Fazer a inflação convergir para a meta é fundamental, mas não a qualquer custo. Para um grupo de economistas ‘dissidentes’, mas muitos de perfil bastante ortodoxo, o Banco Central deveria pensar duas vezes antes de elevar a taxa Selic na reunião da próxima semana, pois novas doses de juros podem significar mais recessão, com respingos inclusive em 2017. E já há quem tenha revisado para baixo as projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) do próximo ano em razão disso.
Na ponta do lápis, cada aumento de 100 pontos-base na Selic retira 0,5 ponto do PIB, pelas contas da consultoria MCM. Isso num cenário em que os economistas já calculam contração de quase 7% da atividade, se considerado o biênio 2015- 2016. Uma recessão puxada pela forte queda da demanda doméstica (ver gráfico), o que joga mais dúvidas sobre a eficácia de novo ciclo de alta.
O custo de elevar a Selic no momento é alto, e o benefício, pequeno, diz o economista-chefe do Banco Fibra, Cristiano Oliveira. Para 2016, ele estima queda de 3,1% para o PIB, com contração bem mais forte, de 4,8%, da absorção doméstica. “O custo em termos de produto de um ciclo como está precificado na curva de juros é muito grande e o benefício marginal, muito pequeno, já que a desaceleração da taxa de inflação já está contratada”, diz.
Devido ao reajuste da tarifa de ônibus em várias capitais, Oliveira revisou a projeção de inflação em 2016, de 6,45% para 6,7%. Para 2017, porém, vê a inflação em 4,5% e faz um alerta: o hiato do produto – o limite para a economia crescer sem acelerar a inflação – já se encontra em terreno “francamente” desinflacionário, o que eleva a probabilidade de o IPCA de 2017 ficar abaixo do centro da meta.
Para José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre-FGV, fica difícil justificar forte ciclo adicional de aperto monetário com queda esperada para o PIB. Segundo o ex-diretor do BC, o espírito do regime de metas implica hierarquia de objetivos e atingir a meta de inflação tem prioridade. “Mas quando se percebe que cumprir a meta em determinado horizonte de tempo acarretaria custo recessivo muito elevado, o cumprimento deve ser postergado”, afirma ele no boletim Ibre.
O BC vai elevar a Selic em 0,5 ponto percentual na próxima reunião, repetindo a dose em março, mas não deveria porque a composição da inflação de 7,4% esperada para 2016 – explicada por alta acima da meta de preços administrados e depreciação adicional do câmbio -, não é relacionada a pressões de demanda, diz Leandro Padulla, da MCM. Em seus cálculos, a alta da Selic para 15,25% ao ano vai tirar 0,5 ponto do PIB de 2016, para o qual prevê queda de 2,7%.
A retomada do ciclo de aperto monetário previsto para este ano foi uma das razões que levaram a MCM a cortar a estimativa para a expansão do PIB em 2017, de alta de 1% para 0,5%, dado que as mudanças na política monetária têm efeito defasado sobre a atividade.
Para Padulla, a preocupação com a deterioração das expectativas inflacionárias para este ano é o principal fator que explica a postura austera do BC. O economista, no entanto, avalia que o aperto necessário na Selic para trazer o IPCA abaixo dos 6,5% seria expressivo, superior a 100 pontos-base, e esse esforço não valeria a pena levando em conta o impacto sobre nível de atividade econômica. Mesmo pensando em 2017, não haveria por que subir os juros, diz Padulla. “As projeções do BC mostram que a inflação terminará 2017 em 4,8%, patamar bem próximo da meta.”
Mas há quem discorde. Flavio Serrano, economista-sênior do Haitong, diz que a estratégia sinalizada pelo BC, de voltar a subir juros, é correta diante da deterioração das expectativas de inflação para este ano. “A piora das estimativas para o IPCA trabalha contra o BC, embora a política monetária não seja a causa dessa deterioração, que está relacionada com a desvalorização do câmbio e as dificuldades na área fiscal”, diz.
Oliveira, do Fibra, avalia não ser correto falar em “acerto” ou “erro” na decisão do BC. Segundo ele, o BC está olhando para os riscos associados à trajetória da convergência da inflação e está correto em fazer isso. “É usual que os bancos centrais monitorem o balanço de riscos e trabalhem a fim de minimizar o desvio da inflação projetada com relação à meta para a inflação”. Já Senna, do Ibre, diz que somente será possível conduzir a política monetária “de acordo com o figurino” depois de solucionada a crise política e de sinais concretos de ajuste fiscal, capaz de promover o resgate da confiança. Nesse meio tempo, diz, na hipótese de o BC optar por um ou mais ajustes da Selic, “é pouquíssimo provável que procurará ir além do restabelecimento do juro real (8%) a que se chegou em julho passado”. (Colaborou Tainara Machado, de São Paulo)
Valor Econômico – SP