18/02/2015 05:00
Por Lucinda Pinto e José de Castro
Os investidores assistiram na última semana a uma forte e abrupta disparada da cotação do dólar, que surpreendeu muitos analistas e gerou, inclusive, a revisão das projeções de algumas variáveis econômicas, como inflação e juros. O ganho do dólar está em 5,30% neste mês e chegou a ser de quase 7% até quarta-feira, dia em que a moeda americana atingiu a máxima em mais de 10 anos, ao superar R$ 2,88 nas operações intradia. Esse movimento gera ruído e desconforto, porque afeta o custo de quem tem crédito ou posições financeiras em dólar.
Mas, pelo menos por enquanto, não reflete uma corrida dos ativos brasileiros, algo que se pareça com uma fuga de capital. O movimento parece mais com o tal “ajuste cambial”, previsto por muitos analistas e desejado como instrumento capaz de corrigir o déficit externo do país, de 4,17% do PIB. O que está em jogo nesse movimento é a percepção do quanto vale o real. Se o país cresce pouco, terá um volume menor de investimentos e, portanto, atrairá menos capital. Além disso, se há incertezas sobre questões fundamentais, abastecimento de água e energia e também sobre o futuro de sua maior companhia, a Petrobras, a decisão de investimento fica, no mínimo, adiada.
Com a perda de valor das commodities, que dominam a pauta exportadora do país, a balança comercial também tende a gerar um fluxo menor de dólares. Quando se pensa em diferencial de juros, a perspectiva de que os EUA comecem a subir seu juro coloca em xeque o nível de atratividade dos ativos brasileiros. Esse conjunto de fatores indica que o real tem de valer menos que o dólar. É esse ajuste que está em curso. Confirma essa leitura, de que a desvalorização do real não se trata exatamente de fuga de Brasil, o desempenho do fluxo cambial, que ficou positivo em US$ 823 milhões na primeira semana de fevereiro, período em que o dólar subiu nada menos que 3,30%. No ano, o saldo é positivo em US$ 4,726 bilhões, bem maior que o superávit de US$ 1,657 bilhão registrado um ano antes. O fluxo firmemente positivo em 2015 contrasta com a desvalorização de 4,25% do real ante o dólar no ano até a semana passada.
Desde o início do ano, investidores têm mostrado mais ceticismo com as expectativas para o fluxo, sobretudo pelas incertezas no plano doméstico, em meio à crise da Petrobras e à baixa atividade no mercado de captações externas. A leitura geral é que o fluxo tende a seguir fraco, mas não muito pior que o esperado, tanto pelo aumento da liquidez no mundo quanto pela perspectiva de recuperação do fluxo comercial, em boa parte pela alta do dólar. No caso específico da Bovespa, o ingresso de recursos externos supera as saídas em R$ 1,241 bilhão no mês de fevereiro, até o dia 11, e em R$ 2,816 bilhões no ano.
Uma outra medida que não só capta o sentimento do investidor com relação ao custo interno do dólar como também mensura a perspectiva de fluxo é o cupom cambial. O cupom cambial costuma ser visto como a variável que espelha o juro em dólar. Portanto, sua taxa tende a subir quando há uma forte demanda pela moeda no mercado à vista por exemplo, durante o fim do ano, quando aumentam as saídas de recursos para remessas de lucros e dividendos.
A medida do cupom cambial na BM&F é a taxa do “forward rate agreement” (FRA), que, apesar da alta recente, ainda está em níveis considerados historicamente baixos e bem aquém de máximas alcançadas mais recentemente, como em novembro e dezembro, quando sazonalmente o Brasil sofre com saídas líquidas de dólares. A taxa do FRA para janeiro de 2016, por exemplo, era cotada na sexta-feira a 2,39%, com queda em relação ao ajuste de quinta, de 2,42%. A queda se deu a despeito da alta do dólar, que chegou a superar 1% nas operações de sexta.
A taxa do FRA para janeiro de 2016 está abaixo do nível em que começou este ano, de 2,63%. Em 18 de novembro, quando o Brasil já sofria com saídas de recursos devido ao fim de ano, o FRA chegou a ser cotado em 3,04%. A título de comparação, a taxa do FRA de prazo equivalente terminou 2008 auge da crise financeira global, que fechou os canais de crédito do mundo e provocou saídas de bilhões de dólares do Brasil em 5,25%.
Valor Econômico – SP