15/03/2015
CAIO CIGANA
caio.cigana@zerohora.com.br
Há quem destoe do desalento dominante com o país à beira da recessão. Em meio ao pessimismo quase generalizado alimentado por uma série negativa de indicadores e perspectivas , um grupo de empresários mantém seus projetos e anuncia empreitadas: novas fábricas, unidades ampliadas ou mais lojas Brasil afora.
No Estado, onde o quadro tem o agravante do desequilíbrio financeiro crônico do Palácio Piratini, a Sala do Investidor, criada pelo governo gaúcho para facilitar a atração de novos negócios, finalizou na quarta-feira uma atualização da carteira. São R$ 19,9 bilhões em 107 projetos em andamento ou que aguardam trâmites burocráticos para iniciar. O valor representa crescimento de 38% em relação ao saldo de março de 2014 (alta puxada principalmente por projetos de parques eólicos que passaram por leilões de energia). Até 2017, essa centena de empreendimentos deve gerar 19,6 mil postos de trabalhos diretos.
Para nadar contra a corrente, não basta ser possuído pelo espírito animal, estado de ânimo definido pelo britânico John Maynard Keynes criador da escola de pensamento que prega a intervenção do Estado para reverter ciclos adversos da economia para explicar o que impele empresários a arriscar capital.
As empresas que estão investindo passam por situações individuais. Estão aumentando a participação de mercado ou podem ganhar espaço com a desaceleração da economia. Outras têm visão de longo prazo, apostando no crescimento do país em um período maior, ou apenas não podem parar seus projetos no meio observa Aloisio Campelo Junior, superintendente adjunto de ciclos econômicos da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Sondagem da FGV divulgada na última semana confirma que empresas com planos de expansão estão mesmo fora da curva a tendência é de cautela devido ao cenário formado por atividade em marcha a ré, inflação persistente, aumento dos custos de energia, juros altos e, para completar, uma crise política com desfecho imprevisível. Ao questionar 699 grupos industriais de todo o país sobre a intenção para os próximos 12 meses, pela primeira vez desde o início da pesquisa a propensão de diminuir investimentos suplantou a de aumentá-los.
Câmbio na casa dos R$ 3 favorece exportação
Mesmo que a falta de confiança para investir predomine, empresas capitalizadas divisam brechas diante da postura retraída da concorrência.
Geralmente, nestes momentos empresas desmontam suas estruturas, diminuem de tamanho e, quando há retomada da economia, levam mais tempo para atender ao mercado. Se o seu concorrente se desestrutura e você se mantém, é uma vantagem avalia Cláudio Guenther, presidente no Brasil da alemã Stihl, prestes a iniciar um investimento de R$ 306 milhões em São Leopoldo.
Para Clovis Meurer, diretor-superintendente da CRP Companhia de Participações, especializada na prospecção de empresas com capacidade de crescimento, além de situações particulares há setores que ainda podem crescer apesar da economia claudicante. No mercado interno, serviços ligados a saúde, educação e negócios voltados à logística têm grande potencial, avalia o especialista. Com o câmbio na casa dos R$ 3, solucionando uma antiga queixa da indústria, quem vende para o Exterior também pode ter oportunidades.
Toda empresa voltada à exportação tem mais chance de ganhar dinheiro se mantiver seus planos de expansão avalia Meurer.
Motor da expansão
A convicção de que crises são passageiras e de que é crucial estar preparado para atender à demanda quando o mercado se normalizar move a alemã Stihl. A empresa segue em frente no projeto de ampliar a fábrica de São Leopoldo, no Vale do Sinos, para turbinar a produção de cilindros que depois serão exportados para EUA, China e a matriz.
Não é por causa de uma crise que vamos interromper investimentos sentencia o presidente da companhia no Brasil, Cláudio Guenther, lembrando que as vendas da empresa no país, em um sinal trocado ante a economia quase parada, cresceram 19% ano passado.
A nova expansão, orçada em R$ 306 milhões, vai elevar o peso da operação brasileira no grupo. A unidade de São Leopoldo, que já recebeu investimento de R$ 518 milhões entre 2011 e 2014, fornece hoje 72% demanda global de cilindros da empresa, um dos componentes mais importantes dos motores das máquinas e equipamentos que a Stihl produz. Com a ampliação, o percentual subirá para 80%.
Antes de ser confirmado o investimento, a unidade gaúcha concorreu com filiais dos EUA e da China. Os trunfos da operação local, conta Guenther, foram a capacidade de produzir um componente de alta tecnologia aliando conhecimento técnico, custos baixos e pontualidade nas entregas.
A ampliação, programada para estar concluída em 2017, vai agregar 260 novos postos de trabalho aos 2,2 mil existentes hoje em São Leopoldo.
Guenther, presidente da Stihl no Brasil: Não é por causa de uma crise que vamos interromper investimentos
Apetite mundial anima
Altos e baixos não são novidade para a indústria de carnes. Certa de que cedo ou tarde a crise vai passar, a Labema Alimentos, de Seberi, não hesitou em tocar o projeto iniciado em 2013 de construir um frigorífico para abater até 4 mil suínos no município. Com investimento de R$ 100 milhões, a unidade deve estar concluída em até três meses e gerar 600 empregos diretos. Também serão aplicados R$ 30 milhões no sistema de integração, para a produção dos animais que depois serão abatidos.
A tranquilidade em meio à série de sinais indicando que a recessão se avizinha é atribuída às projeções de aumento no consumo mundial de proteína animal, puxado pelos países de maior população.
Vamos viver um momento difícil em 2015 e 2016, mas enxergamos uma recuperação da economia entre o final de 2016 e o início de 2017. Quando sairmos da crise, vamos estar ajustados e tirar proveito. A situação está ruim no Brasil, mas o consumo mundial de carne não tende a cair diz Carlos Favero, diretor financeiro e um dos sócios do empreendimento, negociado com a Sala do Investidor do governo gaúcho.
À espera das habilitações, a Labema projeta exportar até 40% da produção. No mercado interno, com a marca Adelle, a aposta é em um consumidor mais seleto, com cortes especiais e apelo gourmet.
Comércio vê espaço para avançar sobre a concorrência
Beneficiado nos últimos anos pelo aumento da renda e pela fartura de crédito, o varejo é apontado como outro setor a ser abalroado pelos os efeitos da prostração da economia. Juro ascendente, inflação, mercado de trabalho mais fraco e perda da confiança do consumidor formam a receita indigesta que tende a roubar vendas das lojas este ano.
Mas nem todos serão perdedores, avisa Ana Paula Tozzi, sócia da GS&AGR Consultores, especializada em varejo. Para redes capitalizadas, o cenário pode representar oportunidade. Entre as empresas que se dizem preparadas para a turbulência está a Lojas Renner, que deve investir R$ 550 milhões em 2015, cerca de 10% a mais do que em 2014. Apostando na eficiência e na saúde financeira, o grupo gaúcho avalia que poderá tirar proveito da fragilidade de concorrentes no vestuário e ganhar participação de mercado.
Outra varejista gaúcha otimista é a Lojas Colombo. Apesar de ter sentido, nas vendas dos primeiros meses do ano, os efeitos da economia fraquejando, mantém planos de investir R$ 7 milhões para abrir 15 novas lojas em 2015, três a mais em relação a 2014, e de iniciar a construção de um centro de distribuição (CD) em Canoas, orçado em R$ 60 milhões. Crises não são algo novo no país, e a rede não pode postergar planos por este ser um ano de incertezas, diz Rodrigo Miceli Piazer, diretor superintendente da rede.
Em época de crise também aparecem oportunidades. Alguns negócios (outras empresas) podem não ir tão bem e aparecer pontos mais baratos. Não perderemos a chance de abrir loja em um local estratégico exemplifica Piazer.
Na construção do CD, a Colombo também avalia que poderá tirar proveito da conjuntura. Com a atividade da construção civil desacelerando, Piazer vê boas possibilidades de conseguir com a empreiteira a ser escolhida melhores condições para erguer a obra.
É um movimento que não podemos pausar, não dá para ficar no meio do caminho justifica Piazer.
O aumento da Selic, usado pelo Banco Central para tentar debelar a inflação, forçou algumas mudanças na estratégia. Com custo de financiamento mais alto, a Colombo vai optar por usar um poucos mais dos recursos do caixa. Mesmo com o desempenho de janeiro e fevereiro abaixo do mesmo período do ano passado, a companhia mantém o otimismo. Sem considerar os resultados das novas operações, a meta é fechar o ano com alta de pelo menos 10% nas vendas.
Como em 2009, um dos efeitos de uma grande crise é a queda dos preços dos ativos. Pode ser oportunidade de compra ou de aluguel de imóveis. Pessoas bem preparadas também vão estar mais disponíveis no mercado. Não veremos aquela guerra por talentos como nos últimos anos diz Ana Paula, da GS&AGR.
A consultora alerta que tendem a se dar mal redes endividadas, que terão de sacrificar boa parte da rentabilidade para pagar bancos. São essas empresas que darão espaço para grupos com finanças mais sólidas.
Aceleração mantida
A venda de carros despenca no país, mas a Nexteer Automotive promete não dar guinada no projeto de expansão. Com investimento de R$ 57 milhões, a empresa de origem americana e capital chinês vai passar a produzir colunas de direção elétrica para automóveis de passeio na fábrica de Porto Alegre. Os motivos? A visão de como será o mercado nos próximos anos e a necessidade de mudança de tecnologia dos veículos por questões regulatórias.
Temos de investir pensando no que vai acontecer lá por 2016, 2017. As turbulências nos preocupam, mas esperamos que o mercado se recomponha. No nosso caso, também está ocorrendo uma mudança de sistemas hidráulicos para elétricos devido ao Inovar Auto diz Jeferson Félix de Oliveira, diretor de vendas da empresa, referindo-se ao programa de incentivo à inovação na indústria automobilística criado pelo governo federal que, entre outras metas, tenta fazer os automóveis brasileiros serem mais eficientes no consumo de combustível.
Com a economia trôpega, a fabricante de sistemas de direção e eixos homocinéticos considera 2015 um ano perdido. Mesmo assim, enquanto o mercado retraído leva a demissões nas montadoras e fabricantes de autopeças, na Nexteer a temporada é de contratações.
Com o pé no fundo no projeto, estamos contratando principalmente funcionários qualificados. Somos uma das poucas empresas do Rio Grande do Sul admitindo engenheiros automotivos exemplifica Oliveira.
A empresa conta hoje com 150 colaboradores. Com a expansão, vai chegar a 250. Entre os recrutados, estão a engenheira de produção Ana Roberta Braz, 28 anos, e Guilherme Antonio Fava, 32 anos, prestes a se formar em engenharia mecatrônica. Enquanto Ana atua na área de compras, garimpando fornecedores de componentes para a futura linha, Fava tem a tarefa de conciliar as especificações do novo produto enviadas pela matriz e as necessidades dos clientes. Ambos vieram de outra indústria de autopeças, em situação inversa à da Nexteer.
Costumamos dizer que a empresa está na contramão do mercado lembra Fava, lembrando que outras indústrias do setor voltaram a recorrer a demissões e redução de jornada de trabalho.
Muitos conhecidos ligam perguntando se há vagas completa Ana.
Um contrato de 26 anos
Os conceitos de tempo são diferentes para as empresas de base florestal, dependentes do ciclo das árvores, que em média levam um período de oito anos do plantio ao corte.
Para nós, curto prazo é de 14 anos, médio, 28, e longo, 50 anos. Não podemos nos ater a momentos da economia para crescer ou investir diz Otávio Guimarães Decusati, diretor-presidente da Tanac, de Montenegro.
Sem precisar colocar nos cálculos as perspectivas pouco animadoras da economia brasileira, a companhia deu largada em dezembro a um investimento de R$ 150 milhões para construir em Rio Grande uma fábrica de pellets de madeira, espécie de biocombustível feito com madeira triturada e compactada. A unidade, que terá capacidade para 400 mil toneladas por ano e deve ficar pronta em meados de 2016, foi viabilizada por um contrato de fornecimento de 26 anos com a britânica Drax. A empresa vai trocar o carvão pela biomassa produzida no Estado para gerar energia em suas usinas.
O projeto em Rio Grande, cidade abalada pela borrasca no setor naval, também vai multiplicar benefícios para mais indústrias gaúchas.
Temos orgulho de dizer que 90% dos equipamentos desta fábrica são nacionais, comprados no Rio Grande do Sul ressalta Decusati.
Zero Hora – RS