15/04/2015 | 14:17
Por Renato Meirelles
O ano de 2015 traz preocupações algumas delas, maiores que nos anos anteriores. Mas, para refletirmos sobre elas, convém recordar as transformações profundas pelas quais passamos recentemente. Nos últimos 14 anos, período em que estudo o mercado emergente brasileiro, tenho acompanhado de perto as intensas mudanças pelas quais o país passou. O aumento do emprego formal e a alta do salário mínimo acima da inflação fizeram com que milhões de brasileiros saíssem da pobreza e ascendessem a uma nova classe média. Com potencial de consumo mais alto do que o de países como Holanda e Suíça, essa parte da população movimentou R$ 1,2 trilhão no ano passado e se tornou protagonista da economia doméstica do Brasil.
A ascensão econômica dos últimos anos fez com que muitos percebessem que a vida poderia ficar melhor e mais confortável com a aquisição de bens e serviços, até então, considerados inalcançáveis. Exemplo disso são as viagens a lazer só no ano passado, mais de 10 milhões de brasileiros embarcaram em um avião pela primeira vez. Vimos também o acesso à educação se tornar mais fácil. Temos, hoje, em muitos lares, a figura do primeiro universitário da família. Um filho muito mais escolarizado que os seus pais e que vê no estudo a oportunidade de conquistar um futuro mais promissor.
No Brasil, a expansão econômica ocorreu por meio da redução das desigualdades históricas. Quem sempre ganhou menos teve um crescimento de renda maior. A renda da mulher cresceu mais do que a do homem, a do pobre mais que a do rico e a do negro mais que a do branco. As mulheres, especialmente, têm contribuição fundamental nessas mudanças. O forte crescimento do emprego formal feminino colaborou de forma significativa para o aumento do consumo no país. Em 2014, o Brasil alcançou a menor taxa de desemprego dos últimos dez anos. Com mais salário e maior acesso ao crédito, o consumo se democratizou. Por meio de pesquisas realizadas pelo Data Popular, vimos que os brasileiros reconhecem que melhoraram de vida. Mas essa melhora está atribuída, fundamentalmente, ao próprio esforço, e não acompanha a percepção de melhora do país. Embora otimista em relação à própria vida no futuro, a maioria dos brasileiros tem a percepção de que o Brasil como um todo não está no rumo certo.
Economia e inflação, melhoria dos serviços públicos e controle da corrupção são temas centrais, tidos como prioridade para os brasileiros. Atualmente, constatamos em nossas pesquisas que as expectativas, tanto dos empresários quanto dos consumidores, deterioraram-se em comparação às do início do ano passado. Vemos, ainda, um consumidor muito preocupado com o aumento dos preços, enfrentando mais dificuldades para pagar as contas. Nesse cenário desafiador, a tendência é o consumidor levar o ano de maneira contida e, no decorrer dos meses, ir ganhando mais fôlego. Não acredito em retração do consumo. A nova classe média conquistou a ascensão econômica, experimentou marcas de qualidade e não vai deixar de consumir em momentos de crise. Vai é intensificar a procura por descontos e pelo melhor custo-benefício. Por outro lado, vejo o brasileiro mais consciente dos seus direitos, posicionando-se como um consumidor que preza por serviços públicos e privados de qualidade. Vamos viver um período de ajustes. Mas, como todo ajuste quando bem executado , este também poderá trazer benefícios para o futuro do país.
*Presidente do instituto de pesquisa Data Popular
Revista Amanhã on-line – RS