04/12/2015 às 05h00
Por Katia Simões | Para o Valor, de São Paulo
Em 1990, quando os primeiros movimentos do Mercosul começavam a se consolidar, a Localiza, já na época maior rede de locação de automóveis do país, decidiu marcar território. Começou pela vizinha Argentina, em sociedade com um operador local. O objetivo era conhecer de perto o mercado antes de abrir franquias. Lição aprendida, a rede partiu para novos endereços chegando ao Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia.
Hoje, são 67 franquias na América Latina, sendo 26 na Argentina e 16 na Colômbia. “Nossa proposta era ser líder na América do Sul, ocupando um espaço que as grandes marcas internacionais, sobretudo as americanas, ainda não tinham dado atenção”, diz Bruno Andrade, diretor executivo de franchising da Localiza. “Apesar de o Mercosul não ter se firmado, nossa estratégia deu certo, somos líderes na maioria dos países onde atuamos.”
A receita adotada pela Localiza foi a de ter um único franqueado por país, o qual tem a chance de abrir quantas lojas o mercado comportar. Com isso, a franqueadora consegue controlar melhor a operação a partir do Brasil. Este é, segundo André Friedheim, diretor internacional da Associação Brasileira de Franchising (ABF), o modelo mais usado pelas redes brasileiras, que já somam 89 marcas na América Latina e 359 unidades, destas 222 só na Argentina.
“A proximidade geográfica, um certo domínio do idioma e hábitos de consumo similares atraem as franquias brasileiras”, afirma o executivo.
“Todavia, os territórios são pequenos quando comparados ao Brasil e a expansão para a América Latina só vale a pena quando o bloco é visto e trabalhado como um todo, para ganhar escala, apesar das diferenças locais”.
Embora a vizinhança seja um atrativo forte, quem opera nestes países há mais de uma década sabe muito bem que as diferenças são muitas e não podem ser ignoradas. “No início, achamos que tudo era muito parecido, mas logo descobrimos que não”, diz Andrade, da Localiza. “Hoje, na franqueadora, todos falam espanhol. Para conversar com bancos, assinar contratos, negociar com advogados, é preciso dominar a fundo o idioma, o que, aliás, impõe mais respeito”.
Outro ponto lembrado são as culturas locais. Enquanto no Brasil as atendentes da locadora usam uniforme, cabelo preso e batom vermelho, na Argentina, o cabelo é solto, a sombra nos olhos é indispensável e a boca carmim não é bem-vinda.
“Tivemos de nos adaptar a oito ambientes fiscais e tributários diferentes e também programar nossos softwares para rodar em dois idiomas, com legislações especificas e moedas diferentes”, conta Andrade. “A comunicação, embora seja desenvolvida a partir do Brasil, também é desenhada sob medida para cada mercado.”
De acordo com Livia Barakat, gerente de projetos internacionais da Fundação Dom Cabral, há uma percepção subjetiva de que começar a internacionalização pela vizinhança será mais fácil. “Mas nem sempre essa percepção se verifica na prática, já que cada país tem suas próprias regras para fazer negócios”, afirma. “Muitas empresas brasileiras acabam negligenciando isso, o que acarreta dificuldades para a expansão.” Outro desafio, na visão de Livia, é a manutenção do DNA da marca quando é necessário adaptar produtos e serviços às realidades locais. “Construir uma marca forte no exterior exige muito trabalho, bom conhecimento do mercado e um planejamento estratégico de onde a rede quer chegar e como fará para concretizar seus objetivos”.
Presente em nove países, a Chilli Beans sabe na prática o tamanho do desafio de expandir a marca em mercados de culturas tão diversas, como América Latina, Estados Unidos, Emirados Árabes e Portugal. “Na América do Sul, o primeiro ponto de venda foi aberto em 2011, na Colômbia, onde hoje temos duas lojas, uma store in store, e seis quiosques”, afirma Caíto Maia, o criador da Chilli Beans. A rede conta, ainda, com seis quiosques no México, nove pontos de venda no Peru e, até o final do ano, abrirá a primeira unidade no Chile.
De acordo com o ranking FDC das multinacionais brasileiras 2015, mais de 64% das redes de franquias brasileiras escolhem a América do Sul para iniciar seu processo de internacionalização. Um volume que tende a crescer ainda mais com a instabilidade econômica brasileira, segundo os estudiosos.
“A Colômbia tem registrado um grande crescimento, assim como o Chile e a Bolívia”, afirma Lívia, lembrando que quando se trata de América Latina, o México e o Panamá também surgem como mercados atraentes para as redes brasileiras. Endereços que gigantes do segmento de franchising, como O Boticário, Hering e Carmen Steffens já exploram há um bom tempo.
“Contamos com 17 franquias internacionais, todas na América Latina”, afirma Ronaldo Loos, diretor comercial da Cia Hering. “São oito unidades no Uruguai, seis no Paraguai e três na Bolívia, que contam com a mesma agilidade logística e o mesmo custo-benefício das operações nacionais”. No terceiro trimestre deste ano, o faturamento da rede Hering Store no mercado externo foi de R$ 8,8 milhões, 12,8% maior em relação ao mesmo período de 2014.
Valor Econômico – SP