Vamos supor que exista uma máquina capaz de mandá-lo de volta ao passado, algo parecido com o túnel do tempo, para lembrar a clássica série de TV dos anos 60. Você entra e ajusta os controles para o ano 2000. Parece uma boa data: longe o suficiente para provocar saudade, mas não a ponto de causar estranheza. As rádios tocavam Amor I Love You, da Marisa Monte, as salas de cinema exibiam Gladiador e a novela das nove era Laços de Família, aquela da cena na qual a Carolina Dieckmann chora copiosamente enquanto raspa a cabeça. Familiar, não?
Nem tanto. Para a tecnologia, meu amigo, 15 anos podem parecer um século. Você logo perceberia isso ao colocar a mão no bolso e dar por falta do seu smartphone. O que aconteceu? Esses aparelhos simplesmente não existiam. O iPhone, por exemplo, só surgiu em 2007 e o Galaxy, em 2009. Nada de aplicativos, portanto. Você teria de encontrar outra maneira de chamar o táxi, pedir comida, checar o trânsito… WhatsApp? Nem pensar. Também é de 2009. Contente-se com o ICQ, que então tinha perto de 100 milhões de usuários, ou teste uma novidade lançada pela Microsoft apenas um ano antes, em 99: o MSN Messenger.
Agora que você percebeu o tamanho da encrenca, talvez queira fazer uma pesquisa rápida na internet, certo? Pois bem, vá para o Yahoo. Sim, Yahoo! Ou algum concorrente como o Altavista, o Excite ou o Cadê. O Google era uma companhia promissora, mas muito recente. Gestada em 1998, só começou a cobrar anúncios associados à busca os links patrocinados, seu pote de ouro até hoje no ano 2000, quando também lançou seu serviço em português. Na época, a companhia ainda dependia de recursos de investidores privados. A oferta pública inicial de ações do Google na Nasdaq um momento histórico para o setor de tecnologia só ocorreria em 2004.
Mas veja o lado positivo: se tivesse voltado meses antes, teria de reviver toda a tensão do bug do milênio, a falha de computador que então ameaçava derrubar aviões, deixar a população sem luz, implodir o sistema financeiro mundial… Tudo no noite de 31 de dezembro de 99, quando um erro relativo à data provocaria uma pane global. Para evitar o desastre, as empresas gastaram dinheiro em software e consultoria, mas ao fim nada de grave aconteceu.
O mesmo não se pode dizer de outra ameaça que pairava à época: a explosão da bolha pontocom. Eis a história: desde 97, os investidores internacionais vinham enterrando montanhas de dinheiro em companhias nascentes de internet, muitas delas inconsistentes, sem projeção de lucro à vista. Na virada de 99 já havia sinais de que a farra estava para acabar, mas era impossível saber com certeza quando ocorreria o crash e qual seria sua dimensão. Em meados do ano 2000, fileiras de pontocom fecharam as portas praticamente da noite para o dia, numa onda que também afetou as ações de grupos de tecnologia sólidos. Foi o fim da expressão nova economia. O epitáfio dessa era veio da revista The Economist, em um artigo intitulado easy.com, easy.go.
A explosão da bolha abalou a confiança de Wall Street nos negócios digitais, mas não tirou o apetite das pessoas pela web. No ano 2000 havia 10 milhões de pessoas com acesso à internet em casa no Brasil, um número significativo para a época, mas muito concentrado. Era um perfil de usuário bastante restrito, diz José Calazans, analista de mercado da Nielsen Ibope. Basicamente, quem navegava em casa eram homens, com educação superior e economicamente bem-sucedidos. Muitos eram executivos.
Esse perfil perdurou até 2004. Durante esse período, o comércio eletrônico e a publicidade on-line se desenvolveram, mas não havia uma modificação significativa no número de usuários, diz Calazans. Um dos fatores que ajudaram a mudar esse cenário foi a chegada das redes sociais ao Brasil. Mas não o Facebook… O Orkut!
Em 2004, o Facebook era novidade até nos EUA, onde foi lançado em fevereiro daquele ano. A versão brasileira, em português, só chegaria em 2008. Durante todo esse tempo, o Orkut reinou no Brasil. Só foi ultrapassado pelo Facebook em 2011, e mesmo assim por uma diferença relativamente pequena: 30 milhões contra 29 milhões de usuários brasileiros. A partir daí, o Orkut foi se esvaziando até seu fechamento pelo Google no ano passado.
O interesse em torno do Orkut gerou preocupação para muito pai e mãe e acabou caracterizando outra fase da web no Brasil o ingresso de usuários mais pobres no mundo digital. Primeiro, jovens das classes A e B, que tinham computador e acesso à internet em casa, aderiram à rede social. Quem não tinha, tratou de encontrar uma alternativa: as lan houses. Originalmente destinadas aos jogos on-line, essas lojas multiplicaram-se pelo país, principalmente nas regiões mais pobres. Em setembro de 2007, o Valor foi até o bairro de Heliópolis, um dos mais pobres de São Paulo. Contou o caso do cearense Antônio Rodrigues Filho, o Sonrisal. Dono de um mercadinho e de uma loja de artigos fotográficos, ele viu rapidamente sua lan house superar os demais negócios. Não havia lugar suficiente para tanto cliente, que pagava R$ 1 por hora de uso. Então com 125 mil moradores, Heliópolis contava com mais de 30 lan houses. Na Rocinha, no Rio, o número ficava entre 80 e 100. Mas esse movimento durou pouco. Em 2012, o Valor voltou até a lan house de Sonrisal. Havia apenas 13 computadores na loja e só um estava em uso quando a reportagem chegou.
O fim das lan houses foi consequência de uma conjunção de fatores que resultou na ascensão econômica da classe C a partir de 2007 e marcou, de fato, uma inclusão digital mais ampla. Com mais dinheiro no bolso, essa fatia da população começou a comprar o que antes era impossível e o computador estava no topo da lista. Os preços em queda dos PCs e das conexões mais rápidas ajudou a popularizar a internet no Brasil. Esses brasileiros passaram de usuários ocasionais para regulares, ampliando seus hábitos de navegação. Por exemplo, passando a comprar via internet.
Se você é daqueles que ficam esperando dar meia-noite para entrar nas lojas virtuais e se esbaldar na Black Friday, saiba que nada disso acontecia no ano 2000. Pelo menos na web. Aberto em meados de 1999, o Submarino, a primeira grande loja virtual brasileira, era uma novata na época. O medo das ameaças virtuais era grande e pouca gente tinha confiança suficiente para dar o número de cartão de crédito a sites de vendas. O cenário frustrou as projeções originais do comércio eletrônico. A expectativa inicial era que o negócio cresceria mais rápido do que aconteceu de verdade, diz Pedro Guasti, diretor executivo da E-bit, empresa de análise do comércio eletrônico. O estouro da bolha, afirma o especialista, só piorou as coisas.
Aos poucos, porém, o movimento começou a ganhar força, com crescimentos da ordem de 50% a 60% ao ano durante a década. As lojas virtuais atiraram-se com afinco à tarefa de conquistar o consumidor e passaram a oferecer vantagens como frete grátis, preços mais baixos que os das lojas físicas, prazos flexíveis de pagamento. O consumidor gostou. O resultado é que em houve anos em que muita gente ficou sem presente na noite de Natal porque os sites não conseguiam dar conta das entregas a tempo.
A partir de 2006 começou uma onda de consolidação, diz Guasti. O negócio mais representativo dessa fase foi a fusão do Submarino com a Americanas.com. O investimento no setor tornou-se mais intensivo, com empresas de logística e tecnologia sendo adquiridas pelos grupos especializados em vendas digitais. O comércio eletrônico ainda é um adolescente de 15 anos, mas desde 2010 e 2011 segue uma linha de profissionalização. Não há mais espaço para o amadorismo, afirma o especialista.
Uma maneira de entender o que aconteceu com a tecnologia nos últimos quinze anos é acompanhar a trajetória de alguns dos principais nomes do setor. Foi no ano 2000 que Bill Gates, o cofundador da Microsoft, deixou a presidência da companhia. Foi nesse ano também que Steve Jobs assumiu definitivamente a presidência da Apple, para a qual voltara em 1997, na condição de presidente interino. O computador pessoal coração da Microsoft declinaria lentamente nos anos seguintes, cedendo o lugar principal para dispositivos que marcariam a ascensão da Apple. O iPod, lançado em 2001, mudou as regras na indústria da música. O iPhone, de 2007, deu rosto ao segmento dos smartphones; o iPad, de 2010, fez pegar a até então cambaleante categoria dos tablets.
Gates, ainda hoje o homem mais rico do mundo, retirou-se aos poucos para sua organização humanitária a Fundação Bill & Melinda Gates arrastando atrás de si uma fileira de bilionários convencidos a doar a maior parte de suas fortunas ainda vivos. Passou a ser visto na África, um dos alvos da fundação. Jobs morreu em 2011, vítima de um câncer pancreático. Acostumados a fazer fila na porta das lojas para comprar as novidades da Apple, os fãs fizeram vigílias nas ruas. Nas mãos, carregavam velas digitais em seus iPads.
Novos nomes surgiram no período: Mark Zuckerberg, do Facebook, um desconhecido até 2000, foi eleito personalidade do ano pela revista Time apenas uma década depois. Jeff Bezos, da Amazon, usou sua fortuna pessoal para adquirir um dos maiores ícones do jornalismo americano, o The Washington Post, em 2013.
Ao longo dos últimos 15 anos, várias tecnologias surgiram ou ganharam força. Outras tantas morreram. Em alguns casos, as duas coisas no mesmo intervalo. As mudanças nos hábitos foram dramáticas. Você provavelmente nunca tirou tanta foto como hoje. Mas onde estão os filmes para revelar? Nunca consumiu tanta música, mas cadê os CDs? Lembra da Blockbuster? Sumiu. O ritual de ir à locadora foi substituído pela conveniência de ver os filmes sem sair de casa, com a vantagem de não ter de disputar uma cópia dos lançamentos mais populares. Olá Netflix, adeus cultura da escassez.
No futuro, não será mais possível saber quando se está conectado à internet ou não. Tudo será conectado e navegável, diz Cris Camargo, diretora executiva do IAB Brasil, organização internacional de mídia e propaganda digital. A publicidade percebeu rapidamente aonde o público estava indo e o acompanhou na direção da internet. Os dados sobre publicidade digital no país são recentes, mas indicam crescimento. No ano passado, os anúncios on-line movimentaram R$ 8,35 bilhões, segundo levantamento do IAB e da comScore, empresa que mede o mercado digital, com estimativa de chegar a R$ 9,5 bilhões neste ano.
Para as empresas de mídia ainda é difícil entender o comportamento dessa audiência on-line muito mais fragmentada e menos fiel o que se reflete na dificuldade de remunerar seus serviços digitais. A migração dos anúncios para a internet muitas vezes não compensa a perda da receita publicitária em seus meios originais, nem cobre totalmente os custos de investir na web. Mas novas tecnologias estão melhorando a maneira de medir a audiência dos sites, o que também é bom para os anunciantes. A medição tradicional por cliques começa a ser substituída por métricas mais amplas e precisas, afirma Cris, ao mesmo tempo em engatinham tecnologias capazes de, por exemplo, medir a intenção de compra a partir da movimentação do mouse.
Nos últimos anos, a tecnologia tornou-se tão relevante que extrapolou os círculos técnicos a que costumava ficar restrita para influenciar a vida de praticamente qualquer pessoa. Séries de televisão como The Big Bang Theory tornaram-se sucessos de público apesar de fazer piadas com temas complexos, enquanto o cinema explorou personagens reais como Steve Jobs e Mark Zuckerberg em filmes como A Rede Social e Jobs. É o fascínio da tecnologia. Ou você já viu algum filme sobre a vida de um executivo da Coca-Cola ou da GE, por exemplo?
Agora, a inovação parece caminhar numa direção especial a mobilidade. Você já deve ter visto algum filme antigo em que o personagem tira da bolsa um aparelho que mais parece um tijolo com antenas. Sim, os primeiros celulares eram enormes. Com o tempo, diminuíram e voltaram a crescer para poder exibir aplicativos e vídeos. O barateamento dos smartphones os celulares com a acesso à internet e a melhoria da infraestrutura de comunicação levaram muitos brasileiros que não tinham computador a ingressar no mundo digital diretamente pelo telefone. Hoje, no Brasil, há mais celulares que gente.
O modelo dos aparelhos pode variar de acordo com o poder aquisitivo do consumidor, assim como os planos de serviços, mas os hábitos de navegação são praticamente os mesmos entre os mais ricos e os mais pobres, diz Calazans, da Nielsen Ibope. Dos 20 aplicativos mais acessados nos smartphones, por exemplo, cinco são de bancos, afirma.
Sites estão sendo redesenhados para ser vistos no celular, e há uma preocupação especial entre os produtores de conteúdo para que suas criações sejam vistas confortavelmente na tela reduzida dos smartphones. As vendas on-line acompanham a tendência. A nova classe média que entrou no comércio eletrônico com os smartphones e não teve oportunidade de comprar pelo computador está adquirindo produtos caros, como TVs, computadores e notebooks, diz Guasti, da E-bit.
Agora, depois de trafegar pelo túnel do tempo, talvez o ano 2000 não pareça assim tão próximo e você sinta saudades das comodidades de 2015. Podia ter sido pior: em 98, quando as telecomunicações foram privatizadas no Brasil, as pessoas esperavam dois anos para ter um telefone fixo, ao preço de US$ 1 mil, ou tinham de se submeter às bolsas de telefones, nas quais uma linha chegava a US$ 10 mil. Isso, sim, era a pré-história.
Valor Econômico on-line – SP