Sempre que a Amazon dá um passo a mais no território brasileiro, o mercado reage com um movimento de venda das ações das varejistas brasileiras. No início deste mês, não foi diferente. No dia 3 de setembro, a Amazon anunciou um novo centro de distribuição em Cajamar (SP), o quinto da empresa no Brasil. As ações do Magazine Luiza (MGLU3), da Via Varejo (VVAR3), da B2W (BTOW3) e sua controlada Lojas Americanas (LAME4) reagiram com quedas. Um ano antes, a empresa lançou o seu produto de assinatura no Brasil, o Amazon Prime. Agora, a companhia tem em Cajamar o seu maior centro de distribuição em funcionamento no país, sinal de que o apetite para expansão no mercado brasileiro segue firme. É curioso observar o efeito da Amazon sobre as ações das varejistas brasileiras. Isso porque elas são as queridinhas do mercado, graças ao avanço do e-commerce, e quase nada parece capaz de derrubar os seus preços. Menos a Amazon, que parece ser a “criptonita” da Nasdaq brasileira. Para entender qual é o efeito real da presença da Amazon no Brasil, confira esta reportagem. O que você verá neste artigo: Estratégia começou tímida Amazon Prime é fundamental O desafio da logística O que esperar da Amazon no Brasil? Nem tudo está perdido Players brasileiros estão em boa forma Operação da Amazon ainda vai crescer Oportunidades de aprendizado Estratégia começou tímida Para entender a estratégia da Amazon no Brasil, é preciso voltar para 2012, quando a empresa começou a atuar por aqui. A estreia – um tanto tímida – começou apenas com livros e com o leitor digital, o Kindle. Somente cinco anos mais tarde, a empresa inaugurou uma plataforma de vendas para pequenas empresas. Segundo a Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), a Amazon começou seu marketplace em 2017, com eletroeletrônicos, e ampliou o foco para casa, cozinha, cosméticos e outros segmentos em 2018. Embora a empresa não tenha divulgado seus números oficiais, a imprensa estimava que o faturamento da empresa no Brasil em 2017 tenha sido da ordem de R$ 410 milhões, mais que o dobro do ano anterior. Em 2019, a empresa começou a expandir a sua venda direta e aumentar o portfólio de produtos. No início daquele ano, a Amazon inaugurou seu primeiro centro de distribuição no Brasil e na América Latina, também em Cajamar. Outros três foram abertos, em São Paulo e Pernambuco, antes da inauguração anunciada agora, em setembro de 2020. Hoje, a Amazon oferece cerca de 30 milhões de produtos em mais de 30 categorias. Já é possível comprar eletrodomésticos, materiais de papelaria e até papel higiênico no site brasileiro da companhia. E a ideia é ampliar os negócios. “A Amazon está animada em expandir nossas operações de logística na região de São Paulo, aumentando nossa capacidade para lidar com o crescimento extraordinário que temos registrado no Brasil”, disse o country manager da Amazon no Brasil, Alex Szapiro, em comunicado. Amazon Prime é fundamental Também foi em 2019 que a Amazon estreou o serviço de assinatura. Chamado de Prime, funciona como um grande pacote que oferece aos assinantes promoções exclusivas, frete grátis e uma série de conteúdos de mídia distribuídos via streaming. O cliente paga R$ 9,90 ao mês para fazer parte. De acordo com o especialista em varejo Alberto Serrentino, consultor da Varese Retail Strategy, o Amazon Prime é fundamental na estratégia da empresa. Isso porque ajuda a ampliar a base de clientes no Brasil, criando relacionamento de longo prazo com o consumidor. “O Prime é uma excelente alavanca para formar uma base de recorrência e capturar clientes”, explica o especialista. No momento, o Amazon Prime tem 150 milhões de membros pagantes em todo o mundo. Ele explica que a Amazon é muito disciplinada na hora de avançar em novos mercados. “Primeiro ela aprende sobre o país, entende o mercado, cria bases de distribuição e depois acelera”, afirma Sarrentino. Mas além de ser uma estratégia de captação de clientes, o Amazon Prime é uma forma de atender melhor os consumidores. “Foi assim que ela conquistou os EUA, com um serviço impecável e com essa sensação de receber muito mais do que se paga”, afirma o especialista em inovação, consumo e tendências, Arthur Igreja, que também é professor da FGV. O desafio da logística Daqui para frente, um dos grandes desafios para operar no Brasil é criar uma logística própria. Inclusive, essa foi a chave para o crescimento do Mercado Livre no país. Somente com a estrutura logística eficiente a Amazon poderá dar maior volume ao seu marketplace. Além da questão do tamanho do país, outro desafio é a baixa eficiência dos Correios, segundo Igreja. “Cada empresa tem que desenvolver seus canais de estocagem para ter um serviço de excelência”, afirma. É por isso que todos os principais competidores estão se mexendo para ter cada vez mais centros de distribuição. O que esperar da Amazon no Brasil? Não restam dúvidas de que a Amazon veio para o Brasil para deter uma fatia relevante do mercado. Afinal, trata-se de uma gigante com marca forte e muita experiência no setor, pronta para fazer investimentos pesados. Vale lembrar que foi a Amazon que criou o modelo de marketplace no e-commerce. “Eles foram pioneiros e ajudaram a moldar o varejo digital como ele é hoje”, destaca Sarrentino. Além disso, a empresa é forte em serviços de tecnologia, além de ter o braço de mídia e entretenimento. Com o avanço da Amazon no Brasil, as varejistas locais devem ser forçadas a melhorar o serviço oferecido ao consumidor. Por sua vez, o cliente tende a ficar mais exigente. Além disso, a presença da Amazon pode pressionar as margens das varejistas. “Ela é uma gigante global, com capital virtualmente infinito para queimar”, afirma Igreja. Segundo o especialista, a empresa pode trabalhar no zero ou no negativo para conquistar market share. “A Amazon tem um dos market places mais agressivos do mundo”, diz. Ao mesmo tempo, ele lembra que a Amazon já recebeu inúmeras acusações de dumping em vários lugares. Nem tudo está perdido No entanto, nem tudo está perdido para as varejistas brasileiras. Primeiramente, porque a empresa deve impulsionar o mercado de e-commerce como um todo, ajudando o mercado em geral. Ou seja, quando a Amazon cresce, ela puxa junto a categoria das empresas que se beneficiam dos mesmos hábitos do consumidor. Além disso, o mercado de e-commerce está crescendo rapidamente no Brasil. Na pandemia, o sucesso das vendas online foi estrondoso, indicando que este segmento mudou de patamar. Segundo pesquisa do BigData Corp. e do PayPal, o comércio eletrônico brasileiro cresceu quase 41% de janeiro a agosto de 2020. Com a expansão, o país tem 1,3 milhão de lojas online. Foi a maior aceleração registrada desde o começo da pesquisa, em 2015. Em 2019, o segmento cresceu 37,6% e, no ano anterior, 12,5%. Por isso, é de se esperar que haja espaço para novos concorrentes no mercado doméstico. Players brasileiros estão em boa forma Embora o avanço da Amazon assuste os investidores, as empresas locais têm boas condições de competir com a gigante. Principalmente porque são companhias bem posicionadas, com muita infraestrutura e base de clientes ampla. “As empresas locais têm condições de fazer frente a esta concorrência maior”, afirma Sarrentino. No caso do Magazine Luiza, ele destaca o bom posicionamento em serviços financeiros, o uso das lojas como hubs logísticos e a saúde financeira da empresa. Além disso, o Magazine Luiza tem feito aquisições estratégicas que reforçam a estratégia de criação de um SuperApp. Recentemente, a empresa comprou três plataformas de mídia. A Unilogic Media, a Canaltech – que produzem conteúdo sobre tecnologia – e a InLoco Media, divisão de publicidade da startup pernambucana InLoco. Segundo Regis Chinchila, analista da Terra Investimentos, o passo é estratégico para a brasileira se aproximar da estratégia de concorrentes globais. “A visão do mercado é de que o Magazine Luiza está encaixando a ‘última peça’ do quebra-cabeça do ecossistema de varejo, ao atrair usuários para sua plataforma e começar a atuar em publicidade”, explica. O Magazine Luiza é o primeiro a dar um passo rumo à publicidade no varejo de bens duráveis. A Via Varejo tem outros pontos que a colocam atrás do Magazine Luiza no online. Além disso, ainda é incipiente para um movimento como esse, de acordo com Chinchila. “Já a B2W (dona de Lojas Americanas e Submarino) poderia fazer algo parecido, mas ainda não existe sinal dessa estratégia.” Operação da Amazon ainda vai crescer Outra atenuante é que a operação da Amazon no Brasil ainda é relativamente pequena. Com isso, as empresas locais têm algum tempo para se preparar. Mesmo dobrando o número de categorias em atuação no país desde janeiro de 2019 e expandindo o portfólio de produtos em cerca de 50%, a operação da companhia americana no país ainda é significativamente menor do que suas concorrentes brasileiras. Para ter ideia, o Magazine Luiza tem 32 mil diferentes empresas vendedoras no seu marketplace. No segundo trimestre, foram vendidos pelo Magalu 3 milhões de itens, apenas na categoria de supermercado. Segundo o ranking da SBVC de 2018, a Amazon era a 13ª maior do setor de e-commerce. Enquanto isso, B2W, Via Varejo e Magazine Luiza ocupavam as três primeiras posições. Oportunidades de aprendizado Apesar dos desafios, é esperado que o avanço da Amazon no Brasil seja positivo para o consumidor. Isso porque será um estímulo para as empresas melhorarem seus serviços. “É uma bela oportunidade de aprender, pois sempre que se compete com algo melhor, o aprendizado também é maior”, afirma Igreja.
Fonte: Eu Quero Investir