13/05/2015 05:00
Por Arícia Martins
A retomada das exportações não é o único efeito positivo que a taxa de câmbio ao redor de R$ 3 pode trazer à indústria no médio prazo. Mesmo sem crescimento da demanda devido ao cenário de recessão, empresas de diferentes segmentos de bens de consumo ouvidas pelo Valor preveem recuperar parte do mercado doméstico neste ano porque seus preços já ficaram ou devem ficar mais competitivos em relação a seus concorrentes importados. Varejistas do setor de construção e supermercados relataram ao Itaú Unibanco uma maior procura por fornecedores nacionais. Segundo o “Orange Book” de abril um relatório sobre o termômetro da atividade econômica a partir de comentários de clientes do banco um dos poucos fatores positivos no momento é o real mais depreciado. “Um empresário de uma grande varejista do setor de construção me disse que, com esse câmbio, está impossível importar”, comenta o economista Caio Megale. Nos supermercados, a substituição está ocorrendo principalmente no setor de alimentos. Para Megale, depois da alta do dólar, a substituição de importações ocorre mais rapidamente do que a recuperação das exportações e, em sua avaliação, os dados da balança comercial já refletiram esse movimento. Em abril, as importações recuaram 23,7% em relação a igual mês de 2014 na média diária. Ele pondera, no entanto, que a retração ocorreu também devido ao esfriamento da demanda. A Estrela ainda não se beneficiou da desvalorização do real, mas o presidente da empresa, Carlos Tilkian, afirma que isso trará maior competitividade a seus produtos em relação aos importados ao longo do ano, especialmente no último trimestre, período mais forte para a venda de brinquedos. Em um primeiro momento, Tilkian aponta que a alta do dólar levou a uma mudança na estratégia da Estrela, que também trabalha com itens vindos de fora. “Vamos reduzir a importação e ampliar a produção nacional. No ano passado, os produtos importados representaram em torno de 35% do nosso faturamento. Neste ano, não projetamos mais do que 20%”.
Com sede em Joinville (SC), a têxtil Döhler não vai reduzir a fatia de insumos importados usados na produção, de cerca de 25% do total, porque a indústria nacional não fabrica parte dos produtos químicos, fios sintéticos e corantes de que a empresa precisa. Por outro lado, o diretor comercial da fabricante de itens de cama, mesa e banho, Carlos Alexandre Döhler, conta que os “namoros” com alguns varejistas começaram, e a expectativa é que os negócios comecem a ser fechados a partir deste mês. Devido à elevada volatilidade do câmbio no período recente, Döhler diz que o varejo ainda está inseguro sobre qual decisão tomar em relação às importações. Se o dólar ficar na casa dos R$ 3, porém, é certo que o setor deixará de importar. “A indústria brasileira deve sentir um aumento de procura dentro do mercado interno, mas isso deve ocorrer mais no segundo semestre”. Segundo ele, há uma certa demora nessa retomada porque, quando um varejista abre mão de um fornecedor, a reaproximação leva algum tempo. A Trousseau, que vende grande parte de seus produtos em lojas próprias, deve sentir mais rapidamente o impacto do câmbio. O sóciodiretor da marca de roupas de cama voltada para o segmento de alta renda, Romeu Trussardi, calcula que, depois da escalada da divisa americana, um produto semelhante ao seu no exterior está hoje de 15% a 20% mais caro. “O nosso mercado interno tem potencial enorme porque o produto que vem de fora não concorre diretamente com o nosso, muito menos agora com a alta do dólar”, disse Trussardi.
Celina Dias, dona da marca de tecidos de decoração e papéis de parede que leva seu nome, afirma que a qualidade da indústria têxtil brasileira tem melhorado bastante, o que a motivou, juntamente com a alta do dólar, a elevar a fatia de produtos domésticos em seu portfólio. Essa decisão foi tomada em novembro, quando a taxa de câmbio média ainda estava abaixo dos R$ 2,60, e se mostrou acertada, comenta Celina. “As fábricas estão mais competitivas. Há um esforço no desenho, no acabamento e no preço. A indústria está caprichando”, relata a empresária, que hoje tem cerca de 60% de itens nacionais em suas lojas. No setor moveleiro, Murillo Schattan, diretor da Ornare, conta que os concorrentes que trazem armários e cozinhas prontos de fora estão tendo aumentos de preços “consideráveis”, o que deve reduzir ainda mais a fatia de importados, já relativamente pequena, no mercado interno. “Para nós, que produzimos aqui, a concorrência com linhas importadas melhorou porque nosso preço não subiu”, afirma. A Ornare importa alguns componentes indisponíveis no Brasil, como alguns tipos de tinta e de folhas de madeira, mas, de acordo com Schattan, a empresa conseguiu absorver o impacto do reajuste destes insumos. A Breton Actual, que não importa nenhum componente de seus móveis, ainda não possui números, mas notou um aumento da procura após a desvalorização do real, segundo a diretora de marketing Giselle Rivkind. “Temos clientes que compram lá fora e com a alta do dólar ficou mais complicado”, diz Giselle, que espera alta de 10% do faturamento em 2015. Para ela, a movimentação do câmbio deve ajudar a empresa a alcançar esse resultado. Ainda neste segmento, Guido Otte, presidente da Butzke, também prevê que seus concorrentes importados perderão participação, embora avalie que o real precisa se depreciar mais. Otte observa que, no momento, há uma grande retração do mercado, porque o consumidor está “economizando de todos os lados possíveis”, mas, de qualquer forma, os móveis importados devem sofrer mais com essa situação e os fabricantes nacionais devem suprir o espaço deixado por eles. A Mondial, de eletroportáteis, fabrica no país cerca de 60% de sua linha de produtos, composição que não vai mudar após a alta do dólar, diz Giovanni Cardoso, presidente da companhia. “A maioria dos itens que importamos não tem escala e nem custos para se produzir no Brasil”, como as cafeteiras, por exemplo, diz Cardoso. Por outro lado, ele acredita que a empresa pode ficar mais competitiva em relação aos importados no segmento de liquidificadores, que são produzidos aqui. A Mondial já atende 40% desse mercado. Nos calçados, o segmento que sofre concorrência mais significativa dos importados é o esportivo, diz Heitor Klein, presidente da Abicalçados (associação que reúne as indústrias do setor). Para Klein, o recuo de 23% do volume importado desse tipo de calçado no primeiro trimestre, ante igual período de 2014, reflete tanto o avanço dos preços quanto a demanda mais enfraquecida. Mesmo assim, Klein é pouco otimista sobre o movimento de substituição de importações. “Os efeitos positivos que poderíamos sentir no mercado doméstico são anulados por outros fatores, como o endividamento das famílias e a alta da inflação.”
Valor Econômico – SP