Por Maria da Paz Trefaut | Para o Valor, de São Paulo
27/05/2015 às 05h00
Mostra na Faap integra estratégia da marca francesa de aproximação com público. Por Maria da Paz Trefaut, para o Valor, de São Paulo.
A adaptação à realidade modificou os planos da Hermès para o Brasil. A marca, que chegou a São Paulo em 2009 com uma loja no Shopping Cidade Jardim, acaba de ampliar e reinaugurar a mesma butique em vez de partir para novos endereços. No ano que vem, a primeira expansão será para o Rio. No mundo do luxo é um plano de negócios bastante diferente do seguido pelo Grupo Prada, por exemplo, que desembarcou aqui em 2011 e já tem 11 lojas em cinco Estados, somando as etiquetas Prada e Miu Miu.
Em uma estratégia de maior aproximação com o público, a marca vai mostrar parte de sua cultura interna em um evento no qual exibirá os bastidores da manufatura de alguns produtos. Trata-se do Festival des Métiers, que começa na sexta-feira, no Museu de Arte Brasileira da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado), em São Paulo. Quem vem para inaugurar a mostra, que já percorreu vários países, é o vice-presidente executivo, Florian Craen. Antes de embarcar, em entrevista ao Valor, Craen reafirmou que a ambição de ser acessível à classe média ainda é um projeto da Hermès para o Brasil.
Valor: O plano inicial era abrir lojas no Rio, em Brasília e uma segunda em São Paulo até 2014. Por que isso não ocorreu?
Florian Craen: Você faz referência a que plano? Ao que foi comunicado no momento de nossa abertura no Brasil?
Valor: Exatamente.
Craen: Isso foi dito no momento em que chegamos, mas depois nos confrontamos com a realidade da atividade no Brasil, sua complexidade e questões de importação. Nosso projeto acabou por se prolongar e vai demorar um pouco mais
para ser efetivado. Hoje, nosso objetivo é nos concentrarmos na loja do Shopping Cidade Jardim e inaugurarmos no Rio, no ano que vem. Nossos planos atrasaram, mas isso se deve ao desejo de ter em mãos o controle de nossa atividade. Temos um parceiro [a JHSF possui 20% de participação acionária], mas possuímos a maioria das ações, o que sempre quisemos.
Valor: Depois de 2008 e da crise na zona do euro, estar no Brasil passou a ter mais relevância para as grifes de luxo. Como esse mercado évisto hoje, em comparação aos outros Brics?
Craen: Sempre preferimos falar mais de nosso cliente brasileiro do que no mercado brasileiro. Temos muitos clientes brasileiros em várias partes do mundo, aliás, que nos acompanham há muitos anos. É verdade que nossa presença no Brasil é bem mais recente, e que seu desenvolvimento é mais modesto. Mas o Brasil faz parte da locomotiva da América Latina. Isso é certo. Para nós, é o mercado mais importante da região e com mais potencial. Posso apenas dizer que é um dos mercados do futuro para Hermès. No mais, entre os Brics, temos a China, um país onde estamos bem colocados e que é muito importante para nossa atividade. Assim como a Rússia e a índia.
Valor: Em 2009, ao chegar a São Paulo, executivos da marca diziam que tinham a ambição de tornã-la uma marca de classe média se não fosse a alta carga tributária. A classe média brasileira cresceu muito de lá para cá, mas a Hermès está cada vez mais restrita à elite. Como explica esse fato?
Craen: Você sabe que dentro da Hermès há verdadeiramente essa vontade de oferecer uma gama de produtos e presentes acessíveis. Na Europa, há bastante tempo, a venda de acessórios e objetos para presentear
bijoux”, lenços de seda, gravatas e perfumes não é restritiva e faz parte das práticas de vários países. Nosso sucesso no Brasil passará por isso. Hermès também vive do consumo cie gente normal que, sem dúvida, tem recursos, mas que pode, excepcionalmente, comprar um objeto da marca. Nós vivemos apenas parcialmente das compras da elite. Nossa proposta não é construir uma marca de elite, mas que seja capaz de seduzir todas as pessoas sensíveis à qualidade.
Valor: A Hermès é um dos últimos grandes grupos de luxo da França que permanece nas mãos da família fundadora. Qual a vantagem disso num mundo dominado por corporações?
Craen: Há diferentes pontos de vista. O primeiro deles é a perspectiva do tempo, o que tem um valor especial para uma família que está engajada na empresa há seis gerações. Para a família o objetivo não é crescer rapidamente e a qualquer preço. O importante é que daqui a 10 ou 50 anos a marca seja reconhecida como hoje. Algo que passa pela exigência e pela qualidade de cada objeto. A segunda questão, mais pessoal, é que no coração da marca há gente da família implicada nesse projeto, o que traz uma proximidade entre todas as pessoas que trabalham.
Valor: Qual o segredo da longevidade? Uma revolução permanente ou mudar sempre para continuar igual?
Craen: Penso que é precisamente as duas coisas. Em primeiro lugar, a coerência e a força familiar. Em segundo, a capacidade de se renovar todo o tempo. A gente sempre diz que a Hermès nasceu com o cavalo em 1837, mas que se agente não tivesse feito uma primeira revolução assim que os automóveis chegaram, no início do século XX, a empresa teria desaparecido. Depois, tivemos
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“Nós vivemos apenas parcialmente das compras da elite”, diz vice-presidente executivo da Hermès, Florian Craen
várias revoluções. O acessório foi um negócio novo dentro da marca. Amanhã, o mundo digital vai mudar o comportamento de nossos clientes e é preciso acompanhar cada uma dessas transformações para atravessar os séculos. Então, realmente, a permanência se deve à capacidade de mudar. Mas, claro, a gente pode mudar e continuar o mesmo.
Valor: Que reflexo teve para a imagem da marca a disputa com a LVMH, que chegou a ter 21,4% das ações da Hermès, numa briga judicial que durou quatro anos?
Craen: Deixo esse tipo de comentário para a presidência da empresa. Vivemos a questão internamente e, durante esse período, continuamos fazendo nosso trabalho. Penso que você está mais qualificada para
dizer como essa situação foi vista do laclo de fora.
Valor: A maior parte das grifes fatura com perfumes. No caso da Hermès, eles correspondem apenas a 6% das vendas, segundo o relatório anual de 2013, enquanto os acessórios de couro, a 44%. A que isso se deve?
Craen: Felizmente somos reconhecidos no mundo como uma selaria, que é o negócio no qual nascemos. Claro, temos muito a crescer no mundo dos perfumes.
Valor: Entre os planos está a abertura de uma loja de perfumes em Manhattan, Nova York? Será a primeira nesse estilo no mundo?
Craen: Sim, há um projeto-piloto. Não foi uma ação estratégica, mas uma oportunidade e achamos interessante utilizá-la para exprimir nosso conceito
perfumista num espaço novo, que será inaugurado em agosto. Será a primeira no mundo, mas há outros projetos em desenvolvimento dentro de grandes lojas: nos próximos anos o perfume é um segmento da empresa que deve crescer e ser mais difundido.
Valor: Como definiría a capacidade de criar o desejo de compra para pessoas que não precisam de absolutamente nada?
Craen: Tem a ver com a surpresa, com a sedução. É a capacidade de surpreender alguém com um objeto, que, por sua funcionalidade ou sua elegância, vai encantar num momento particular. Numa coleção você encontra um objeto de decoração do qual não necessita, mas que desperta o desejo. Por isso que a renovação das coleções é importante.
Valor Econômico – SP