À frente do marketing global do Burger King, o brasileiro Fernando Machado teve de revisar todos os planos que havia traçado para enfrentar a crise do novo coronavírus. Começando pelo cancelamento da reunião global de executivos da empresa e tendo de lidar com o fechamento em massa dos restaurantes na Europa, nos EUA e no Brasil, o executivo mudou toda a estratégia de comunicação em quatro intensos dias. “Foi preciso realinhar o plano de marketing à realidade das pessoas.”
Com forte operação na China, onde 90% dos restaurantes já foram reabertos, o executivo do Burger King diz que é muito difícil saber como o consumo será retomada após o fim do período de isolamento, mas arrisca dizer que o mundo não voltará ao normal. “A gente vai ver um novo normal depois dessa crise. Vai ter uma profunda mudança de hábitos e relacionamentos. E isso vai ter um impacto nas empresas e nas marcas.”
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Como o Burger King se preparou para o cenário de covid-19?
Apesar de termos restaurantes na China, e de eles terem sido fechados, a gente não imaginou que o vírus fosse se espalhar de forma tão contundente e rápida. O fechamento se deu em ondas, primeiro na Ásia, depois na Europa, nos EUA e Brasil. A gente tinha uma reunião global de executivos do Burger King, no início de março, que foi cancelada porque vários países já não estavam permitindo viagens. Depois vieram as restrições oficiais de viagens dos EUA. E, aos poucos, a coisa começou a ficar mais real.
Quando ficou claro que era necessário mudar de planos?
Em meados de março. As três marcas do grupo – Burger King, Tim Hortons e Popeyes – estavam programadas para as campanhas de sempre, de sanduíches e promoções. Então, em um período de 96 horas, resolvemos mudar tudo. Fizemos filmes falando sobre os procedimentos que cada marca estava adotando do ponto de vista de segurança nos restaurantes e de ações para ajudar a comunidade. Nos EUA, por exemplo, muitas crianças almoçam na escola. Por isso, o Burger King fez uma promoção em que cada pedido no delivery garantia dois menus infantis grátis.
E no Brasil?
A orientação foi a mesma. O presidente (Iuri Miranda) fez um filme falando dos nossos procedimentos (de atendimento, limpeza e segurança). Fizemos uma doação de R$ 1 milhão ao SUS. Tentamos fazer tudo com leveza, colocar um sorriso na cara das pessoas. Para o delivery, o filme enfatizava a entrega com taxa zero.
O delivery compensa a perda das vendas no salão?
Varia de país para país. Na China e na França, as vendas chegaram a cair a zero, porque tudo foi fechado, inclusive delivery. Nos EUA, o drive-thru ajuda nas vendas. Tem países em que o delivery já era 20% das vendas, então fica mais fácil crescer. Mas, claro, não chega a compensar totalmente.
Qual é o cenário para a reabertura dos restaurantes?
A gente vai ver um novo normal depois dessa crise. Vai ter uma profunda mudança de hábitos e relacionamentos. E isso vai ter impacto nas empresas e nas marcas. Mais gente vai pedir delivery, vai ser normal usar máscara e vamos nos cumprimentar com menos beijinhos. Vai ter álcool gel em todo o lugar, vai ter mais home office. Acho que as pessoas, de modo geral, vão valorizar a segurança. O lay-out dos restaurantes vai mudar. Mesmo que se descubra vacina ou remédio para o coronavírus, haverá mais isolamento social na rotina.
O comportamento das marcas nesse momento pode afetar a imagem no longo prazo?
Se a marca fizer a coisa certa, ela será mais valorizada depois. As marcas precisam ser empáticas em um contexto como esse, de uma crise como nunca se viu, e têm de tentar fazer algo de bom para as pessoas. E acho que quem age rápido e se ajusta ao contexto, reduz a chance de fazer algo muito errado.
Fonte: Estadão