Processo começou há um ano e meio, mas ainda não acabou
O Grupo Pão de Açúcar (GPA) e a Via Varejo, que reúne as redes Casas Bahia e Ponto Frio, já desmontaram boa parte da estrutura que unia as operações das duas empresas nos últimos anos. Mas a separação definitiva, após a venda da fatia do GPA na Via Varejo à família Klein e a um “pool” de fundos, ainda deve avançar em outras frentes.
A principal e mais sensível envolve a marca Extra.com, que pode ser comprada pelo GPA, mas as conversas praticamente não avançaram, segundo apurou o Valor. Além disso, falta concluir a troca das fianças dadas pelo GPA à Via Varejo, em acordos comerciais e de locação. As negociações nesse sentido começaram há dois meses. Procuradas, as empresas não se manifestaram sobre o assunto.
O GPA controlou a maior rede de produtos eletroeletrônicos do país por uma década. Com R$ 85 bilhões em vendas e 2 mil lojas, as duas companhias somadas ocupavam o posto de segunda maior varejista da América Latina, atrás apenas do Walmart do México.
A venda da Via Varejo foi anunciada em junho deste ano. Mas o processo de revisão e cisão das operações compartilhadas começou anteriormente, há cerca de um ano e meio, apurou o Valor. Neste ano foi concluída a cisão da estrutura de serviços compartilhados, que administra toda a área operacional das empresas (contabilidade, gestão de pessoas, compras conjuntas de produtos e equipamentos, etc).
Essa estrutura gerenciava, por exemplo, a folha de pagamentos conjunta de 140 mil empregados e um volume de contas a receber das redes, somadas, na casa dos R$ 5 bilhões, a cada trimestre.
Na área financeira, a Via Varejo remunerava o GPA pela prestação de aval ou fiança em contratos comerciais e de aluguel que seguiam certas condições pelo fato do GPA ser o controlador da Via até junho. “O GPA era fiador da Via e com o fim da sociedade, a Via tem buscado troca do avalista, e feito negociações com seguradoras ou usado a própria empresa como garantidora. Isso precisa acontecer sem que leve a um aumento no seu custo do capital”, diz uma fonte.
A Via Varejo abriu conversas com bancos para ampliação de linhas de crédito em geral, e esse movimentou incluiu a abertura de negociação com seguradoras envolvendo as garantias.
Na busca por uma maior economia, GPA e Via Varejo mantiveram por anos equipes únicas em seus departamentos administrativos, com exceção das áreas mais sensíveis como a jurídica, uma das mais complexas pelo volume de ações fiscais e trabalhistas. Para ficar num exemplo do nível de integração e redução de custos, quando foi feita a união das equipes de recursos humanos de Via e GPA, há dois anos, houve um corte de pessoal de quase 40%, apurou o Valor.
Com a separação dos negócios, segundo fontes do setor, o GPA decidiu manter a sua central de serviços compartilhados em São Caetano do Sul (SP), cidade-sede da Casas Bahia. Mas de forma independente da ex-controlada, por razões de custos mais baixos que em São Paulo. “Quando decidiu vender a Via, o GPA passou a desenhar um plano de cisão, que foi sendo implementado até que, com a venda, isso ocorresse sem solavancos. Ficar no ABC fazia todo o sentido”, diz um diretor do GPA que preferiu não ter o nome publicado.
Nesses movimentos de cisão, o principal nó está em dividir a estrutura com fornecedores e prestadores de serviços sem que a perda de escala gere aumento de despesas. “Dependendo do acordo, como com os terceirizados, a escala é tão grande que o jeito foi renegociar mantendo alguma vantagem do contrato anterior. Ninguém quer perder um acordo com o Assaí ou com as Casas Bahia”, diz um ex-executivo da Via Varejo.
Segundo os últimos formulários arquivados pelas partes na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), ainda há rateio de despesas entre as duas empresas relativo a gastos com funcionários e compra de materiais e equipamentos. No GPA, esse rateio movimentou R$ 13,5 milhões no último ano e meio — em 2017, esse valor era menor, de pouco mais de R$ 600 mil. Na Via Varejo, o montante envolvido atingiu R$ 4,5 milhões em um ano e meio.
É uma conta feita com base na quantidade de horas dedicadas pelas equipes a cada empresa e ao volume de atividades em benefício de cada uma, mês a mês.
Entre as negociações que ainda precisam avançar após a cisão, a principal envolve o futuro do site Extra.com.
Segundo fontes do mercado, o GPA tem interesse na marca, que pertence à Via, que por sua vez já acenou com hipótese de vendê-la ao ex-controlador, como afirmou recentemente Michael Klein, presidente do conselho de administração da Via.
Para o GPA, o interesse está em ampliar a sua força no braço de itens eletrônicos, e o Extra.com é uma marca pronta para isso. Já para a Via, o site não é visto como uma operação prioritária. “O Extra.com acabou ficando meio de canto nesses anos, perdeu relevância”, diz um executivo do site.
Há uma expectativa no mercado de que as partes avancem em algum entendimento no curto prazo, mas a questão é que, segundo o Valor apurou, não há um acordo sendo costurado ainda. “Isso não é uma agenda que vai avançar no curto prazo, há uma questão de avaliação de valor da marca a ser feita. Klein parece que não tem urgência nisso, talvez como parte da estratégia de negociação”, diz um vice-presidente das varejistas.
Na forma como está hoje, os grupos continuam como parceiros no Extra.com. É que a Via Varejo paga uma taxa ao GPA toda vez que o consumidor compra nesse site e retira nas lojas de hipermercados. E o GPA paga uma taxa de remuneração para a Via por ter o direito de comprar eletrônicos (vendidos em suas lojas) usando as condições comercias da Via Varejo com a indústria. Os fabricantes têm buscado rever essas condições, alegando que agora as duas empresas não são mais sócias.
Essas taxas envolvendo o Extra movimentaram R$ 110 milhões nos últimos três anos, sendo R$ 50 milhões no ano passado, informou o GPA em formulário enviado à CVM neste ano.
Ainda há entre as empresas contratos relativos à compra da Casas Bahia pelo GPA, em 2009, que foi alvo de uma série de aditivos entre 2017 e 2018, além dos contratos de locação de lojas de Michael Klein.
Pelo acertado, o GPA concordou em indenizar a Via Varejo por “contingências” anteriores à compra da rede da família Klein. Esta alegava que recebeu menos do que deveria. O termo do acordo atual calcula perdas e danos até e após novembro de 2016. O GPA informou a CVM no mês passado que em 2018 foram pagos R$ 199,6 milhões em “indenizações” à rede.
Klein ainda aluga lojas para a Via Varejo e a Via Varejo tem quiosques alugados no Assaí, do GPA. No ano passado, a Via Varejo pagou R$ 292,7 milhões em aluguel de lojas da Casas Bahia aos Klein, segundo documento registrado na CVM.
Dados públicos arquivados na bolsa mostram quanto o GPA ganhou com a venda da Via Varejo. Em junho, o grupo se desfez dos 36% de sua posição — já tinha vendido 7% em operações financeiras com banco — por R$ 2,3 bilhões. O ganho apurado foi de R$ 406 milhões, líquido de imposto de renda de R$ 201 milhões. No balanço do terceiro trimestre, houve uma baixa do investimento da Via de R$ 1,85 bilhão, relativo ao valor contábil no momento em que o ativo foi descontinuado do balanço (foi retirado dos números em 2017).
GPA continua dando garantias a contratos da Via Varejo e futuro da marca Extra.com ainda está em aberto
Fonte: Valor Econômico