Para João Pedro Paro, presidente da Mastercard no Brasil, o setor de cartões de crédito deve trabalhar agora para se adaptar aos novos meios de pagamento – do celular ao carro
O vocabulário de João Pedro Paro, o presidente da Mastercard no Brasil, está, mais do que nunca, recheado de interjeições. Em um bate-papo de uma hora e meia com Época Negócios, na sede da empresa, na zona oeste de São Paulo, o executivo usou uma série de sons para falar do futuro do setor de meios de pagamento: “bip”, “pin”, “pá”, “pac”, “puf”… Assim, soltos, parecem não fazer sentido. Mas, na hora de descrever a experiência de consumo ideal, o barulho tem sua função. “Vamos supor que você esteja no seu carro, indo para casa, e quer uma pizza. Aí você clica em pizza (no painel do carro). Puf! A pizza chega a sua casa.”
A mágica seria possível por conta (além de um carro moderno e conectado) da tal “carteira digital”, uma tecnologia que dispensa o árduo trabalho de digitar o quilométrico número do cartão de crédito, o nome, a data de validade, o código de segurança e o endereço na hora da compra. Na prática, funciona assim: o usuário cadastra as informações dos cartões de crédito que tem em uma espécie de carteira virtual e, a partir daí, toda vez que for fazer uma compra online, bastará ele clicar em cima da logomarca referente a sua carteira. A criada pela Mastercard, por exemplo, chama-se Masterpass e aceita cartões de outras bandeiras também, inclusive Visa. Também estão nessa jogada Google, Apple e outras diversas marcas.
Todas elas estão envolvidas nessa história há alguns bons anos. Em 2011, o Google anunciou a primeira versão de sua Google Wallet em parceria com a Mastercard, o Citibank e a operadora de telecomunicações Sprint. Ocorre que só agora essa tecnologia está chegando, de fato, ao consumidor final. “O interessante é que ela está vindo por uma pluralidade de aparelhos”, diz João Pedro Paro. Da maquininha de cartão de crédito tradicional ao carro, o “botão” da carteira digital poderá estar em qualquer lugar. Nem a geladeira vai escapar…
Por que investir nessa ideia de carteira digital?
Hoje, nosso grande trabalho é fazer com que aquilo que no meio físico funciona muito bem dê certo no digital. Atualmente, você paga uma compra com cartão na maquininha e se sente confortável. O desafio é levar esse mesmo conforto para o mundo virtual e para os vários meios de pagamento que estão surgindo. Se você parar para pensar que a sua geladeira pode ser um aparelho conectado à internet, assim como seu smartphone, você vê que ela também é um meio de pagamento. Imagine a cena: a geladeira informa que seu estoque de leite está baixo. Seus 2 litros de leite viraram 100 mililitros e a geladeira faz o alerta. Você vai até ela, dá o comando de compra com um clique, pin, e o supermercado entrega o leite na sua casa. Já testamos isso. E há toda uma engenhoca por trás dessa história. Não faz sentido a máquina (nesse caso, a geladeira) pedir o número do seu cartão, sua senha, etc. Você estaria fazendo uma transação muito parecida com a do mundo físico, fora que você estaria fornecendo a senha para a geladeira. Quem confia numa geladeira? Então, criamos a carteira digital para que o consumidor tenha conveniência e evite de fornecer os dados dessa forma. Extrapolemos isso para outro aparelho agora. Vamos supor que você esteja no seu carro, indo para casa, e quer uma pizza. Aí você clica em pizza (no painel do carro). Puf! A pizza chega a sua casa.
Há pelo menos cinco anos o setor fala sobre carteira digital. Virou realidade de fato agora?
Sim. Entre 6 mil e 7 mil sites de e-commerce no Brasil já têm a carteira montada (Masterpass, da Mastercard). Ou seja, já estamos começando. A Máquina de Vendas (Ricardo Eletro e Insinuante), por exemplo, já tem o botão Masterpass. Quando a gente fala de tecnologia, muitas vezes tem-se a impressão de que a implantação é fácil e rápida. Não é bem assim. O mundo é um pouquinho mais complicado. Isso porque tem que implantar também lá no sistema do vendedor (no e-commerce). Dependemos deles. Do contrário, como é que vai funcionar? Por isso, trata-se de um processo que leva um tempo. Aos poucos, a implantação vai ficando mais simples também. Pense que, até três anos atrás, para implantar um software novo nas maquininhas da Rede e da Cielo, por exemplo, era necessário ir de maquininha em maquininha. Imagina fazer isso em dois milhões de maquininhas. Hoje existe uma tecnologia implantada em todo o parque que permite essa atualização remota. As coisas vão evoluindo.
A carteira digital também pode ser útil na hora de fazer compras em pontos físicos. Por meio da tecnologia NFC (Near Field Communication), bastaria encostar o celular na maquininha – não seria necessário digitar a senha. O Apple Pay, por exemplo, já permite isso. Quando isso começará a acontecer no Brasil?
Todas as maquininhas aqui já têm NFC. O Brasil é o país que tem o maior parque instalado de NFC do mundo. Já tem mais de um milhão de maquininhas com NFC aqui. Logo que a atualização manual das maquininhas tornou-se remota esse suporte ao NFC se tornou viável. Quando lançaram o Apple Pay nos Estados Unidos (em outubro do ano passado), um colega meu americano veio ao Brasil uma semana depois, foi a uma loja aqui e pac… Pagou com o NFC. Daqui a pouco, os emissores vão emitir todos os cartões com suporte a NFC.
Mas já é tão rápida a compra com o cartão normal na maquininha. O que ganhamos com o celular como meio de pagamento ou mesmo o cartão com NFC? Cinco segundos?
É tudo uma questão de conveniência. Imagine o seguinte: você vai para a praia e tem de escolher apenas um aparelho para levar. Não importa qual é, mas ele tem de ser capaz de fazer tudo para você. O NFC nasceu para simplificar. Você sai de casa, por exemplo, só com o celular e consegue fazer uma compra. É bacana ver isso, porque a experiência de consumo vai ser muito mais fácil. Nós fizemos agora um negócio superlegal com essas máquinas de bebidas, no Canadá. Você está com seu wearable (aparelho vestível, como o Apple Watch) ou celular e, na hora em que você se aproxima da máquina, ela lê você. Seu aparelho vai interagir com a maquininha. Quer uma Coca-Cola? Você dá o comando, bip, e cai a Coca. No fim das contas, não importa o equipamento. Importa o pagamento acontecer.
Em alguns países, a maior parte dos pagamentos já ocorre por meios eletrônicos. Como alcançar esse feito?
A transformação vai partir do comércio. Peguemos a Suécia como exemplo. Lá, 92% dos pagamentos são eletrônicos. Você chega lá e está escrito na loja: não aceitamos dinheiro. Quase não tem ATM lá para sacar dinheiro. Eles começaram esse projeto de tirar o dinheiro de circulação por volta de 2001. Foi o comércio, junto com os bancos, que incentivaram isso. Veja você, pela data de início desse projeto, que é um trabalho longo. Vários países nórdicos estão nesse caminho. O dinheiro que eles estão economizando com isso chega mais ou menos a 1,5% do PIB (Produto Interno Bruto). Não precisa de transporte, malote, levar dinheiro para lá e para cá, diminui a corrupção… Nós defendemos essa bandeira de acabar com o dinheiro. Estamos longe disso, mas um dia vai acontecer.
Há 20 anos, o setor de cartões de crédito cresce a dois dígitos no Brasil. Agora, o crescimento já está perto de um dígito e o país ainda vive uma crise. Há espaço para pensar nessas inovações nesse contexto?
A economia andar mais rápido ou menos rápido tem impacto no negócio, sim. A confiança do consumidor fica abalada e ele compra menos. Mas o nosso trabalho é “bater” no dinheiro. Temos espaço para crescer. Há mais ou menos 50 milhões de desbancarizados no Brasil. Há aí, nesse caso, um público potencial para o cartão pré-pago, por exemplo (que não exige conta corrente). Vamos sempre buscar alternativas para crescer. Além do pré-pago e do pagamento móvel que estávamos falando, estudamos formas de tornar possível o pagamento de valores altos no cartão (um carro, por exemplo). Investimos no mercado de frete também, para torná-lo eletrônico. Trata-se de um setor que movimenta R$ 100 bilhões. A maior parte dos pagamentos ocorre via carta-frete (espécie de cheque entregue pela transportadora ao caminhoneiro, que o desconta em postos de gasolina). Há ainda a parceria com as operadoras de telecomunicações [um produto criado por Mastercard, TIM e Caixa permite a quem não tem conta em banco fazer transações financeiras pelo celular, por exemplo]. E entramos também no setor de transporte, em Curitiba, onde o cartão que os usuários usam para entrar no ônibus é também um pré-pago Mastercard.
Como a matriz vê a situação pela qual passa o Brasil?
A Mastercard já está aqui no Brasil há muitos anos. A gente já está acostumado. Vivemos outras crises. Ficamos um tempo sem, depois vem outra…. A Mastercard nunca vai deixar de estar no Brasil. O Brasil é o segundo maior mercado de meios de pagamento no mundo (depois dos Estados Unidos). Você acha que alguém não vai querer estar aqui?