06/04/2015
Adriana Lampert
A baixa satisfação dos brasileiros com os serviços prestados pelos bancos tem levado cada vez mais empresas varejistas a apostar no ramo financeiro. Uma pesquisa realizada pela Proteste Associação de Consumidores dá a dimensão do descontentamento dos clientes com as instituições bancárias. O estudo constatou que 49% dos 3.493 entrevistados tiveram algum problema com as empresas do ramo no decorrer dos últimos 12 meses, principalmente com relação a taxas bancárias, juros e tempo de atendimento. Neste período, o contentamento só atingiu 60 pontos em uma escala de 0 a 100.
Atentas a esse movimento, as grandes redes de varejo no Brasil fisgaram em cheio as classes C e D com a oferta de produtos financeiros . “Essas pessoas se sentem mais à vontade tomando crédito em uma loja onde costumam comprar do que na frente de um gerente de banco”, opina o diretor de Marketing e Relacionamento da Sorocred, Wilson Justo.
Apesar de os juros e taxas serem os de mercado, o diferencial do serviço financeiro realizado por alguns correspondentes bancários é o da proximidade com o cliente, concorda o diretor da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas (FCDL), Vitor Augusto Koch. Ele próprio investiu neste nicho de mercado, implementando o modelo que já funciona há três anos na rede de móveis, eletrodomésticos e ferramentas que administra no Interior do Estado. “A ideia é criar um fluxo maior de clientes dentro da loja. E dá certo: as pessoas preferem pagar suas contas ali, ao invés de enfrentar as filas comuns em bancos.” De acordo com Koch, estas situação gera mais uma oportunidade da equipe de vendas para mostrar produtos e ofertas aos consumidores.
O crédito ajuda na renda das empresas, concorda o presidente da Associação Gaúcha para o Desenvolvimento do Varejo (AGV), Vilson Noer. “Gera capital de giro e é também uma forma para fidelizar os clientes”, completa. O dirigente observa que é muito comum os consumidores irem a uma loja realizar um empréstimo, e acabarem comprando algo. “É um encontro a mais que se propicia”, sinaliza. Não à toa, varejistas gaúchas como a Renner e a Quero-Quero trabalham com produtos financeiros, em paralelo às vendas do que são os carros-chefes das marcas.
A Colombo, por exemplo, investe na diversificação em serviços financeiros por meio da Crediare, que opera, desde 2003, com a concessão de crédito para a compra de eletros e móveis pelos clientes da rede, além de oferecer crédito pessoal e o Cartão Colombo Visa, o qual possibilita que o cliente ainda possa comprar em outros milhares de estabelecimentos de outras marcas, conveniados à bandeira Visa em todo o País.
“O que se percebe hoje em todo o Estado é que, em meio à quantidade de financiamentos feitos por pessoas no varejo, o cartão de crédito e débito ainda têm a maior participação, com 60% das vendas em média”, informa o presidente da AGV. Segundo o dirigente, os outros 40% se dividem em cartões de loja, crédito consignado, crediário próprio, carnês, venda à vista e cheques. Esse filão tem atraído, cada vez mais, o interesse de empresários do varejo, a exemplo da Paquetá, que agora está entrando no segmento de crédito consignado para aposentados e pensionistas do INSS, em parceria com o Bradesco. A expectativa é ampliar a base de clientes dos atuais 3,5 milhões para 3,8 milhões (salto de 8,5%). Desde 2013, a Praticard oferece também crédito pessoal. Nesta modalidade, o agente financeiro é o Banco Renner.
Segundo o diretor da Praticard (administradora de cartões de crédito do Grupo Paquetá), Marino Finger, a empresa segue o mesmo caminho do mercado, que evoluiu do caderno para o crediário próprio, depois para o carnê de pagamento, seguido por limite de crédito, e cartão da loja. “À medida que se vai formando uma base de dados e clientes que compram e pagam parcela na loja mensalmente, se cria uma relação com estes consumidores, e é para suprir suas demandas que a loja vai adequando seus serviços.” Desde 2013, a Praticard oferece também crédito pessoal, modalidade que cresceu 95% em março de 2015, sobre o mesmo período do ano passado. “É um produto que cresce muito”, reforça Finger.
Tendência das redes é ampliar oferta da venda de serviços
Unir a oferta de produtos e serviços será cada vez mais comum no varejo, acredita o diretor da Praticard, Marino Finger. “Uma vez que existam bens para oferecer que demandam de crédito, e que haja cliente sem limites suficientes em bancos e instituições financeiras, as redes com crediário próprio estão aí para suprir esta necessidade.” Finger admite que outro motivo que leva o varejo a optar por ampliar a venda de serviços financeiros, a exemplo do cartão próprio das lojas, é fugir das taxas pagas a cartão de terceiros. “É uma estratégia para melhorar a rentabilidade e os resultados. Mesmo que haja inadimplência vale a pena, pois a perda é menor, desde que se tenha uma boa estrutura de gestão, e ferramentas inteligentes, além de políticas de crédito e de cobrança bem definidas.”
Os canais de distribuição de crédito tendem a aumentar, concorda o diretor de Marketing e Relacionamento da Sorocred, Wilson Justo. Segundo ele, o varejo brasileiro já é o maior vendedor de seguros massificados e crédito pessoal. “A tendência é que estes canais absorvam cada vez mais estes serviços, que originalmente eram bancários.” Na avaliação de Justo, o lojista aumenta a receita quando distribui crédito direto para o consumidor, o que possibilita condições do mesmo concentrar as compras na loja; enquanto o benefício para o consumidor é de acessar o crédito por um canal que ele confie.
Na visão do presidente da FCDL, Vitor Koch, o serviço do correspondente bancário é útil, mas a tomada de financiamentos deve ser evitada. “O juro chega a 342% para o dono do cartão de crédito, caso ele entre no rotativo”, alerta. “Estamos orientando as lojas no Interior para trazerem de volta o sistema de carnê, cobrando juros mais baixos, e atendendo à política de crédito, que possibilita pagamento de até quatro vezes sem juros.” Conforme pesquisa realizada pela Proteste Associação de Consumidores, a maioria das pessoas que contrata empréstimos o faz para quitar outras dívidas, e 18% não sabem o quanto pagam de tarifa para manter suas contas.
Ainda conforme o estudo, dos entrevistados que possuem empréstimo, 31% não fazem ideia de qual seja a taxa de juros que estão pagando pelo crédito. Cerca de 20% das pessoas ouvidas pelo estudo afirmaram que possuem empréstimos entre R$ 2.501,00 e R$ 5 mil, enquanto 19% afirmaram ter contratado empréstimos entre R$ 5.001,00 e R$ 10 mil. No empréstimo pessoal, algumas linhas do mercado chegam a custar até 7,4% mensais (135,53% anuais), acrescenta Justo. “Quando se precisa recorrer a qualquer uma destas modalidades e sentir no bolso o quanto pesa estas despesas extras, é que se percebe como faz falta a educação financeira, que permite planejar antes de gastar. Imprevistos acontecem, mas o consumidor deve estar atento para não se exceder e deixar uma dívida virar uma bola de neve.”
Jornal do Comércio on-line – RS