Diante da rápida e surpreendente virada nas contas externas em 2015, as previsões do mercado rapidamente se ajustam, indicando déficit externo ainda menor em 2016 e próximo de zero em 2017, ainda que não necessariamente por bons motivos. Levados por expectativas pessimistas, que incluem mais um ano de queda da atividade econômica e de desvalorização cambial, analistas preveem déficit em conta corrente bem abaixo dos 2,7% do Produto Interno Bruto (PIB) traçados pelo Banco Central para 2016. Para alguns, o déficit externo zera já neste ano.
Para o investimento direto no país, a expectativa é que o volume perca um pouco do ímpeto em 2016, mas continue cobrindo integralmente o déficit em conta corrente, com possível manutenção da composição surpreendentemente mais benigna desse tipo de recurso. O boletim Focus de janeiro de 2015 previa déficit externo de US$ 77 bilhões em 2015, coberto parcialmente por investimento direto de US$ 60 bilhões.
Um ano depois, a desvalorização de quase 50% do real e o tombo de 25% nas importações deixaram o déficit externo US$ 20 bilhões abaixo do previsto – US$ 58,9 bilhões, o menor em cinco anos. E coberto integralmente por um Investimento Direto no País (IDP) que chegou a US$ 75 bilhões, US$ 15 bilhões acima do projetado.
A tendência é que a queda do déficit externo se aprofunde, puxada por nova rodada de queda da demanda doméstica e alta do dólar. A equipe da Mapfre Investimentos projeta déficit externo de US$ 40 bilhões em 2016, um pouco abaixo dos US$ 41 bilhões previstos pela autoridade monetária. A Mapfre, no entanto, está na ponta mais conservadora do mercado. Para Carolina Sato, economista da MCM Consultores, o déficit deve ficar em US$ 29,8 bilhões neste ano, ou 2% do PIB, com IDP de US$ 53 bilhões. O Goldman Sachs fala em déficit de 1,6% do PIB em 2016.
Mas cresce o grupo dos que esperam déficit zero já em 2016, algo que, segundo a metodologia antiga do BC – a nova por enquanto retrocede apenas até 2010 -, não ocorria desde 2007. O Banco Brasil Plural vê déficit de US$ 11,7 bilhões neste ano, 0,8% do PIB, levado por uma queda de 2,6% da atividade e dólar a R$ 4,30 no fim do período. “Como são claros os riscos negativos para a atividade, é possível ver esse déficit próximo de zero já em 2016”, diz Rafael Ihara, economista do banco.
Segundo Ihara, é normal que, em momentos de ajuste externo, se tenha tanto correção da taxa de câmbio quanto redução da demanda doméstica. “O que ocorre é que, no Brasil, a redução da demanda doméstica foi muito forte, daí o ajuste rápido, que não parece saudável”, diz.
Nas contas do Credit Suisse, o déficit externo vai a zero em 2016, levado por uma taxa de câmbio de R$ 4,70 ao fim do período e balança comercial de US$ 50 bilhões. Em 2017, a equipe liderada por Nilson Teixeira já prevê um superávit em conta corrente de US$ 10 bilhões, ou algo como 0,7% do PIB.
O Bradesco também avalia que o cenário atual deixará o saldo em conta corrente como proporção do PIB próximo de zero em 2016. A análise, porém, baseia-se na metodologia antiga, abordagem mais relevante, segundo a equipe, para o conceito de fluxo cambial.
Além de mais baixo, o déficit externo contou com financiamento integral e, segundo a abertura dos dados, de maior qualidade também. Entre 2014 e 2015, é possível identificar um forte aumento da fatia dos investimentos feitos via participação de capital – de 59,7% para 75% -, a principal modalidade a indicar o interesse externo em projetos de longo prazo no país. Já a fatia dos empréstimos intercompanhia – o capital transferido da matriz para a filial no Brasil, sem garantias de que se destinará ao investimento produtivo – caiu de 40,3% em 2014 para 25% em 2015.
Outro ponto positivo é que o investimento direto via participação no capital trouxe mudanças setoriais importantes. A principal delas é a volta do interesse na indústria: o ingresso de capital para esse setor subiu 24% para US$ 20,9 bilhões. Na outra ponta, o setor de serviços perdeu atratividade, com queda de 15% sobre 2014.
Dentro dos setores, também há mudanças relevantes. O segmento de saúde recebeu US$ 1,338 bilhão, reflexo da mudança na legislação, que abriu a participação do investidor estrangeiro em hospitais e clínicas, entre outros. Antes, esse segmento nem aparecia separadamente nas estatísticas do Banco Central. Se o interesse foi forte em saúde, diminuiu em segmentos ligados à infraestrutura, como transporte, logística e construção de edifícios.
No setor de serviços, contudo, a maior diferença foi explicada pela redução do ingresso em serviços financeiros. Em 2014, essa área recebeu investimento direto de US$ 4,4 bilhões, valor que caiu para US$ 1,4 bilhão no ano passado. O valor do ano passado foi muito inferior à média dos quatro anos anteriores, de US$ 3,9 bilhões.
Pelo lado da indústria, o destaque é o setor automotivo, cujo ingresso somou US$ 4,5 bilhões, 55% acima de 2014 e bastante acima da média dos quatro anos anteriores, que foi de US$ 1,8 bilhão. Na ponta inversa, o setor de metalurgia foi o destaque negativo: ingressaram apenas US$ 870 milhões, valor 63% inferior ao de 2014 e muito abaixo da média de US$ 4,1 bilhões dos quatro anos anteriores.
Luis Afonso Lima, economista-chefe da Mapfre, diz que o aumento da participação de capital é um bom sinal, especialmente de que há empresas novas interessadas no país. “No caso da indústria, vemos que aos poucos podemos ter uma mudança de perfil do investimento direto, de setores de serviços, que exploram apenas a demanda interna, para setores industriais, que podem ser voltados para exportações, como o setor automotivo. Isso bom”.
Valor Econômico – SP