O aumento do desemprego e a queda nos rendimentos dos brasileiros já mostram efeito sobre o processo de mobilidade social em curso no país de meados de 2004 até 2014. A economista do Bradesco Ana Maria Barufi, com base nos dados de renda da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), calcula que, entre janeiro e novembro do ano passado, a participação da classe C na pirâmide social brasileira caiu dois pontos percentuais, passando de 56,6% para 54,6%. Com 3,7 milhões de pessoas a menos, o grupo passou a somar 103,6 milhões.
Uma parcela dessa queda alimentou as classes D e E, cuja participação avançou de 16,1% para 18,9% e de 15,5% para 16,1% no período. Com o agravamento e o alongamento da crise, não está descartada a possibilidade de a classe C voltar a responder por menos de 50% do total da população do país – nível semelhante ao registrado em 2010.
O levantamento tem como base os cortes de renda estabelecidos pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), atualizados para valores de 2015. Assim, a classe C compreende as famílias com renda mensal entre R$ 1.646 e R$ 6.585, a classe D, de R$ 995 a R$ 1.646 e a classe E, até R$ 995. A distribuição percentual das faixas, por sua vez, é feita sobre a média móvel em 12 meses do contingente populacional.
“O problema é que não se vê reversão dessa tendência [no curto prazo]”, afirma Ana Maria, ressaltando o cenário de aprofundamento do desemprego esperado para 2016. As recessões afetam mais rapidamente e de forma mais intensa as classes mais baixas, ela pondera, já que as vagas que demandam menor qualificação são as primeiras a serem cortadas em períodos de ajuste.
No caso do Brasil, a inflação mais alta, superior a 10% no acumulado em 12 meses, é um agravante nesse sentido, pois penaliza mais essa fatia da população, que tem parte expressiva do orçamento doméstico comprometida com gastos básicos – alimentação, energia e transporte. Dentro desse panorama, avalia a economista, é bastante provável que a desigualdade de renda aumente no país nos próximos anos – movimento que ainda não aparece nos dados oficiais mais recentes, da Pnad de 2014.
“O nível de consumo atrofiado sinaliza que essa mobilidade ‘para baixo’ está em curso”, concorda o assessor econômico da FecomercioSP, Altamiro Carvalho. Pesquisa feita em setembro pela entidade com base nos dados de inflação e da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) mostrou que 1,2 milhão de famílias caíram de classe social na primeira metade de 2015. “De lá para cá, o ritmo de queda da renda só aumentou e os preços subiram ainda mais”.
Para Mauricio Prado, sócio-diretor do instituto Plano CDE, dedicado a pesquisas relacionadas à base da pirâmide, a classe C não deve sofrer grande variação numérica até o fim deste período recessivo. Seu perfil, entretanto, tende a mudar nos próximos anos, ele diz, diante da expectativa de que parte das famílias volte às classes D e E e que uma fatia das faixas de mais alta renda compensem parte dessa migração, passando à classe C.
As conquistas sociais dos últimos dez anos, ele defende, forjaram uma classe C “menos vulnerável”, que deve reagir a esta crise de uma forma diferente às anteriores. Parte dos bens de consumo adquiridos nos últimos anos, por exemplo, devem ser usados como geradores de renda extra. Um pesquisa feita pela consultoria no ano passado com 120 famílias apontou que 40% delas usavam os eletrodomésticos com esse fim.
O maior acesso à internet, por sua vez, pode virar um instrumento mais eficiente para fazer pesquisas de preço ou para se comunicar com os clientes. “A classe C também está mais escolarizada”, completa.
Os cortes que essa população fará no orçamento, por sua vez, serão baseados em uma “decisão de ‘trade off’ mais sofisticada”. As pesquisas mais recentes da Plano CDE mostram, por exemplo, que muitas famílias preferiram abrir mão de itens do supermercado a cancelar o plano de internet. “Os serviços passam a competir com os bens de consumo”, acrescenta.
Valor Econômico – SP