O varejo que foi construído sobre a transação e dela fez o fluido que irrigava negócios, começa paulatinamente a ser remodelado
Há séculos, o comércio e o seu descendente mais bem-sucedido, o varejo, fez do negócio um elogio ao produto. O varejo sempre foi físico, viril, permanente, pesquisando formas de tornar o produto atraente ao consumidor. A lógica do negócio foi construída na transação. E sobre a transação, os indicadores de saúde e os prognósticos de crescimento ou estagnação foram trabalhados, pensados e aplicados. Custo, preço, margem, lucro, produtividade, sazonalidade, pontos de venda. Aí, veio a onda digital…
E o digital começou, pouco a pouco a questionar, incomodar e desconstruir o varejo como o conhecemos. Esse processo está em vigência. O varejo que foi construído sobre a transação e dela fez o fluido que irrigava negócios, começa paulatinamente a ser remodelado. É um negócio novo, baseado em relações, informação, conhecimento, dados. O produto vendido é um item que se desdobra na hora em que foi adquirido, na loja em que foi ofertado, no preço momentâneo que foi estabelecido, no uso que o consumidor faz dele, no fraseado que ele traz para compor o conteúdo que caracteriza um varejo de outro. Dados podem ser gerados em profusão assombrosa, permitindo todo tipo de cruzamento para estabelecer análises que seriam consideradas imaginativas, desnecessárias ou intangíveis demais há alguns anos. Mas que hoje, no mundo e na era dos bits, bytes, megas, gigas e teras, representam uma condição necessária para entender o que acontece loja a loja, física ou virtual, em tempo real.
O varejo está se decompondo em unidades de informação. Cada loja é um arquivo que pode ser unido em sequência lógica, para formar um painel capaz de gerar informações incansavelmente. Como trabalhar essas informações e sinalizar o que cada loja fará de seu conteúdo é a tarefa do varejo diferenciado. Por isso, o varejo é cada vez mais imaterial. Depende menos do que vende e mais de como interpreta a venda, a não-venda, a presença do cliente e sua interação com ele, na loja, seja de tijolo e cimento, seja de zeros e uns.
Essa complexidade é que torna a reação a qualquer movimento de mercado completamente diferente daquilo a que executivos varejistas se acostumaram nos tempos idos. Significa trabalhar em terrenos onde a matemática, a estatística, a probabilidade, o algoritmo, reinam e prevalecem sobre a experiência e a simpatia, a loja bonita e o bom ponto comercial. Cada rede varejista deveria urgentemente, contratar equipes de matemáticos e analistas de informação capazes de perceber tendências de mercado, situações de fluxo e refluxo nas lojas, a partir da interpretação dos dados. É um nível de sofisticação maior e mais revelador do que taxas de juros, inflação, câmbio.
O antigo executivo de varejo, que entendia da mercadoria, que sabia o que venderia e o que não teria saída na loja, foi atropelado pela inovação disruptiva. Um atropelamento sutil como uma lufada de vento. O fato é que o varejo viril de outros tempos está aerado, quase gasoso, percorrendo o fluxo de dados gerados a cada instante por consumidores conectados e mesmo que não conectados, já contagiados por essa imaterialização e que se desdobram em muitas trajetórias alternativas.
O que isso quer dizer, em termos práticos? Justamente que a prática do varejo agora se faz em números intangíveis, na compreensão de um mundo que será acelerado, e simplesmente embutido na dimensão virtual, de modo tão natural que parecerá que sempre foi desse jeito.
O lado bom é que o varejo estará literalmente em toda parte e em todas as mentes. O varejo que está em desconstrução e reinvenção será simplesmente um meme.
E é sempre bom lembrar: memes são vírus mentais.
*Jacques Meir é Diretor de Conhecimento e Plataformas de Conteúdo do Grupo Padrão.
Revista No Varejo on-line – SP