13/03/2015 às 05h00
Por Adriana Mattos | De São Paulo
O site é desconhecido, e nas páginas de ofertas na internet, vende eletrônicos por até US$ 1,2 mil que custariam pelo menos 50% a mais. Nas opções de meio de pagamento, não está o paypal, um dos sistemas mais seguros do mercado. O consumidor desconfia, mas vê a promoção dentro de um portal do Alibaba, um dos maiores shoppings virtuais do mundo, e fecha negócio ele e mais alguns milhares de clientes. Em dois anos, cerca de US$ 6,6 milhões foram embolsados por cerca de 2.200 lojas estelionatárias que criavam ofertas fictícias de eletrônicos nos sites do Alibaba para enganar clientes. Após a descoberta dos golpes, em 2011, um esforço público foi feito (dois diretores do Alibaba deixaram a empresa), para demonstrar que a companhia estaria apertando controles internos nos últimos anos. Até que, no início de março, vazou a informação de que vendedores em sites do Alibaba estavam tentando enganar o próprio site. O Alibaba hospeda em seus sites lojas de varejistas e cobra por isso. Alguns vendedores pagavam pessoas para que forjassem compras em suas lojas online e, com isso, essas lojas passavam a ter maior destaque nas páginas. Em 3 de março, no dia seguinte à publicação da notícia, as ações do Alibaba atingiram seu pior preço (US$ 80,38) desde a oferta pública de ações na bolsa de Nova York em 19 de setembro, quando encerrou o pregão em US$ 93,89. Ser parceiro de varejista na China, ainda considerado o país das bugigangas vendidas a centavos com alguns milhares de pequenos lojistas espalhados pelo país é risco sério de dor de cabeça. Hospedar esses parceiros em suas páginas (na visão do consumidor, dando aval à eles) acabou obrigando o Alibaba a se posicionar mais duramente contra a farra das fraudes online. Para defender a credibilidade do negócio, antes e após a entrada de investidores no grupo por meio do IPO (pelo menos 40 fundos se tornaram sócios), a companhia tem se armado de novos controles para, pelo menos, tentar reduzir riscos. Entre ações já investigadas estão, por exemplo, venda de produtos falsificados e de mercadorias em mau estado e a não entrega de itens vendidos. O grupo opera com as marcas Aliexpress (atacado e varejo no mundo) e Taobao.com (atacado e varejo só na China) e Alibaba (venda entre empresas). Para deixar claras as medidas que têm tomado para rastrear e penalizar fraudadores, o Alibaba passou a tornar mais públicas essas ações. “Eles estão respondendo a uma pressão maior do mercado. A questão central é que a origem dos problemas de fraude está na premissa do negócio, de criar um canal de venda para pequenos vendedores. Por mais que tentem avançar nos controles, há limites até onde dá para ir. Às vezes, é como enxugar gelo”, diz Roberto Wajnsztok, CEO da consultoria para mercado digital Origin5. “Estamos comprometidos a superar esse problema”, diz David Ho, advogado e assessor jurídico da empresa na China, em entrevista ao Valor oferecida pela empresa para detalhar as suas ações antifraude. “Essa imagem [de um país que fere leis de propriedade intelectual] afeta a empresa enquanto representante do ecommerce na China […] As pessoas tendem a pressupor que as nossas plataformas toleram essas infrações. Isso não é verdade”. Pode não ser verdade, mas exige da empresa usar lupa para procurar agulha em palheiro. Para se ter uma ideia do problema, em 2013, investigações policiais com apoio do Alibaba levaram ao fechamento de 200 lojas físicas, fábricas e armazéns (e prisão de 400 suspeitos). É só a ponta do iceberg num varejo com alguns milhões de lojas de ruas, boa parte delas vendendo nos sites do grupo. E são todos números superlativos. O Alibaba tem cerca de 255 milhões de compradores ativos, 8 milhões de vendedores (a Amazon tem 2 milhões) e emite 12,7 bilhões de tíquetes de venda ao ano. Apenas de julho a setembro de 2014, faturou US$ 4,2 bilhões. “Eles cresceram muito e abriram a ‘porteira’. Agora estão tendo que se adequar às regras de mercado. E isso não terminou, porque ainda terão que se adaptar às leis de direito do consumidor de cada país onde atuam”, diz Wajnsztok. De acordo com Ho, 2 mil empregados (7,5% do total) trabalham na área de ações antifraudes. Trezentas pessoas estão sendo contratadas para reforçar a equipe. Na China, o Alibaba cooperou com a polícia local em cerca de mil casos de fraude em 2013. Segundo Ho, em quase dois anos, de janeiro de 2013 a novembro de 2014, o grupo investiu cerca de US$ 160 milhões contra a pirataria e na proteção dos direitos do consumidor ou US$ 80 milhões anuais. O volume de investimentos do grupo é estimado em US$ 800 milhões em 2014. Ho disse que o primeiro sistema de notificação de infrações à propriedade intelectual foi adotado em 2002 no Alibaba.com (três anos após a sua criação) “em resposta a uma demanda da comunidade internacional por melhorias no sistema de proteção à propriedade intelectual”. Sete anos depois, o sistema foi instalado no AliExpress, e em 2011, no Taobao. É um modelo que só funciona se clientes ou empresas, dona das marcas e produtos, fizerem as denúncias. Eles precisam criar contas no AliProtect e no TaoProtect para pedir a investigação. São necessárias três infrações para que haja exclusão na rival Amazon, em certos casos uma primeira falha pode levar à expulsão do comerciante. “Após a primeira infração, o vendedor recebe mais informações sobre as infrações. Se ocorrer uma segunda infração com um produto diferente, o caso é encaminhado e pode levar à exclusão da conta do vendedor”, diz. “Atualmente, adotamos uma política de “três infrações levam à exclusão.” A empresa pode excluir só o produto denunciado e, em certos casos, adota a política de “divulgar e constranger o vendedor publicamente”. A loja acusada tem até três dias para rebater as alegações. “Nós acreditamos que muitos vendedores simplesmente não têm informações suficientes sobre o que é uma infração”, afirma. “Muitos dos são donos de pequenas empresas com pouco conhecimento sobre restrições a produtos falsificados”. Parece difícil acreditar que há lojas que não veem problemas em vender uma bolsa falsa, mas Ho fala que cerca de 25% dos vendedores denunciados no AliProtect são “desinformados” e após serem notificados, não cometem mais a infração. A maioria, portanto, sabe e vende de forma ilegal. Sobre a atuação no país, a companhia diz já ter recebido denúncias sobre empresas no Brasil listadas no Alibaba.com, mas as informações obtidas não levaram à condenação até o momento. “O Brasil segue o mesmo procedimento dos outros países. Nós já trabalhamos com marcas brasileiras que denunciaram infrações por meio do AliProtect para ajudar a remover listagens de produtos falsificados das nossas plataformas internacionais”. De certa forma, o Alibaba deixa entender que apenas ele não pode ser envolvido nessa caça aos fraudadores. “As infrações não são um problema exclusivo do grupo. Esta é uma questão global. É também importante que consumidores online no Brasil e em outros países sejam responsabilizados por suas compras”, diz Ho. É algo que gera controvérsias no setor. Há analistas que entendem que está não é uma questão a ser levada aos consumidores, uma vez que a seleção dos vendedores é feita pelos sites.
Valor Econômico – SP