Considerações Iniciais.
Reveste-se de grande relevância, para o atual cenário brasileiro, principalmente no Estado de São Paulo, a discussão sobre os efeitos, no âmbito trabalhista, de eventual paralisação de atividades econômicas por conta de desabastecimento de água ou energia elétrica.
O presente artigo pretende, de maneira sucinta e objetiva, introduzir a discussão acerca do tema e delimitar, preliminarmente, quais as consequências para o trabalhador ante tais paralisações.
Para tanto, iniciar-se-á a exposição conceituando-se os institutos jurídicos essenciais à compreensão da questão: a força maior/caso fortuito, a interrupção do contrato de trabalho e a suspensão do contrato de trabalho, para que seja possível delimitar os efeitos e as consequências jurídicas de tais eventos, cada vez mais corriqueiros, no cenário paulista.
Força maior/caso fortuito.
Primeiramente, cumpre-se tecer breves comentários acerca dos institutos da força maior e do caso fortuito.
Embora haja polêmica doutrinária acerca do alcance de tais expressões, o legislador pátrio, na seara cível, optou por se distanciar do debate terminológico, limitando-se a estabelecer que tanto um quanto outro possuem o mesmo efeito: eximir o devedor de culpa pelo inadimplemento obrigacional.
Não sendo propósito deste artigo esmiuçar diferentes vertentes doutrinárias acerca de tais institutos, pode-se conceituar, superficialmente, a força maior e o caso fortuito como aqueles eventos, naturais ou não, previsíveis ou necessários, cujos efeitos não seja possível impedir ou evitar.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) define, no art. 501, a força maior:
Art. 501 – Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.
Uma vez conceituados os institutos, é de fácil subsunção a estes os eventos hodiernamente experimentados no país, tais como a interrupção no fornecimento de água e energia elétrica, sem os quais a atividade econômica não pode ser realizada.
Interrupção ou suspensão do contrato de trabalho.
É de especial relevância, para o assunto aqui tratado, delimitar superficialmente, à luz do tópico anterior, a interrupção e a suspensão do contrato de trabalho, e suas principais consequências na esfera de direitos trabalhistas.
Sinteticamente, pode-se conceituar a suspensão do contrato de trabalho como “a cessação temporária dos principais efeitos do contrato de trabalho” [1]. Embora o vínculo empregatício se mantenha, o empregado não presta serviços e nem é remunerado, e o tempo de suspensão não é computado como tempo de serviço.
Já a interrupção do contrato de trabalho é, nas palavras do mesmo doutrinador, “a cessação temporária da prestação de serviços pelo empregado, mantendo-se, entretanto, as obrigações patronais” [2]. Dessa forma, embora o empregado não preste serviços, o empregador deverá pagar seus salários normalmente e o período de interrupção será computado como tempo de serviço.
Pelo que já se expôs, é fácil concluir que a interrupção do contrato de trabalho é mais benéfica ao trabalhador do que a suspensão. Resta, no entanto, precisar se a força maior é hipótese de interrupção ou suspensão do contrato de trabalho.
Consequências da força maior / caso fortuito no âmbito trabalhista.
Primeiramente, deve-se destacar que, no âmbito trabalhista, o art. 2º da CLT impõe, ao empregador, a assunção dos riscos da atividade econômica desenvolvida. Dessa maneira, a ocorrência de eventual força maior a eximir o empregador de responsabilidade se limitará a eventos de grande impacto, tais quais catástrofes naturais para as quais previdência nenhuma do Empregador seria apta a minimizar os prejuízos de tais ocorrências.
Deve-se, ainda, ressaltar que eventual força maior decorrente de atos do Poder Público (factum principis) lhe impõe o dever de indenizar os empregados eventualmente dispensados (art. 486 da CLT).
Dessa forma, eventual corte de energia elétrica ou falta de água que impeça a realização das atividades empresariais ensejará, à primeira vista e sem levar em consideração eventual dissídio coletivo, hipótese de interrupção do contrato de trabalho, devendo, o trabalhador, ser remunerado normalmente e ter o tempo de serviço computado, sem que ofereça contraprestação laboral.
No entanto, à luz do já referido artigo 486 da CLT, é de se apontar que o Poder Público poderá, a depender do caso concreto, ser o responsável pela força maior, obrigando-se, dessa forma, a indenizar tanto os prejuízos sofridos pelo empregador quanto os sofridos pelos empregados eventualmente dispensados.
É de se notar, por fim, que, nos termos do artigo 61, § 3º da CLT, a jornada diária do empregado poderá ser acrescida, extraordinariamente, de duas horas, limitada a 10 horas diárias, por motivo de força maior.
Conclusão.
O presente artigo procurou, de maneira sucinta, expor e delimitar as consequências, no âmbito trabalhista, de eventual falta de energia ou de água, faltas estas aptas a paralisar a realização da atividade econômica gerida pelo Empregador.
Por tudo o que foi exposto, a inteligência do artigo 2º da CLT aponta para o fato de que tais paralisações devam ser consideradas como hipóteses de interrupção do contrato de trabalho, garantindo, aos trabalhadores, o auferimento do salário.
Por óbvio, é imperioso destacar que, em face de circunstâncias econômicas adversas e do aperfeiçoamento de eventual crise hídrica e energética, o comportamento de agentes econômicos e sindicatos deverão se pautar pelo bom senso e pela boa-fé objetiva, a fim de que injustiças não sejam perpetradas.
Cyro Souza Teixeira de Carvalho Neto
Integrante de BOBROW E TEIXEIRA DE CARVALHO Advogados
[1] REZENDE, Ricardo, Direito do Trabalho Esquematizado, Ed. Método, 3ª Ed, São Paulo, 2013, p.598.
[2] REZENDE, Ricardo, op. cit. fl. 599.