03/06/2015 às 05h00
Por João Luiz Rosa | De São Paulo
O israelense Dov Moran é protagonista de uma das histórias de maior sucesso na indústria de alta tecnologia. Criador do pen drive, ele viu seu invento tornarse tão popular que, em 2006, apenas seis anos depois de o produto ser lançado nos Estados Unidos, ele vendeu sua empresa, a MSystems, para a concorrente americana SanDisk. O valor do negócio? US$ 1,6 bilhão. Agora, muitos negócios depois desse episódio, Moran tem outra lição a dar para quem quer ser bemsucedido no mundo da inovação aprenda a fracassar! Riscos são inerentes à atividade empresarial em qualquer área, mas no caso da inovação, ditada por um ritmo acelerado e movimentos de mercado imprevisíveis, falhar é mais que uma eventualidade. É um componente praticamente indissociável do setor, que precisa ser bem compreendido para que o fracasso de hoje não seja um inibidor do potencial sucesso de amanhã. “É preciso entender a cultura da inovação”, diz Moran ao Valor, por telefone. “Às vezes você falha, mas tudo bem. Mexase e vá em frente.” A Modu, uma empresa na qual na qual Moran tinha grandes expectativas, fechou as portas sem conseguir modificar a indústria dos smartphones. Criada em 2007, a companhia criou um telefone modular um aparelho básico e barato que podia ser combinado a dispositivos auxiliares como câmera fotográfica, tocador de música etc. Tudo de acordo com o gosto e o bolso do consumidor. No fim de 2010, havia a expectativa de que a empresa ingressasse na bolsa de TelAviv, mas a abertura de capital acabou cancelada. Apenas alguns meses depois, a companhia baixou as portas. “Tentamos levantar dinheiro, mas não conseguimos”, diz Moran. As patentes acabaram compradas pelo Google, por US$ 4,9 milhões, para serem usadas no Projeto Ara, uma tentativa da companhia de internet de criar seu próprio celular modular. O Google demonstrou o primeiro resultado concreto do Projeto Ara na semana passada, em San Francisco, mas não deu previsão do lançamento comercial do produto. Outra iniciativa malsucedida foi a KeyView. Fundada em 2010, a empresa trabalhou na criação de um teclado com uma pequena tela, na qual os usuários poderiam ver emails e informações como a previsão do tempo, enquanto digitavam. Moran investiu US$ 2 milhões na KeyView e atuou como presidente do conselho da empresa, mas o negócio fechou apenas 18 meses depois de criado. “Não tivemos um grande sucesso”, diz ele. O avanço de dispositivos móveis como o celular e o tablet enfraqueceram o interesse do público pelos computadores de mesa e, consequentemente, por periféricos como teclados. Nenhuma dessas experiências, porém, tirou o interesse de Moran engenheiro elétrico formado pelo Instituto de Tecnologia de Israel, o renomado Technion pela tecnologia. Atualmente, ele está envolvido em 16 companhias diferentes, cujos produtos vão de sistemas interativos para televisão até equipamentos médicos. A Consumer Physics, uma das empresas da lista, é a criadora de um sensor molecular capaz de avaliar a composição química de objetos, incluindo alimentos, plantas, medicamentos e materiais como plásticos e combustíveis. Batizado de SCiO, o aparelho cabe na palma da mão e parece um pequeno controle remoto. Ao aproximálo de um objeto, o dispositivo “lê” as informações e as envia para um smartphone. As aplicações são variadas. “Na China, por exemplo, há informações de que 70% dos medicamentos usados pela população são falsos”, afirma Moran. Com o SCiO, o consumidor poderá verificar se o remédio é verdadeiro ou não. Em outra frente completamente diferente, Moran tenta prever o futuro da televisão. Em 2012, ele lançou a Comigo. O sistema da empresa permite ver conteúdo em múltiplas telas, como TVs, smartphones e tablets. A proposta é convencer as empresas de TV paga e serviços de vídeo sob demanda a usarem a tecnologia para estimular o comércio eletrônico e a interação entre seus usuários. É essa disposição de inventar coisas, a despeito de fracassos anteriores, que não se pode perder de vista, afirma Moran. Em lugares onde se estabeleceu uma cadeia de inovação eficiente, como o Vale do Silício, na Califórnia, e em Israel, os fundos de investimento sabem disso e desenvolveram o hábito de dar aos empreendedores a segunda, terceira, quarta chances… “Um dos meus grandes amigos é Masayoshi Son, do SoftBank “, diz Moran, sobre um dos homens mais ricos do Japão. “Ele é muito inteligente e fez negócios de grande sucesso [a empresa, por exemplo, é uma dos maiores investidoras do Alibaba, o site de comércio eletrônico chinês]. Mas ele também falhou algumas vezes.” No Brasil, é consenso que ainda há muito o que fazer para disseminar o conceito da segunda chance. “Há uma desconsideração sobre um dos pilares do capitalismo, que é a cultura do risco”, diz Marcos Flesch, sócio do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados. “Um eventual fracasso contamina a pessoa durante décadas.” Um dos problemas, diz Flesch, é que não há uma distinção nítida, do ponto de vista jurídico, entre a empresa e o empresário. Quando uma companhia fecha, o proprietário pode ser responsabilizado, com consequências legais sérias, mesmo que não tenha ocorrido fraude ou procedimento ilegal. Moran, que está no Brasil para o encontro “High Tech Nation”, promovido pela Souza Cescon, aprendeu desde cedo a dar a si mesmo a segunda chance. Aos 10 anos, ele decidiu comprar componentes eletrônicos anunciados na revista de humor “MAD” com a intenção de montar um relógio, como era anunciado. Não deu muito certo, mas serviu como ponto de partida para um mote que ele repete até hoje: “Você tem de tentar”.
Valor Econômico – SP