Em uma crise, o gesto simples de passar um batom pode ajudar na renovação da autoestima, tão necessária para mudar o que é preciso e seguir em frente. A Natura fez um movimento assim em 2017.
Após dois anos de vendas fracas, levantou o resultado colocando em prática um plano simples, mas que fez “uma revolução”, na definio de João Paulo Ferreira, presidente da empresa: motivar milhões de consultoras pagando melhor às que vendessem mais.
O lance ousado do ano foi a compra da The Body Shop. Com a aquisição, a Natura tornou-se o 14o grupo de cosméticos do mundo, com mais de 3.000 lojas em 70 países.
Para Ferreira, 2018 será o ano de reforçar as marcas e definir como será a expansão mundial a partir de 2019.
Todas as possibilidades estão na mesa: consultoras vendendo marcas estrangeiras no Brasil e a Natura entrando em muitos outros países além dos oito atuais.
Já estão na mira da empresa países no Sudeste Asiático, no Oriente Médio e na Europa. “Eu diria que entre cinco e dez anos é razoável supor que a Natura esteja em 70 países”, diz ele.
*
Folha – A Natura reduziu o número de consultoras, mas as vendas aumentaram. Como isso foi possível?
João Paulo Ferreira – Entendemos que somos uma rede social com quase 2 milhões de empreendedoras, que levam a marca para 100 milhões de pessoas -e vendem por meio de sutilezas impossíveis de serem descobertas por um banco de dados.
Poderíamos pensar que o porta a porta é ultrapassado. Em vez disso, adotamos um plano de progresso e treinamos as consultoras. A revolução pela qual a Natura passa hoje é maior do que a compra da The Body Shop.
Passados três meses da compra da marca, quanto a integração já avançou?
Estamos indo bem, melhor do que o planejado, e temos tido surpresas positivas com a qualidade da equipe. Alocamos um pequeno grupo de profissionais no negócio, que fazia parte da L’Oréal, mirando vendas do Natal. Enquanto isso, “desplugamos” o que foi possível.
E o que já foi “desplugado”, como o sr. diz?
Algumas áreas como tesouraria. Há ainda serviços que serão prestados pela antiga dona, como os de manufatura e tecnologia. Tudo debaixo de um novo presidente, David Boynton, nomeado em dezembro. Ele cuidava de uma varejista de moda e passou dez anos na L’Occitane.
Também teremos o primeiro conselheiro que não fala português na Natura, o canadense Peter Saunders, ex-presidente da The Body Shop, de quando ela foi vendida para a L’Oréal.
Quando começa a expansão associando os dois negócios: Natura com lojas físicas ou The Body Shop com venda direta?
Como diria Fernando Pessoa, tudo a seu tempo. Todas essas possibilidades são válidas, com a combinação das duas marcas mais a Aesop [marca de cosméticos australiana, com produtos mais sofisticados, adquirida em 2013]. Mas preciso que todas estejam bem.
Precisamos garantir a solidez dos negócios antes de expandir, tanto a The Body Shop para a América Latina quanto a Natura para outros continentes.
Então a integração começa mesmo em 2019, isso?
Isso. Neste 2018 vamos deixar tudo em ordem e decidir o que vamos fazer e como. Realmente acreditamos nos três canais de distribuição, dentro e fora do país.
Há intenção de começar com a venda direta fora do Brasil?
Venda direta é um modelo bilionário, os maiores países são Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão, Inglaterra e Alemanha. Então, estamos em ótima companhia. No Brasil, é um dos motores do nosso crescimento. A The Body Shop tem venda direta apenas na Inglaterra e Austrália.
O modelo é parecido com o da Natura?
Não exatamente como o nosso, mas os negócios na Inglaterra estão indo muito bem. No nosso caso, estamos nessa jornada de fazer com que a consumidora possa ter vários momentos de compras. Por isso as lojas. A Natura hoje tem 23 lojas. A The Body Shop é enorme nesse sentido. Tem 3.000 no mundo.
Faz sentido a Natura ganhar mais lojas?
Faz total sentido ter ofertas para cada uma das marcas. Há países mais adeptos a alguns tipos de experiência de compras do que outros. Então, vamos antever como operar, conforme os hábitos de compras das clientes.
Como calculam os riscos de entrar, quase que de uma só vez, em 70 países?
Hoje ainda não sabemos qual ser o mapa que vamos seguir para a expansão, mas evidentemente aproveitaremos os países onde a empresa tem uma presença mais forte.
Quais são eles?
Alguns países no Sudeste Asiático, no Oriente Médio e na Europa. Agora, temos de nos preparar para levar a Natura para lá. No final, eu diria que entre cinco e dez anos é razoável supor que também a Natura esteja em 70 países.
As lojas que já existem da The Body Shop vão vender Natura em 2019 ou vice-versa?
Não.
As consultoras Natura vão vender The Body Shop em um futuro próximo?
As consultoras são independentes e têm o direito de representar quantas marcas quiserem. É razoável supor que no dia em que tenhamos um modelo de venda direta da The Body Shop, elas também queiram vender.
Teremos anúncios publicitários das marcas juntas?
Institucional certamente. Nós queremos criar uma imagem do Grupo Natura, estamos trabalhando para isso e, no início do ano, vamos comunicar o que temos em comum como grupo.
No Brasil ou fora?
No mundo inteiro. Agora, para o consumidor, cada marca manterá sua identidade.
Das 3.000 lojas da The Body Shop, 1.900 são franquias. É um modelo a ser adotado?
Dois terços da marca hoje são franqueadas e não há dúvida de que essa rede poderá ser usada para a Natura, fora do país ou aqui. Como e quando exatamente não sabemos.
Além das lojas, criamos um formato para consultoras donas de pequenas lojinhas, chamado Aqui Tem Natura. São como uma autorizada da marca. Estamos com mais de 50 no país, e isso está crescendo muito.
Elas pagam mais por isso?
Elas fazem um investimento relativamente pequeno, como uma franqueada, para padronizar mobiliário e automação comercial. Passam, então, a ter incentivos comerciais e treinamentos.
Essas 50 franqueadas serão as futuras donas de franquias?
Elas são fortes candidatas.
A aprovação da reforma trabalhista faz diferença no negócio?
A nossa percepção foi que os modelos aprovados contribuem para a modernização das relações de trabalho, de aumento de segurança, tanto para o trabalhador como para a empresa. Também vai dar ganhos de competitividade para o país.
O governo já fala em fazer a reforma tributária em 2018. Qual a importância dela?
Seria fundamental. A estrutura tributária brasileira é muito complicada e gera um esforço interno muito grande -e nós temos de gastar mais tempo pensando no negócio, em como agradar ao consumidor e vender mais.
Uma curiosidade: verdade que não há crise para venda de batons? Foi assim durante a recessão brasileira?
Há estudos econômicos que falam sobre esse chamado “efeito batom”. Eles apontam que, em momentos de crise, aqueles que inevitavelmente afetam a autoestima, quando o pouco que resta a todos é saber quem são, qualquer ajuda que nos permita retomar a confiança é bem-vinda.
Há histórias incríveis de cidades bombardeadas durante a Segunda Guerra Mundial, em que salões de beleza funcionavam ativamente nos subterrâneos.
No momento em que não se sabia quem iria morrer ou se haveria o que comer no dia seguinte, olhar no espelho com altivez era o que restava às pessoas.
O fato que o setor de cosméticos um dos mais resilientes, demora a sentir a crise e é um dos primeiros a se recuperar.
Fonte: UOL