A desvalorização de cerca de 30% do real ante o dólar nos últimos 12 meses em termos nominais já começa a provocar efeitos mais visíveis nas transações correntes brasileiras, cujo déficit caiu em maio, também em 12 meses, pelo segundo mês consecutivo. Para analistas, a interrupção do aprofundamento desse déficit é um sinal de que, pela primeira vez em anos, a taxa de câmbio está se aproximando do que seria seu nível de equilíbrio. Nas contas de especialistas ouvidos pelo Valor, esse ponto estaria entre R$ 3,00 e R$ 3,50. A cotação do dólar comercial, hoje, está dentro desse intervalo, ao redor de R$ 3,12.
Em termos reais – métrica que realmente importa no cálculo do câmbio de equilíbrio, já que desconta o efeito inflacionário -, a taxa de câmbio brasileira caiu 15,51% nos últimos 12 meses, a maior desvalorização dentre uma lista de 61 economias, de acordo com dados do Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês).
Isso mostra que a intensidade da depreciação do câmbio real brasileiro ajudou a compensar o mesmo movimento de outras divisas, garantindo um ganho de competitividade que aproximou a taxa nominal brasileira de seu ponto de equilíbrio. O déficit em transações correntes em 12 meses até maio alcançou 4,39% do PIB, segundo o Banco Central.
Para garantir um estímulo mais firme para as empresas a exportar, em uma economia fechada como a brasileira, alguns especialistas dizem que seria importante que o câmbio “andasse” para cima do ponto de equilíbrio. Nas contas de um experiente gestor, por exemplo, esse ponto hoje estaria perto de R$ 3,40, o que significa que uma cotação próxima a R$ 3,50 é aquela que poderia levar o déficit em conta corrente para perto de 2,5%.
Mas há indicações de que a desvalorização cambial já começou a produzir efeitos. Além de um ajuste nas importações, começam a surgir consultas por parte de empresas exportadoras, segundo afirma o diretor da LCA Consultores, Celso Toledo.
Tomando como base dados do BC, a valorização do câmbio real médio dos últimos 12 meses em relação à taxa média real histórica de câmbio – uma medida para avaliar quão distante o câmbio atual estaria de seu ponto de equilíbrio – retornou ao patamar de setembro de 2007, período em que o Brasil ainda registrava superávit em conta corrente. Na prática, isso indica que a taxa real de câmbio está mais próxima de um patamar condizente com o de equilíbrio.
Excluindo períodos de forte pressão sobre a taxa de câmbio, como no começo dos anos 1980 e 2000, o câmbio real no Brasil já está alinhado à sua média histórica, o que indica que a taxa de equilíbrio estaria entre o patamar em torno do qual o dólar vem oscilando desde março, entre R$ 3,00 e R$ 3,20.
Toledo diz que esse nível de câmbio já consegue, ainda que lentamente, estancar a piora do déficit em transações correntes e o colocar em patamares mais sustentáveis, uma vez que já inibe importações e começa a provocar efeitos em contas de serviços e viagens internacionais na conta corrente.
“O Brasil não precisa de uma desvalorização cambial como a vista na década de 1980 ou em 2002 para ajustar sua conta corrente. As reservas internacionais ainda cobrem a dívida externa, e isso tira do país a urgência de uma depreciação rápida do câmbio”, afirma.
O alinhamento ao câmbio de equilíbrio também tem sido promovido pela deterioração da atividade econômica, que reduz o consumo interno e, por tabela, as importações. Assim, a necessidade de um câmbio mais depreciado diminui. “É um movimento muito lento, mas que, sem grandes surpresas do lado doméstico e externo, já coloca as transações correntes em uma trajetória de melhora”, afirma o economista-chefe da Franklin Templeton Investimentos, Carlos Thadeu Filho.
Com base em modelos, Thadeu Filho diz que a taxa de equilíbrio de longo prazo para o câmbio no Brasil estaria atualmente em torno de R$ 3,50. Mas ele reconhece que, com a ainda farta liquidez no mundo e a perspectiva de que os Estados Unidos sejam bastante graduais em seu processo de aperto monetário, é possível que essa taxa esteja ainda mais baixa.
Ainda que hoje as taxas de câmbio de equilíbrio e nominal estejam mais alinhadas do que no passado, analistas ressalvam que esse processo ainda está em fase inicial e que é preciso que continue para que as contas externas consolidem sua trajetória de melhora. E a continuidade do processo de realinhamento da taxa cambial está fortemente atrelada ao sucesso dos ajustes macroeconômicos em curso. A explicação, segundo analistas, passa pela retomada da confiança do empresariado, que deveria ser seguido por aumento de investimentos e ganho de competitividade. Dessa forma, seria necessária uma taxa de câmbio de equilíbrio menos depreciada para sustentar a melhoria da competitividade.
“O câmbio já está em seu nível de equilíbrio, mas para que os benefícios sejam sentidos pela economia é necessário que o setor produtivo confie nos ajustes em curso para então voltar a investir”, afirma o economista-chefe do Banco Votorantim, Leonardo Sapienza. Para ele, o câmbio de equilíbrio está atualmente entre R$ 3,10 e R$ 3,20.
O debate sobre qual seria a taxa de câmbio de equilíbrio costuma ser marcado por pouco consenso, uma vez que cada instituição utiliza modelos econométricos com variáveis semelhantes, mas com pesos e premissas diferentes. De todo modo, as estimativas compreendidas na faixa entre R$ 3,00 e R$ 3,50 só são válidas em um cenário em que o Brasil não enfrente uma crise de balança de pagamentos, como a vista na década de 1980, que exigiria uma violenta depreciação cambial.
Para o quadro atual, o câmbio de equilíbrio seria aquele que reduz o déficit de transações correntes a um ponto (em torno de 2,5% do PIB) que estabilize a relação entre o passivo externo e o PIB brasileiros, hoje em torno de 30%. O passivo externo é o estoque de todos os recursos estrangeiros no Brasil, incluindo aplicações financeiras, investimentos produtivos e empréstimos, e seu aumento costuma expor o país a choques vindos do exterior.
Valor Econômico – SP