Por Ivan Ryngelblum | Se 2023 foi marcado por dificuldades para o segmento de varejo de roupas, a C&A conseguiu refazer a imagem que analistas e investidores tinham dela. De “patinho feio” do segmento, com resultados muito baixos para um nome tão bem conhecido do grande público, a rede varejista teve no ano passado um momento de redenção.
Num período marcado por uma macroeconomia pouco convidativa para o consumo e o crédito, e com plataformas de fast fashion como Shein desembarcando no País, a C&A conseguiu despontar, como demonstrado pelo seu desempenho no mercado de capitais.
Os papéis da companhia registraram a quarta maior alta entre as ações da B3 no ano passado, de 242%, enquanto a concorrência derrapou – Lojas Renner registrou queda de 15% e a Guararapes, controladora da Riachuelo, terminou o ano com alta de 0,3%. Com isto, a C&A viu seu valor de mercado passar de R$ 701 milhões para R$ 2,4 bilhões, segundo levantamento elaborado por Einar Rivero, da Elos Ayta Consultoria.
Seus papéis se valorizaram no ano passado, é verdade, mas ainda estão longe de quando abriu o capital, em 2019, valendo cerca de R$ 5 bilhões. Com os primeiros frutos do plano estratégico apresentado no IPO já aparecendo, e com a economia mostrando que estará em condições melhores em 2024, a C&A quer expandir algumas frentes de negócios. E quem dever ganhar destaque é a categoria de cosméticos, numa estratégia para manter as margens em alta e atrair mais consumidores.
“Cosméticos é uma categoria que certamente vamos investir bastante em 2024”, diz Paulo Correa, CEO da C&A, em entrevista ao NeoFeed. “Essa área de beleza das nossas lojas está ganhando mais destaque, mais estrutura, e certamente vai ser um dos vetores de crescimento para a C&A em 2024.”
A C&A vem trabalhando nos últimos anos para desenvolver sua própria linha de produtos. A rede estreou no segmento em julho de 2022, com o lançamento da marca Bel&za, contendo 12 produtos das categorias corpo e banho, como hidratantes e creme de mãos. O portfólio foi ampliado em abril do ano passado, com a chegada da linha de maquiagem, com 16 produtos. Os preços variam de R$15 a R$ 36
Segundo Correa, a experiência com marcas próprias tem sido bastante positiva, com um retorno acima do esperado e o segmento se consolidando como um fator importante para trazer fluxo às lojas.
“Quando a cliente gosta de um determinado produto, acaba gerando uma recorrência muito interessante para loja, o que traz a oportunidade de ela conhecer a coleção e de fazermos um cross sell com vestuário”, diz o CEO. “É uma categoria estrategicamente muito interessante para nós.”
Diante do bom desempenho e da resposta que está recebendo dos clientes, a C&A pretende expandir o portfólio de produtos de beleza, seja de marca própria ou de terceiros, nas 334 lojas e nos canais digitais. “A ideia é expandir, principalmente na parte de corpo e maquiagem, em que ainda temos bastante oportunidade”, diz.
No caso da linha própria, além de trabalhar em novos produtos, a empresa avalia a possibilidade de costurar mais parcerias. No ano passado, a C&A realizou uma collab com a Chupa Chups em produtos corporais com os aromas do clássico pirulito de morango da marca de doces.
A C&A também já se associou a influenciadores para vender produtos desse grupo de celebridades, um caminho que pode se repetir. No ano passado, a empresa fechou um acordo com Bruna Tavares para comercializar a primeira linha de maquiagem da influenciadora em parceria com a Disney. O acordo acabou resultando na criação de uma coleção de roupas, lançada em outubro.
Um outro acordo envolve a influenciadora Bianca Andrade, mais conhecida como Boca Rosa. Essas parcerias acabam resultando em algumas oportunidades exclusivas para a C&A e seus clientes, como kits e lançamentos antecipados de produtos, servindo como mais um chamariz para a varejista.
Além dos acordos, Correa diz que as áreas de beleza nas lojas vão passar por adaptações, para ganharem mais “destaque e mais estrutura” entre as araras de roupas.
A C&A não divulga os resultados separados por produtos, mas o balanço dá um pouco de “cor” sobre a área de cosméticos. A categoria aparece dentro do chamado fashiontronics e beleza, que agrega também a receita com a venda de aparelhos celulares e smartphones, relógios e acessórios.
No terceiro trimestre, a receita desse segmento, considerando as vendas de produtos próprios e de outros, caiu 11,3%, em base anual, para R$ 173,3 milhões. Mas, enquanto o desempenho da receita dos eletrônicos e acessórios recuou 16,5%, os produtos de beleza tiveram alta de 17,4%.
Para Danniela Eiger, head da parte de varejo e co-head de equity research da XP Investimentos, embora a receita seja menor que a vista na parte de vestuário, que no terceiro trimestre somou R$ 1,2 bilhão, beleza é um fator importante para a questão da rentabilidade.
“É uma categoria que tem uma margem melhor do que eletrônicos, que enfrenta um cenário desafiador tanto de consumo como de competição”, diz ela. “A linha própria [de cosméticos] ainda é algo muito novo, mas vemos o desenvolvimento da categoria como positivo.”
Ajustes
Enquanto a parte de cosméticos ganha força, a C&A segue tocando a receita responsável por recuperar os resultados da companhia desde a pandemia e pela alta de mais de 200% das ações no ano passado.
“O ano de 2023 foi muito importante para a C&A, porque no ano anterior fizemos alguns ajustes, principalmente na dinâmica de despesas e de investimentos, ao mesmo tempo colocamos muita energia para capturar os benefícios e os impactos dos investimentos feitos”, diz Correa.
Quando apresentou o IPO ao mercado, em 2019, a C&A estabeleceu como prioridade digitalizar as operações, modernizar o sistema de distribuição, recuperar a capacidade de dar crédito e expandir a quantidade de lojas.
Segundo Correa, a implantação dessa estratégia, combinada com uma maior disciplina financeira, tem feito a companhia retomar o crescimento de vendas, sem abrir mão de crescer a margem a cada trimestre.
No terceiro trimestre, a receita total subiu 9,6%, em base anual, para R$ 1,5 bilhão, com a margem bruta total avançando 2,4 pontos percentuais, a 51,7%. Já a última linha do balanço permaneceu negativa, mas melhorou – prejuízo de R$ 44,2 milhões, diminuição de 28%. “Completamos sete trimestres consecutivos de aumento de margem bruta”, afirma Correa.
Os investimentos em digitalização foram considerados essenciais por analistas para a C&A avançar em boa parte dos pontos da estratégia traçada no IPO. A empresa tem apostado pesado no uso de dados e analytics para conhecer melhor seus consumidores e a demanda, de modo a ser mais assertiva na criação de coleções, controlar os estoques e acertar na precificação.
A estratégia também permitiu avançar com o C&A Pay. Desde que reassumiu a vertical de serviços financeiros, em 2021, que estava sob controle do Bradesco, a varejista fez uso intenso de dados para ser assertiva na concessão de crédito e tornou o processo simples, uma vez que os cartões são digitais e todo o processo de contratação, feito no caixa, leva poucos minutos. O C&A Pay conta com mais de 4 milhões de cartões digitais e respondeu por 26% do faturamento no terceiro trimestre.
A carteira vencida há mais de 90 dias atingiu 22,9% da carteira total, que somou R$ 725 milhões. Correa diz que o fato de ter construído uma carteira de crédito do zero nos últimos anos pressupõe um nível de inadimplência maior no começo, mas que vai recuando à medida que ela vai atingindo a maturidade. Segundo ele, a tendência é a inadimplência começar a recuar.
Um ponto que não avançou como esperado no IPO foi a expansão de lojas. Quando abriu capital, a previsão era inaugurar 150 unidades ao longo de cinco anos. No entanto, todo o contexto macroeconômico para o varejo nos anos seguintes fizeram com que a C&A abrisse 50 unidades. E isso não deve mudar. “A gente está privilegiando o avanço no que diz respeito à capacidade de geração de caixa”, afirma.
Para Eiger, da XP, os ajustes realizados nas operações ajudaram a reduzir a percepção de risco da tese de investimento. “A companhia estava numa situação delicada financeira no começo do ano (2023), mas conseguiu executar um processo de melhoria operacional que gerou resultados”, diz.
A expectativa é que o avanço nessas frentes em 2024, mais os investimentos em áreas como cosméticos, ajudem a C&A a manter o bom desempenho nos resultados e nas ações e a coloque numa posição para competir com a Shein.
Questionado sobre a chegada de nomes como esses, Correa é bem protocolar. Segundo ele, mesmo diante da falta de informações públicas sobre o crescimento das plataformas, a companhia vem ganhando share e seguirá com seus ajustes. “No fim, temos que continuar crescendo e focados no nosso trabalho”, diz Correa.
Quando iniciou a cobertura da C&A em setembro do ano passado, a Genial Investimentos estimou que o market share da C&A cresceu de 3,1% para 3,4% entre 2021 e 2022, quando se faz um corte para constar apenas as varejistas de vestuário média e baixa renda, ficando atrás da Renner, Shein e Riachuelo, cujas fatias do mercado são de 7,4%, 4,7% e 4,2%, respectivamente.
Fonte: Neofeed