15/12/2015 às 05h00 Por Leslie Hook | Financial Times, de Tracy (EUA) O centro de distribuição da Amazon em Tracy, na Califórnia, se parece mais com a fábrica de chocolates de Willy Wonka do que com um depósito tradicional. Itens passam zunindo em esteiras e são direcionados a rampas por mãos robóticas. Braços mecânicos colam os rótulos para remessa, enquanto milhares de robôs “Kiva”, laranjas, movimentamse para pegar pilhas de itens assim que são encomendados. A tecnologia dentro dos centros de distribuição da Amazon há muito é uma das vantagens fundamentais do grupo, que construiu mais de 120 armazéns gigantes pelo mundo. Eles representam um “fosso” tecnológico que há anos ajuda a manter afastados os aspirantes a concorrentes da Amazon, como Walmart e Target. Agora, a Amazon direcionou sua mira para um novo objetivo: levar sua tecnologia logística além dos centros de distribuição, diretamente para a porta dos clientes, já que a empresa passou a empenharse em realizar entregas no mesmo dia dos pedidos ou até na mesma hora. A Amazon vem investindo pesadamente na logística necessária para melhorar toda sua cadeia de entregas. Comprou seus próprios caminhões com carretas, contratou trabalhadores de entregas que trabalham de acordo com os pedidos e construiu um novo tipo de centro de entrega com tecnologias mantidas em segredo em grandes cidades, como Seattle e Nova York. Analistas acreditam que as entregas em domicílio podem ser o próximo segmento a ser sacudido pela Amazon, da mesma forma que fez com os serviços de computação em nuvem ao lançar a Amazon Web Services. “Se você vai ter toda essa infraestrutura, o próximo passo lógico é [perguntarse] por que não abrir isso para concorrer com redes de logística como FedEx e UPS “, diz Scot Wingo, presidente executivo da ChannelAdvisor, que fornece programas de computador para varejistas que usam a Amazon e a eBay. “Acredito totalmente que isso é algo que eles poderiam ir atrás e ser bemsucedidos”. Os custos da Amazon com remessas aumentaram nos últimos anos, com as perdas relacionadas tendo chegado a mais de US$ 1,2 bilhão no terceiro trimestre. O custo de levar pacotes para a porta dos consumidores aumentou em relação à receita e chegou a 12% das vendas líquidas no terceiro trimestre. Analistas dizem que o grupo vem experimentando fazer mais entregas com a própria rede em vez de usar serviços postais e empresas de entregas de encomendas como possível forma de reduzir os custos ao longo do tempo. Um pilar essencial da expansão é o serviço de entrega da Amazon em uma ou duas horas, chamado Prime Now. Lançado há um ano, a Amazon levou o serviço rápido a mais de 20 cidades, como Londres e Milão. Ao longo desse processo, contribuiu para desencadear o que ficou conhecido como “a guerra das entregas”, já que outras varejistas, como a britânica Argos, empenharamse em entrar na competição. Para possibilitar o serviço, a Amazon abriu mais de 20 centros de distribuição Prime Now dentro dessas cidades e, algum dia, poderia usar drones para entregas rápidas, se conseguir aprovação das autoridades reguladoras. “Eles estão realmente se equipando para ter uma rede de logística de alta velocidade, com alta capacidade de reação, para atender sua base de clientes”, diz Marc Wulfraat, presidente da MWPLV, uma firma de consultoria especializada em cadeias de abastecimento. “Eles vêm fazendo isso muito sigilosamente, realmente não querem que ninguém saiba o endereço ou local onde estão se posicionando.” Pelas suas contas, foram construídos 29 novos centros Prime Now nos últimos 12 meses. Tradicionalmente, a Amazon recorria a terceiros, como a UPS, FedEx e os correios dos Estados Unidos, para a última fase do processo de entrega: levar os pacotes à porta do consumidor. Para o serviço Prime Now, porém a Amazon contratou motoristas em mais de dez cidades, que usam seus próprios veículos e trabalham em horários flexíveis, de forma parecida ao que seria um motorista do aplicativo Uber. Os trabalhadores do programa, chamado “Amazon Flex”, recebem boa parte de seu pagamento em gorjetas que os clientes podem programar no aplicativo Prime Now. A Amazon não quis informar se essa investida em logística poderia substituir seus atuais parceiros nas remessas. “Nós usamos e vamos continuar a usar muitos parceiros [de entregas] diferentes, que fazem um ótimo trabalho”, disse Craig Berman, portavoz da Amazon. “Eles trabalham muito arduamente, especialmente nesta época do ano, e somos muitos gratos pelo trabalho que eles fazem.” A Amazon começou a mudar sua estratégia de entregas depois do inverno americano de 2013, quando o aumento de encomendas logo antes do Natal, combinado a fortes tempestades de inverno, provocou atrasos nos serviços de UPS e FedEx. Alguns pacotes foram entregues apenas depois do Natal. A Amazon reagiu aumentando sua dependência em relação ao serviço postal dos Estados Unidos, que atualmente cuida da maior parte das entregas da Amazon. “Em 2014, vimos esse grande afastamento em relação à UPS e FedEx, o que realmente teve impacto”, diz Wulfraat. Ele estima que cerca de 4% do volume total da UPS referese à Amazon. A jogada da Amazon para manter sua infraestrutura mais próxima dos clientes também está relacionada à mudança gradual das regras tributárias dos EUA. Quando a Amazon primeiro começou a vender livros, a maioria dos Estados americanos não recolhia impostos sobre itens que eram remetidos de outro Estado, o que levou a empresa a construir depósitos gigantes em Estados sem impostos sobre as vendas ou que fossem muito baixos. As regras, em grande medida, mudaram. Cerca de metade dos Estados americanos agora recolhe imposto sobre as vendas com base no endereço de entrega, o que acaba com a vantagem de ter um depósito fora do Estado. A Amazon vem construindo uma nova rede de centros de distribuição de tamanho médio, os “centros de triagem”, que funcionam como um armazém intermediário entre os megadepósitos e as agências locais dos correios. Na semana passada, a companhia anunciou a compra de uma frota de milhares de caminhões, com o logotipo da Amazon, para transportar bens dos centros de distribuição para os centros de triagem. O investimento evidencia como a Amazon passou a exercer mais controle sobre seu processo de entrega, tanto por meio dos centros Prime Now quanto dos centros de triagem. Analistas mostramse céticos de que a demanda dos clientes venha a sustentar o alto custo das remessas rápidas. “Os clientes vão dizer: receber a entrega grátis é mais importante que recebê la rápido”, diz Satish Jindel, da SJ Consulting, uma firma de consultoria especializada em logística. Para ele, o verdadeiro objetivo da Amazon é aumentar seu poder de negociação sobre as empresas de entrega que contrata e testar se é capaz replicar esses serviços internamente, de forma mais barata. A temporada de festas de fim de ano que se aproxima o quarto trimestre é sempre o mais movimentado da Amazon deverá ser um grande teste para o serviço Prime Now, tanto em termos de demanda quanto em termos da cadeia logística. O domínio da Amazon nas compras com entregas rápidas também enfrenta uma turma cada vez maior de concorrentes, desde o Google Shopping Express, que entrega itens de uso doméstico no dia seguinte ao pedido, até o UberRush, que oferece serviços rápidos para certos produtos de varejo. A Amazon não revela o volume de vendas do Prime Now ou o custo de sua nova rede de entrega rápida. “Os clientes adoram o Prime Now”, diz o portavoz Berman. “Vamos continuar agregando opções a ele. Vai ser interessante ver até onde vai isso.”
Valor Econômico – SP