Um dos pesquisadores mais renomados sobre o universo da escrita e dos livros, o historiador francês Roger Chartier, fez uma apresentação no último sábado, na Casa do Saber, em São Paulo, sobre “O livro, do início ao Kindle – Algumas reflexões teóricas para o presente”. Ele falou ao Meio & Mensagem a respeito dos tópicos abordados no encontro e sobre o papel dos impressos hoje, assim como a ascensão dos livros eletrônicos.
Meio & Mensagem – Quais foram as principais ideias que o senhor apresentou na Casa do Saber?
Roger Chartier – As principais ideias apresentadas foram a importância em achar um lugar definido para a leitura para uma compreensão da sociedade atual, refletir a respeito da forma em que se deu o desenvolvimento histórico dos arquivos escritos e produções textuais até chegar ao livro convencional. As mudanças mais importantes da produção da cultura escrita no mundo, especialmente no mundo ocidental. Do nascimento do livro impresso, chamado de códex, ao surgimento da imprensa, o que isso mudou na interpretação de texto, de sua funcionalidade na sociedade. Os conceitos de autoria, literatura, copyright e propriedade intelectual, tal como foram concebidos no século 18, e sua representatividade na sociedade atual.
M&M – Parece que se fala mais sobre o fim da mídia impressa (jornais e revistas) do que do livro em si, embora o suporte físico de ambos seja o mesmo, o papel. Qual a diferença nos dois casos?
Chartier – A mídia jornalística sofre do processo informativo a partir dos critérios de noticiabilidade; devemos pensar se tudo deve ser publicado. Para Foucault, tudo deveria ser publicado, mas o que é tudo? Uma lista de lavanderia é uma obra literária? Há uma dialética da proliferação da literatura até a obra. O jornalismo precisa de autores, e o conceito de atribuição de textos para os autores foi a partir de 1750 que começou a ser considerado. Até então não havia propriedade literária definida. O trabalho literário permitia essa alteração proliferada, exclusão ou inclusão de acordo com a vivência do autor. A escrita era parte da vida do escritor.
M&M – Qual sua avaliação sobre o ritmo da adesão aos e-books pelas pessoas?
Chartier – Não se trata apenas da digitalização de um livro já existente, mas o e-book inventou uma nova mídia. A comunidade acadêmica da Universidade de Columbia, não reconheceu o e-book no início de sua existência. A produção textual pertence ao mundo editorial. Os e-books começaram marginalizados, a produção escrita o copywrite precisa ser pago. Apesar de ser uma ideia cada dia mais contraditória. O livro não pode morrer! A materialização e a desmaterialização transcendem a obra. No século XVIII, Shakespeare trabalhava em cima de reuso, de ressignificação da palavra. A exemplo de Dom Quixote, uma obra que vai além das palavras; não importa quem escreva, todos sabem de história, falamos, não depende do operário tipográfico, o livro é isso. O Livro versus a palavra, apesar de tudo, o editorial é apenas uma materialização, uma obrigação técnica. Vide Roland Barthes: “A morte do autor e o nascimento do leitor”. Como conhecer a leitura? É preciso pensar mais na literatura do que no autor. O sentido é uma posição de leitura, mais do que uma interpretação.
M&M – Qual sua opinião sobre o embate entre as mídias impressas, incluindo os livros, e os formatos digitais como o e-book?
Chartier – O e-book pode ser uma solução? Potencialmente sim. A forma eletrônica não se diferencia de custo, valor, trabalho ou preço, da forma impressa, os jornais continuam cobrando suas assinaturas, os jornalistas precisam ser pagos, não há mesmo uma diferença tão forte, o que muda é o alcance. O que há é uma tendência, mas é difícil, hoje, saber seu verdadeiro peso, a leitura eletrônica pode ser medida, os números de acessos e downloads, já a leitura convencional não. Talvez, nesse caso, a dimensão econômica é comprovada, não se traduz em dimensão de preço. Expectativa, mercados, demandas das editoras, pode modificar a estratégia comercial apenas.