26/10/2015 | 14:07
Por Wharton
Ao apresentar sua mais recente rodada de lançamentos, a Apple sinalizou a direção em que deverá seguir. A empresa espera atrair a família para a sala de estar, colocá-la diante da tevê e proporcionar a ela jogos e entretenimento. A ideia é subverter a indústria da televisão com o desenvolvimento de aplicativos por terceiros; atrair os usuários corporativos e abocanhar uma fatia dos mercados de laptop com tablets mais modernos, bem como conquistar os usuários de telefones tirando-os das operadoras tradicionais. Contudo, a empresa não conseguiu ainda desenvolver um ecossistema de privacidade total e de fornecedores baratos no mundo todo.
Durante o anúncio, a empresa ressaltou que a nova Apple TV dispõe de aplicativos que permitem acessar a Netflix, Hulu e iTunes e possibilita assinar diretamente a HBO e o Showtime sem que o usuário tenha de recorrer ao serviço das operadoras de cabo e de satélite. O equipamento tem recursos básicos para jogos e para pesquisa avançada; o Siri, serviço de voz da empresa agora em versão atualizada, permite ao usuário escolher o filme de sua preferência e lhe dá a possibilidade de adiantá-lo ou voltá-lo. A Apple também está disponibilizando sua plataforma de tevê e seus sistema operacional tvOS a desenvolvedores terceirizados. Isto significa que haverá mais jogos e aplicativos de vídeos a caminho.
De acordo com Jerry (Yoram) Wind, professor de marketing da Wharton, a Apple é líder em subverter as coisas ? a empresa tomou de assalto a indústria da música, dos computadores e da telefonia. Wind é também diretor do Centro SEI de Estudos Avançados em Administração. Para ele, foi uma decisão brilhante de inovação aberta por parte da empresa trabalhar com desenvolvedores terceirizados de aplicativos. A Apple TV é, de longe, a tecnologia mais interessante introduzida pela empresa, constata Richard Dasher, diretor do Centro de Administração de Tecnologia EUA-Ásia da Universidade de Stanford. Com aplicativos de desenvolvedores terceirizados, a Apple poderia administrar cuidadosamente o crescimento de um ecossistema em que a tevê seria o ponto de acesso para a Internet doméstica, acrescentou. Esse ecossistema provavelmente controlará a maior parte das coisas em nossa casa e poderá nos acompanhar onde quer que estejamos.
Já faz algum tempo que a Apple se dedica ao ecossistema, e não ao hardware, lembra Eric K. Clemons, professor de operações, informações e de tomadas de decisões da Wharton. Não acredito que o iPad, a nova TV ou o novo relógio possam mudar o jogo por conta própria. Contudo, é possível que a Apple TV se integre tão bem ao iPad ou ao laptop que deflagre um novo sistema em que nossos vídeos pessoais e todo tipo de conteúdo da Web sejam igualmente acessíveis no aparelho de tevê, bem como os canais públicos e premium pelos quais estejamos disposto a pagar, acrescenta Clemons.
O aspecto mais fascinante dos últimos lançamentos da Apple é aquilo que eles sinalizam em relação ao futuro, revela Hayley Tsukayama, repórter de tecnologia do Washington Post. Entre outras coisas, por exemplo, a empresa mostrou de que modo poderá impulsionar sua oferta de tevê. Estamos esperando que a Apple anuncie seu serviço de streaming de vídeo, cercado de tantos rumores, e que a empresa faça pela tevê o que fez pela música, antevê Tsukayama.
Subvertendo modelos de preços
Para Dasher, a Apple TV poderá subverter a estrutura de preços do setor. O sistema de pagamento pelo serviço de tevê e a necessidade de assinar canais premium etc. provavelmente vão acabar. Essa nova televisão vai ajudar nisso, prognostica. Dasher acrescenta que muitos consumidores jovens são seletivos naquilo que veem e assistem a shows de tevê mediante solicitação. A Apple TV dá um passo além. Temos aí uma grande empresa que se desloca com cautela em direção à próxima geração de indivíduos que interagem de forma ininterrupta e transparente com a tecnologia da informação a que têm acesso, observa Dasher.
Tsukayama ressalta que embora a Apple sempre tenha controlado o hardware e o software de seus produtos, seu último salto de conteúdo é uma novidade que vale a pena acompanhar. Uma incursão nos serviços de streaming de vídeo também abrirá outras fontes de receitas. O streaming de vídeo via Internet já começa a prejudicar a publicidade na tevê. Parece que a Apple quer estar na vanguarda desse processo, diz Tsukayama. De acordo com Dasher, o maior desafio da Apple nesse sentido consiste em fechar acordos com os provedores de conteúdo, já que as ofertas atuais são limitadas. Contudo, a plataforma tvOS ajudará a empresa a proteger de riscos a Apple TV, posicionando-a também como equipamento para jogos desenvolvidos por terceiros. O negócio de jogos é enorme, disse Wind. Com a inovação aberta nessa área, a Apple subverterá mais uma vez a ordem vigente.
Dispensando as operadoras
Outro possível fator de mudança foi o anúncio da Apple de um programa de atualização do iPhone que permite ao usuário obter novos modelos todo ano, dispensando a intermediação de operadoras como AT&T e Verizon. Com planos parcelados de pagamento a partir de US$ 32 ao mês, o usuário recebe um aparelho desbloqueado, atualizações anuais e a possibilidade de escolher a operadora que desejar. As operadoras, via de regra, oferecem dois planos anuais para os aparelhos com os quais trabalham, o que dificulta a troca de aparelho pelo usuário anualmente. A Apple está agora aprofundando e alavancando sua relação com o consumidor que não gosta da operadora que utiliza, disse Wind. Foi uma decisão importante e que está de acordo com a estratégia da empresa de inovar e de subverter a ordem. Tsukayama salientou que muita gente não gosta da operadora que usa, portanto é possível que decidam trabalhar com a Apple.
Com o plano de atualização do iPhone, a Apple está migrando para um modelo de negócios baseado em serviços. As operadoras sempre ofereceram planos de atualização, mas agora que a Apple decidiu fazê-lo, a empresa assume um controle maior do negócio em detrimento das operadoras. Isso é novidade em se tratando de um fabricante de telefones. Veremos daqui a seis meses se a coisa decola, acrescenta Dasher.
Negócios no tablet
O outro grande lançamento da Apple ? o iPad Pro ? é o principal acontecimento fora a Apple TV. Isso pode mudar muito a forma de expansão do mercado de tablets ao atrair os usuários comerciais do aparelho. O iPad Pro tem uma tela maior do que muitos laptops. Também é mais leve e sua bateria dura dez horas. O reposicionamento do iPad Pro para atrair as empresas e os usuários de laptops faz sentido porque tudo está convergindo. No evento de lançamento, a Apple convidou executivos da Microsoft e da Adobe para que demonstrassem o funcionamento do MS Office e outros softwares relacionados ao iPad Pro. O equipamento vem com uma caneta, a Apple Pencil, e um conector para teclado ? neste último item a empresa segue os passos do Surface da Microsoft.
Seria interessante ver se o iPad Pro vai substituir o laptop, opina Dasher. Ele lembrou que muitos dos que compraram a primeira geração de iPads ficaram desapontados porque eles não tinham a funcionalidade dos laptops. Tsukayama recorda que Tim Cook, CEO da Apple, vem trabalhando para tornar o tablet um aparelho mais empresarial, mais adequado aos negócios. Ela citou em seguida a parceria da empresa com a IBM e com a Cisco para o desenvolvimento desse tipo de uso.
O poder do grande
Só uma empresa grande como a Apple poderia levar a cabo todas essas experiências. Há uma ênfase agora na inovação das start-ups, mas é preciso uma potência como a Apple para saber comunicar conteúdo e serviços, além de uma variedade de hardware e de conseguir conectar todos eles. A cola que mantém juntas todas essas partes produzirá seu valor agregado, assinala Dasher. Na visão dele, o Google é outra empresa capaz de executar estratégias similares.
A Apple e outros membros do grupo conhecido como AGFA (Apple, Google, Facebook e Amazon) têm reservas elevadas de moedas que poderiam usar para aquisições. De todas as empresas, a Apple é a que tem melhor histórico de inovação, acrescenta Wind. Ele disse que o Google pode dominar em mercados específicos ? por exemplo, o do carro que dispensa motorista. Contudo, a Apple vem conquistando um setor depois do outro de maneira sistemática ? computadores, telefones, jogos etc. ? providenciando o ecossistema de que o consumidor precisa, emenda Wind.
O futuro
O próximo ecossistema que interessa a Apple é o da privacidade total de que fala Tim Cook, disse Clemons referindo-se à entrevista que o executivo deu a Charlie Rosen no ano passado. Talvez muitos de nós deixemos o ecossistema do Google pelo ecossistema da Apple, se Cook se dedicar à privacidade completa, opina Clemons. Ele observa que muitos usuários estavam dispostos a pagar mais por um sistema operacional que fosse fácil de usar e garantido contra a maior parte dos hackers, mesmo que isso significasse abandonar o Windows da Microsoft. Estou esperando que Tim Cook introduza definitivamente o próximo ecossistema com 100% de privacidade. Isso mudaria tudo. Uma estratégia segura, garantida, privada e fácil de usar no segmento de computação faria com que todo o mundo mudasse de plataforma preferida, aposta Clemons.
A Apple também tem de lidar com mudanças, sobretudo porque seu domínio se dá em mercados ricos, lembra Wind. A nova tecnologia teria de provir de outro lugar, declara. Com sete bilhões de pessoas no mundo, quem sabe quais serão os desafios colocados por empresas chinesas e outras que dominam bilhões de consumidores? Eu, no lugar da Apple, não ficaria sentado esperando despreocupadamente, alerta Wind.
Revista Amanhã on-line – RS