Marca amplia portfólio para coleção de roupas e tênis e é licenciada para ganhar as ruas em um carro. Storytelling e preços agressivos são outros componentes da fórmula de sucesso
Durante uma conversa com o fundador da Chilli Beans, Caito Maia, a cantora Rita Lee contou já ter visto discos voadores quatro vezes em sua vida e que todos eles eram idênticos. O empresário perguntou então se a cantora conseguiria desenhá-los em um papel. Os traços foram parar nas hastes dos óculos que fizeram parte da coleção assinada pela roqueira. Ainda no mundo musical, outra linha teve licenciamento dos Beatles e uma das armações, em madeira, imitava o material da guitarra usada por Paul McCartney.
Os licenciamentos e o storytelling são alguns dos ingredientes que compõem a receita da Chilli Beans para atravessar a crise e manter o crescimento. A companhia está em negociação para levar ao mercado, este ano, um carro carregando sua marca e uma coleção de tênis e roupas, de forma semelhante ao que já fez a Coca-Cola. A empresa brasileira terá como parceira, inclusive, a mesma companhia que trabalha com a fabricante de refrigerantes, a AMC.A Chilli Bens já vende sandália, bicicleta, capa para celular, tablets e notebooks, entre outros produtos disponíveis em sua flagship: uma loja de 800 metros quadrados na Oscar Freire.
A crise também não impediu a organização de aportar entre R$ 3 milhões e R$ 4 milhões em seu Fashion Cruise – um cruzeiro que inicialmente era uma convenção e hoje se tornou um grande evento de moda, com desfiles, vendas de ingresso e line up internacional. Tudo para passar a consumidores e franqueados a essência da marca. A estratégia parece estar dando certo, já que, enquanto diversas redes estão fechando lojas, em 2014, a Chilli Beans abriu 120 pontos novos. Janeiro, fevereiro e março deste ano registraram crescimento em vendas na ordem de 10%.
Aposta em preço
A marca também recorre a um diferencial que foi decisivo em sua trajetória desde a origem: preço. “Existem 25% menos pessoas nos shoppings querendo consumir. Eu tinha 10 pessoas e agora tenho que ter o mesmo faturamento com 7,5. A intenção de consumo no Brasil diminuiu. Estamos observando oportunidades interessantes de trabalhar preço neste momento. Acabamos de fazer o lançamento de óculos de R$ 168,00 e R$ 198,00 que deram uma mudada na nossa vida. Neste momento, é preciso achar o preço que o bolso do brasileiro está podendo pagar. A resposta é simples porque o varejo é simples”, ressalta o fundador da Chilli Beans, Caito Maia, que conversou com o Mundo do Marketing após palestra realizada no Sebrae-RJ.
Os óculos da pimenta começaram a ser comercializados no fim da década de 1990 como uma alternativa mais barata aos produtos encontrados nas óticas brasileiras tradicionais. O então roqueiro da banda Las Chicas Tienen Fuego, sem conseguir o sucesso nos palcos, decidiu trazer ao Brasil uma mala cheia de óculos de sol comprados nos Estados Unidos. A primeira loja da marca foi aberta no ano 2000. O modelo de quiosques também foi acertado por permitir a entrada em shoppings a um custo mais baixo e por ter mobilidade, garantindo a busca pelas áreas mais quentes dos empreendimentos comerciais.
Hoje, a Chilli Beans conta com 700 pontos de venda, sendo 100 deles fora do país. Não só no quiosque, mas também nas lojas, não há vitrine – “somos a vitrine”, ressalta Caito – e a disposição dos produtos oferece uma experiência “self service”, também nas palavras do criador da marca. Nenhum item está trancado por cadeados ou escondido em gavetas. A volta dos clientes é estimulada pela chegada semanal de coleções novas, com 10 óculos escuros, cinco de grau e cinco relógios. Todas as unidades nacionais recebem os produtos no mesmo dia, o que demanda uma logística complexa.
Rumo à globalização da marca
Os itens de diversas categorias saem do centro de distribuição para os PDVs após serem fabricados na China. A alternativa que barateia os custos acabou reduzindo as margens praticadas pela franqueadora desde o ano passado, por conta da alta do dólar. A saída é se aproximar ainda mais dos consumidores e dos vendedores. “Quando visito as lojas, descubro pequenas ações que podem fazer grandes mudanças. Como uma cor de lente que, se oferecermos, será capaz de aumentar em 10% as vendas. É importante também ter contato com o consumidor e com os vendedores para entender o que está acontecendo, porque tem muita oportunidade aí”, diz Maia, que percorre pessoalmente todas as 600 unidades nacionais uma vez ao ano.
A marca do brasileiro já chegou até ao mundo árabe após um sheik comprar uma master franquia para a região. Ver mulheres de burca usando óculos da Chilli Beans faz com que os sonhos do criador do selo voem ainda mais alto. “Meu plano é chegar a 1.200 lojas nos próximos quatro anos e fazer com que a Chilli Beans seja reconhecida como marca global. Hoje, estamos em nove países”, afirma o fundador, que chegou a ter 120 lojas próprias e, hoje, conta com apenas duas.
A expansão internacional tem seus desafios próprios. Nos Estados Unidos, a companhia está presente com lojas próprias. A legislação para o setor varia de estado para estado, o que leva tamanha complexidade à operação que a rede ainda não encontrou um candidato a master franqueado qualificado para o posto. Em 2014, foi aberta a primeira Flagship Store internacional em Santa Monica, California, que serve de vitrine para o mundo e atraiu interessados de muitos outros países. Já na Colômbia, a rede cometeu o equívoco de escolher a localidade errada para o ingresso: Bogotá. Na capital e maior cidade do país, não há muitos dias de sol. A saída foi recomeçar, desta vez a partir de Medellín, e enfim ver a expansão deslanchar.
Outro desafio enfrentado pela rede foi a inclusão dos óculos de grau no portfólio. A proposta da marca é a de que o acessório seja visto não como um instrumento de correção de um problema, mas como um item de moda pelos usuários. A Chilli Beans quer que as pessoas tenham vários pares dos óculos e os combinem com a roupa que estiverem no dia e a situação de uso, assim como já acontece com os de sol. “Cada ponto que vende essas unidades tem um ótico, mas a falta desses profissionais levou 80 franqueados a ingressarem em cursos, que duram em média três anos, e se formarem óticos”, conta Maia.
A concorrência com importados também é uma realidade que se intensificou cerca de quatro anos atrás. Desde então, houve o lançamento de versões mais baratas e da possibilidade de parcelamento dos preços de marcas como Ray-Ban, Oakley e Vogue, do grupo italiano Luxottica. “O preço deles é muito maior. Eu quero vender três peças para esse consumidor, em vez de ele comprar só uma dos importados. Nossa estratégia maior é a história que temos para contar. Lançamos muitos produtos em edição limitada e com uma história por trás. Para os nossos clientes, isso faz diferença”, conclui Maia, que já se prepara para, em duas semanas, subir a bordo de seu cruzeiro.