04 de maio de 2015
Durante seus 17 anos no Grupo Pão de Açúcar, Ana Maria Diniz não teve moleza. A executiva tinha de provar sua eficiência em um ambiente predominantemente masculino segundo ela, nos anos 1990, havia “pouquíssimas” mulheres na companhia. E tudo com um obstáculo extra: se livrar do rótulo de filha do dono, o empresário Abilio Diniz.
Formada em administração de empresas pela FAAP, ela liderou dentro do GPA as áreas de recursos humanos e marketing, até chegar à vice-presidência, em 2001. Após a profissionalização da empresa, passou a comandar o braço social dos investimentos da família, o Instituto Península, além de outros dois projetos ligados à educação. “Quando fui empreender depois de deixar o Pão de Açúcar, eu já tinha uma carreira, já tinha conquistado certo respeito dos meus pares”, afirma. “Não diria que foi mais fácil, mas foi diferente.” Ela também é sócia da Sykue Bioenergya, uma empresa de geração de energia sustentável, e membro do conselho da Anima, uma organização educacional privada de ensino superior.
Em entrevista a Época NEGÓCIOS, a executiva fala sobre liderança feminina, tema sobre o qual dará palestra amanhã (05/04), no Fórum HSM Mulheres no Poder, em São Paulo, e discute o setor de educação no país. Confira:
Na sua visão, quais os maiores desafios que as mulheres enfrentam hoje no mundo corporativo?
Sempre fui da linha de pensamento de que a competência supera questões de gênero. Mas claro que existem desafios. Um deles é existir poucas mulheres na liderança de grandes empresas, em posições de real destaque. E isso tem dois grandes motivos, acredito. O primeiro deles é que, muitas vezes, a mulher não quer abrir mão de certos papeis em sua vida que colidem com o papel de uma executiva que fica completamente tomada pela empresa. O outro lado é que ainda existe, sim, preconceito existe inclusive diferença entre salários de homens e mulheres, isso é fato. É uma conquista que ainda não conseguimos alcançar. Mas acredito que o caminho para essa conquista é a competência, é reivindicar que temos direitos iguais.
Com base na sua experiência com RH, a senhora diria que existem iniciativas ou ambientes que estimulem a liderança feminina dentro das empresas?
Acho que sim. Acredito que as características femininas são muito diferentes das masculinas. Na área de supermercados, por exemplo, onde trabalhei muitos anos, a característica feminina de conseguir tomar conta de vários assuntos ao mesmo tempo, não ser uma pessoa muito exclusiva em um único foco, é muito positiva para gerenciar uma loja. Ela tem de olhar para absolutamente todos os detalhes, não adianta ter um só foco ou objetivo.
Os homens ainda têm certa resistência em ter de responder a mulheres, em tê-las em cargos mais altos?
Acho que o homem não consegue separar muito essa questão do gênero. Não acho que ele tem resistência, mas não consegue ver a mulher como um simples executivo. Ele sempre associa as duas coisas. Nunca esquece que aquele ser humano é uma mulher. Mas de novo: se a mulher for competente e uma boa líder, os homens não têm dificuldade de serem liderados por ela. Eu, pelo menos, não vivi essa experiência.
Então, trazendo essa questão para sua trajetória: quais os principais obstáculos que enfrentou quando chegou ao Pão de Açúcar, no começo dos anos 1990?
O obstáculo contra o qual eu mais lutei para não ser rotulada foi muito mais o fato de ser a filha do dono do que o de ser uma mulher embora quando entrei no Pão de Açúcar pela segunda vez, que foi quando tive um papel mais relevante, a partir de 1991, a empresa fosse muito masculina. Foi só depois da reestruturação do Pão de Açúcar que abrimos muito a companhia, inclusive tendo o objetivo e foco de atrair mais mulheres. Mas na minha trajetória, acho que sempre me preocupei muito mais com a questão de me provar por ser filha do dono do que por ser mulher.
Quando foi para a indústria de energia e de educação essa realidade já era bem diferente, então?
Sim, porque eram áreas completamente diferentes, em que meu pai não tinha atuado. Então a comparação não é tão óbvia. E, além disso, eram iniciativas empreendedoras, sem referências com negócios familiares. Mas você tem razão, quando fui empreender depois de deixar o Pão de Açúcar, eu já tinha uma carreira, uma certa exposição, já tinha conquistado certo respeito dos meus pares. Eu já tinha uma reputação, vamos dizer. Não diria que foi mais fácil, mas foi diferente. Não existia tanto essa preocupação de comparação por ser filha de um grande empresário.
Soube que, nos anos 1990, a senhora sempre pensava em como faria de outro modo aquilo que seu pai estava fazendo. Como a liderança dele a inspirava e em que aspectos divergiam?
Ele me inspirou muito nessa questão de determinação, de garra, de foco, de buscar o sonho grande. Ir atrás do sonho, ir atrás de construir o futuro. É algo em que ele realmente me inspirou demais. Outra coisa que me ensinou foi a mudar de ideia. Apesar de ter essa determinação, garra e foco, ele tem uma capacidade de mudar de ideia e de questionar quando não está tão seguro. Foi outro grande aprendizado: de questionar, questionar e questionar antes de tomar uma decisão mais definitiva. Foram inúmeros aprendizados com o meu pai. Dá para escrever um livro.
E em que pontos vocês eram diferentes?
Acho que tínhamos um pouco de diferença de estilo de gestão. Eu era mais feminina mesmo, nessa sentido de construir a partir da visão de várias pessoas, construir de forma conjunta. Meu pai tinha essa clareza dentro dele do rumo das coisas. Tínhamos também uma diferença de estilo no trato com as pessoas, na forma de interagir com elas. Mas acho que mesmo essa diferença de estilo agora mudou muito. Ele mudou, eu mudei. Então isso está até bem minimizado.
O que a estimulou a se voltar para educação?
Desde adolescente me interessei por educação, quando comecei a perceber as diferenças sociais que existiam no Brasil. Em São Paulo, esse contraste é muito claro, conseguimos sentir andando na rua. Foi despertado em mim lá atrás. Então, trabalhei pela primeira vez com educação no Pão de Açúcar, criando o Instituto Pão de Açúcar. Fazíamos todo um trabalho de educação complementar começando pelos filhos dos nossos funcionários e, mais tarde, ampliamos para a comunidade no entorno das sedes. Depois, quando saí da minha posição executiva no grupo, fundei dois movimentos junto com outros empresários. Um deles é o Todos Pela Educação, que tem cinco metas para serem atingidas até 2022. E o outro é a ONG Parceiros da Educação, que estimula empresários a adotarem escolas públicas do sistema estadual de ensino básico. Temos 160 escolas adotadas hoje, mais de 100 mil alunos. Estamos atuando muito perto da Secretaria de Educação aqui de São Paulo e acreditamos que dá para melhorar bastante as coisas.
Claro, isso além do Instituto Península. Em 2010, quando todos nós da família tínhamos saído das posições executivas da companhia, chegamos à conclusão de que precisávamos de um braço social. Então criamos o Instituto Península, para organizar as iniciativas individuais que cada membro da família tinha nessa área social. O instituto atua hoje também em educação, mas com um foco mais restrito, mais objetivo. Porque a educação é um grande mundo, dá para você atuar de várias formas. E nosso principal foco é a formação de formadores. Dentro do Instituto Península, o principal projeto é o Instituto Singularidades, uma faculdade de pedagogia, letras e matemática para provar que o professor pode ser formado de uma maneira diferente, mais focada na prática da sala de aula.
Na sua opinião, esse é o foco que tem de ser dado para mudar a educação no país?
A educação no país é um grande problema. Ela foi abandonada durante muitos anos, tem uma questão de qualidade gravíssima. Não é um único foco que vai resolver todos os problemas, mas acho que a formação de professores é o pilar central da questão. Todos os países que fizeram reformas significativas Coreia do Sul, Finlândia, Cingapura, Canadá, Austrália tiveram um foco muito forte em formação de professores.
O momento de incerteza econômica pelo qual passa o país, que é bem delicado, e, ao mesmo tempo, as novas regras do Fies, já afetam de forma negativa os negócios da educação?
Fizemos no ano passado um investimento na Anima, um grupo de educação superior que tem várias faculdades em Belo Horizonte, Santos e São Paulo. Não é do Instituto Península, mas da Península, nossa holding de investimentos. E sim, a Anima foi afetada pelas mudanças de regras no Fies. Acho que o programa tinha espaço para melhoras. Tinha uma série de questões que tinham de ser reformuladas mesmo. Mas a forma como foram feitas foi muito, muito ruim. Muito atabalhoada, causou muitos problemas ao setor. Causou problemas para as instituições sérias que atuam nesse mercado.
O ministro Renato Janine foi uma boa escolha para a pasta de Educação?
Ele é uma pessoa que admiro muito. Acredito que tem boas ideias de concepção de educação. Eu o conheço porque é professor da Casa Saber, de que também sou sócia. Conheço as ideias dele, aquilo que ele escreve. Acho que tem um rumo muito bom. O desafio do Janine é a execução, colocar em prática as ideias dele. Sei que ele está procurando conversar com os principais entes de educação, tem conversado com institutos e fundações privadas também. Está procurando entender o ecossistema todo, antes de começar a atuar. Eu acho que, para atuar no Ministério da Educação, tem que ter muita coragem. Porque o que precisa ser feito nós já sabemos, existe certa unanimidade. Mas é necessário ter coragem para executar esse plano.
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