, em uma tentativa de expandir seu alcance para uma geração mais jovem, com sensibilidades muito diferentes das dos seus pais ou avós.
Este mês, o relógio Big Bang Sang Bleu, da Hublot, chega às lojas, projetado em colaboração com Maxime Buchi, tatuador de Londres cujos clientes incluem o rapper Kanye West. Por pouco menos de US$19 mil, o relógio está disponível em uma edição limitada de 200 unidades. Para ajudar a promover seu lançamento, Buchi irá criar um estúdio de tatuagem temporário no mês que vem em Miami, programado para coincidir com o Art Basel Miami Beach.
E no começo deste ano, a Romain Jerome introduziu um relógio com ponteiros que se assemelham a agulhas de tatuagem e correias com um desenho floreado do tatuador francês Xoil, por US$ 24,5 mil.
A tendência pode ser encontrada com preços mais baixos e de outras formas. No mês que vem, a Shinola, cujos relógios custam entre US$ 475 e US$ 1,5 mil, irá inaugurar uma boutique, no centro de Los Angeles, onde os clientes também podem fazer tatuagens. Ela será supervisionada por Scott Campbell, tatuador cujo trabalho adorna a pele de celebridades como o estilista Marc Jacobs.
Público-alvo. Essas parcerias têm como alvo, pelo menos em parte, o cobiçado mercado dos millennials, muitos dos quais podem estar mais inclinados a comprar um smartwatch ou simplesmente checar a hora no celular. “Parte do futuro são as pessoas que têm 15, 20, 25 ou 30 anos hoje. Descobrimos que, além de uma determinada forma de se vestir ou de ouvir música, elas estão interessadas em tatuagens. Portanto, pensei: ‘Se a tatuagem é, ou está se tornando, a arte do século 21, não podemos deixá-la pra lá’”, disse Jean-Claude Biver, presidente da divisão de relógios da LVMH Moet Hennessy Louis Vuitton, que inclui a Hublot. “Fazendo parceria com a arte do século 21, estaremos nos conectando com a época.”
As colaborações com artistas badalados também são uma maneira que algumas marcas usam para tentar se diferenciar em um mercado competitivo. “Somos os novatos do setor; era essencial passar uma mensagem diferente, mais inovadora e contemporânea de nossos relógios. Percebemos que a maioria dos nossos clientes tem entre 30 e 40 anos – portanto uma base bastante jovem – e também observamos que a maioria compartilha as mesmas referências culturais, quer se trate de arte contemporânea ou de videogames. A tatuagem é uma dessas expressões da arte dessa geração”, disse Manuel Emch, diretor executivo da RJ Watches, que produz o Romain Jerome.
Ricos e arte de rua. No caso do grafite, os preços em ascensão de trabalhos de artistas como Banksy atraem uma clientela cada vez mais rica, que geralmente compra relógios caros. “Os muito ricos estão comprando arte de rua; eles compram carros antigos e relógios de alto nível. Se você é uma empresa de relógios e quer abrir novos meios de comercialização, faz sentido mirar no que é relevante no mundo artístico hoje, que é a arte de rua e urbana”, disse Sebastien Laboureau, consultor de arte especializado em grafite.
Alguns críticos acham que essas colaborações são um pouco forçadas, mas os artistas não se sentem assim. “O mundo dos relógios tem muitas semelhanças com o da tatuagem para quem é tatuador. Existe alguma coisa em relação ao espaço muito pequeno no qual você trabalha que é muito similar ao ato de tatuar”, disse o tatuador londrino Buchi.