14/10/2015 às 05h00
Por Tripp Mickle | The Wall Street Journal
A aquisição pendente da SABMiller pela Anheuser-Busch InBev por US$ 104,2 bilhões vai transformar a indústria global de cerveja e abrir caminho para um aumento nos preços da bebida no mundo todo.
É a quarta maior aquisição na história e a maior deste ano, segundo a provedora de dados Dealogic. O acordo daria à AB InBev uma presença dominante em vários continentes e a tornaria a maior cervejaria do mundo, com uma participação de mercado estimada em 28,4% depois dos desinvestimentos previstos - quase o triplo da fatia de sua concorrente mais próxima, a Heineken NV, segundo a Plato Logic, que acompanha o setor. A empresa combinada geraria uma receita anual de US$ 64 bilhões.
O negócio, que ainda requer a aprovação dos reguladores, resolveria os problemas mais prementes da AB InBev. Após anos de aquisições, a firma se vê às voltas com mercados em lento crescimento e volumes em queda. Nos Estados Unidos e no Brasil, que respondem por 50% das vendas da AB InBev, os volumes de cerveja da empresa recuaram 3,9% no primeiro semestre ante o mesmo período de 2014, para cerca de 94,5 milhões de hectolitros.
Analistas não esperam uma mudança nessa tendência no futuro. O consumo de cerveja nos mercados desenvolvidos vem diminuindo tanto que o setor global da bebida deve encolher 0,1% em 2015, a primeira contração anual nos últimos 30 anos, segundo a Plato Logic.
A maior parte do crescimento mundial virá da África, onde o volume deve subir estimados 2,6%. A SABMiller, que começou com o nome de Cervejarias Sul-Africanas, tem operações em todo o continente, o que vai permitir à AB InBev tirar proveito do alto crescimento da região. A SABMiller também dará à AB InBev acesso a mercados em rápida ascensão na América Latina, como Peru e Colômbia, que ajudaram a produzir um crescimento de 6% nos volumes da SABMiller no primeiro semestre em relação a um ano atrás.
O diretor-presidente da AB InBev, Carlos Brito, disse na semana passada que a África seria um importante motor de crescimento da empresa combinada. A cervejaria AB InBev, que já havia enviado funcionários ao continente para avaliar as oportunidades, vê o crescimento da classe média africana como uma chance de aumentar as vendas na região.
Esses novos pontos de distribuição reduziriam a dependência da AB InBev dos EUA, seu mercado mais lucrativo. A produção da empresa no país despencou 11%, para 111,5 milhões de hectolitros, desde que ela comprou a Anheuser-Busch, em 2008, segundo a Beer Marketer’s Insights. A cervejaria também não conseguiu reviver as vendas da marca Budweiser, em queda há 20 anos, enquanto as da Bud Light, a cerveja mais popular dos EUA, também estão despencando.
A aquisição da SABMiller também ajudaria a AB InBev a reduzir sua dependência do negócio de cerveja ao adicionar as operações de refrigerantes da rival britânica na América Latina e na África. A SABMiller fabrica produtos da Coca-Cola Co. em pelo menos 25 mercados.
Carlos Laboy, analista do HSBC, diz que os danos sofridos pela Budweiser e a Bud Light são irreversíveis. Por outro lado, diz ele, “a África e a América Latina estão pegando fogo”.
A aquisição tem potencial de gerar várias dores de cabeça. A AB InBev, que tem 45% do mercado americano, vai ter que vender a participação da SABMiller na MillerCoors LLC, uma joint venture com a Molson Coors Brewing Co.
Na última vez que vendeu um ativo nos EUA, a AB InBev acabou criando uma nova rival, a Constellation Brands Inc. Em 2013, para que os reguladores aprovassem sua aquisição da mexicana Grupo Modelo por US$ 20,1 bilhões, a AB InBev vendeu à Constellation uma cervejaria mexicana e o direito de comercializar marcas como Corona e Modelo Especial nos EUA. O negócio permitiu à AB InBev assumir as operações do Grupo Modelo no México, mas o sucesso da Constellation com a Corona e a Modelo Especial prejudicou as vendas da Budweiser e Bud Light.
A Molson Coors, que tem 42% da MillerCoors LLC, deve se beneficiar da fusão da AB InBev com a SABMiller. Ela tem o direito a comprar imediatamente 8% da MillerCoors e o direito de primeira e última recusa sobre os outros 50% que pertencem à SABMiller. Ontem, a cotação das ações da Molson Coors saltou 9,9%, para US$ 86,58, na Bolsa de Nova York.
Analistas também esperam que a AB InBev, que tem estimados 14% do mercado chinês, venda a participação da SABMiller na China Resources Enterprise Ltd. A joint venture com o governo da China tem uma fatia de 23% do mercado local e é dona da Snow, a cerveja mais vendida no país. A venda da participação poderia criar uma oportunidade para a Heineken, a Carlsberg A/S ou a Kirin Holdings Ltd. aumentarem sua presença na China.
O tamanho colossal da AB InBev deve ampliar sua capacidade de negociar preços mais baixos para os ingredientes da cerveja, como grãos e lúpulo, tornando suas margens maiores que a de outras cervejarias. Mas rivais como a Heineken serão mais ágeis num mercado dinâmico e pequenas o suficiente para que seu lucro se beneficie de aquisições de marcas artesanais, diz Caroline Levy, analista da corretora CLSA.
O negócio poderia acarretar preços mais altos da cerveja para consumidores no mundo todo. A AB InBev costuma usar aquisições para melhorar sua lucratividade ao cortar custos e atrair os consumidores para as marcas mais caras. Levy diz que a AB InBev comprou cervejarias regionais na China, eliminou as marcas locais e empurrou os consumidores para a Budweiser e a sua própria cerveja chinesa, a Harbin, que é mais cara. A estratégia da AB InBev se baseia em “tentar mover todo mundo para cima na cadeia de valor”, diz Levy.
A aquisição da SABMiller traria uma cultura radicalmente diferente para a empresa. A AB InBev implanta rapidamente sua cultura nas empresas que adquire. Ela eliminou 1.400 empregos na Anheuser-Busch, ou 6% da força de trabalho, depois que comprou a cervejaria americana. A AB InBev também colocou um executivo brasileiro, Brito, no comando do negócio e instituiu práticas frugais que incluíam o uso de hotéis mais baratos e o chamado orçamento de base zero, em que todas as despesas têm que ser justificadas anualmente.
Valor Econômico – SP