15/10/2015 às 05h00
Por Eduardo Laguna | De São Bernardo do Campo
Apesar da crise que derrubou a demanda por caminhões ao pior nível em nove anos, a MercedesBenz, maior montadora de veículos comerciais do Brasil, reiterou ontem o plano de investir 500 milhões para “preparar” sua filial no país a uma aguardada recuperação do mercado no futuro ainda que o prazo dessa retomada seja incerto para os próprios executivos do grupo. “No passado, a economia brasileira trouxe resultados fantásticos. Vejo potencial no país porque o Brasil provou isso no passado. Estamos convencidos de que vai reagir”, disse Stefan Buchner, chefe global da divisão de caminhões da Mercedes, após participar de evento que apresentou a jornalistas os novos caminhões da marca nas linhas média, semipesada e extrapesada, que chegam junto com um aumento de 5% na tabela de preços da montadora. “Vemos um futuro brilhante nos próximos anos. Para mim, a recuperação do mercado é uma questão de tempo”, acrescentou o executivo, citando a pujança do agronegócio ao justificar sua expectativa. Ainda que não tenha se arriscado a projetar quando a indústria de veículos de carga sairá do atoleiro, as declarações de Buchner deram um tom otimista a um setor que tem convivido com notícias negativas há quase dois anos. Em 2015, as vendas de caminhões no Brasil caem 43,9%, levando a produção ao menor patamar em doze anos. Não muito diferente à média da concorrência, a Mercedes está vendendo 43% menos do que em 2014. Mesmo assim, diretores da montadora garantiram que a empresa não vai tirar o pé do acelerador na execução de projetos já aprovados. Pela cotação do euro na época em que os investimentos foram anunciados, a Mercedes tem, em reais, um orçamento de R$ 1,7 bilhão a desembolsar no negócio de caminhões e ônibus entre 2014 e 2018. Não entra na conta os R$ 500 milhões desembolsados na construção da fábrica que vai montar carros de luxo no interior paulista a partir de fevereiro. Parte desse investimento teve seus frutos revelados ontem, com o lançamento de novos caminhões. Em tempos de vacas magras, o evento foi realizado na fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, porque a montadora não quis gastar o dobro para apresentar os modelos durante a Fenatran, o principal evento do setor, que acontece no mês que vem no pavilhão de exposições do Anhembi, na zona norte da capital paulista. Mais do que desenvolver novos produtos, o programa contempla a reorganização das atividades das fábricas da Mercedes, na qual a produção do caminhão leve Accelo será transferida de Juiz de Fora, em Minas Gerais, para São Bernardo. A fábrica mineira, nessa reestruturação, passará a concentrar a produção das cabines de todos os modelos da montadora. Outra parcela significativa dos investimentos será destinada à modernização da fábrica do ABC. Ao alinhar a unidade ao padrão tecnológico das melhores fábricas da multinacional alemã no mundo, Buchner revelou que o objetivo é integrar o parque industrial paulista à rede global de produção de caminhões do grupo, a exemplo do que já acontece na fabricação de motores. A partir dessa estratégia, a produção brasileira teria condições, ao menos técnicas, de complementar operações da Mercedes na Europa, saindo do cerco da América do Sul, que absorve quase todas as exportações da filial brasileira. “Temos discutido intensamente como fazer isso com a equipe de gestores daqui”, disse o executivo ao falar com jornalistas. Philipp Schiemer, presidente da Mercedes no Brasil, vê risco de o setor não iniciar uma reação antes de 2018, mas diz que, a despeito da recessão, a montadora não vai abortar projetos já iniciados. “Projetos de fábricas ou novos produtos têm ciclo prolongado. Não se muda em um ano. Uma vez iniciado, não se pode parar”, afirmou o executivo, acrescentando que a decisão de investimento também se fundamenta em objetivos de longo prazo. “Olhamos para os próximos cinco anos e vemos quais são as necessidades”, disse Schiemer. A montadora já colocou em prática o recente acordo de adesão ao programa de proteção ao emprego (PPE), o que lhe permite parar as atividades no ABC, sem remunerar o dia de folga, uma vez por semana. A ferramenta, porém, não soluciona totalmente o problema de ociosidade da fábrica, que gira ao redor de 40%, enquanto o PPE acertado com os empregados prevê a redução da jornada de trabalho em até 20%. Schiemer disse ontem que, pelo ritmo atual, a produção no ABC precisa ser suspensa oito dias por mês, mais do que os quatro do PPE. A montadora, então, poderá ter de fazer paradas adicionais às previstas no programa, assumindo, contudo, nesse caso todo o custo das horas não trabalhadas. A Mercedes ainda não fechou a programação das férias de fim de ano, mas Schiemer adiantou que a montadora deverá fechar durante “boa parte” de dezembro. No ano passado, quando as vendas de caminhões já estavam em baixa, a companhia interrompeu a produção no ABC e em Juiz de Fora (MG) durante todo o mês de dezembro.
Valor Econômico – SP