30/01/2015 às 05h00
Por Nick Timiraos e Kris Hudson | The Wall Street Journal, de Woodinville, Washington
Há cinco anos, a empresa imobiliária Quadrant Homes buscou atrair consumidores preparados para comprar seu primeiro imóvel com casas a partir de US$ 259 mil e o slogan “Mais moradia, menos dinheiro”. Mas com a classe média americana cada vez mais endividada e com o aumento dos preços de terras, a Quadrant decidiu trocar aqueles compradores da primeira casa por clientes que não têm problemas de crédito e estão dispostos a gastar. Agora, a empresa constrói casas com tetos abobadados e cozinhas de luxo que foram vendidas no ano passado por um preço médio de US$ 420 mil. “Fizemos muita pesquisa de mercado para descobrir que nosso modelo não ia funcionar”, disse Ken Krivanec, diretor-presidente da Quadrant. O surgimento de uma economia dividida nos Estados Unidos, na qual as famílias mais ricas continuam prosperando, enquanto os americanos de classe média e baixa ainda enfrentam dificuldades, está reconfigurando todo tipo de mercado, de imóveis a roupas, passando por alimentos e cerveja. “É um conto de duas economias”, diz Glenn Kelman, diretor-presidente da Redfin, corretora imobiliária de Seattle que opera em 25 Estados. “Há um mercado de alto padrão que está florescendo. E então existe a classe média, que não tem expectativa de um aumento de salário.” A recessão causou erosão nas finanças de todas as famílias americanas e pôs fim a um período de várias décadas de crédito fácil para a classe média. Os padrões americanos de consumo depois da recessão revelam por que muitas das empresas americanas estão se reorientando para atender consumidores de alta renda, diz Barry Cynamon, economista da regional de St. Louis do Federal Reserve, o banco central americano, que estudou o assunto. A média de gastos por domicílio entre os 5% das famílias americanas com maior renda ajustada pela inflação subiu 12% entre 2009 e 2012, segundo os dados mais recentes. No mesmo período, os gastos das demais famílias caíram 1% por domicílio, segundo Cynamon, acadêmico visitante do Centro para Estabilidade Financeira das Famílias do Fed, e Steven Fazzari, da Universidade Washington, de St. Louis, que publicaram os resultados da pesquisa no ano passado. A recuperação do consumo depois da recessão “parece ter sido, em grande parte, provocada por consumidores de alta renda”, disse Cynamon. Ele e Fazzari descobriram que os 5% das famílias mais ricas dos EUA representaram cerca de 30% do consumo em 2012, em comparação com os 23% registrados em 1992. Não é de se estranhar, então, que os varejistas que se concentram na classe média, como J.C.Penney, Sears e Target, estejam em dificuldades. “O consumidor não voltou com a confiança que estávamos esperando”, disse o diretor-presidente da Macy’s, Terry Lundgren, a investidores no ano passado. Já o varejo de luxo atravessa uma fase de bonança. “Nossos clientes estão confiantes e são otimistas sobre a economia em geral e, especificamente, sobre suas finanças”, disse, em dezembro, Karen Katz, diretora-presidente da rede de lojas de departamentos Neiman Marcus Group. A empresa registrou receita de US$ 4,8 bilhões em 2014, comparado com US$ 3,6 bilhões em 2009. A receita de redes de hotéis de luxo como a St. Regis e a Ritz-Carlton cresceu 35% no ano passado em relação a 2008, segundo a firma de pesquisa de mercado STR Inc. A receita de redes menos sofisticadas, como a Best Western e a Ramada, caiu 1%. Nos supermercados, a recessão e suas consequências impulsionaram as vendas de marcas econômicas. No segmento de alto padrão, o Whole Foods Market Inc. registrou um recorde de vendas por metro quadrado bruto no ano passado. “A demanda se bifurcou”, disse Jason Green, diretor-presidente do Cambridge Group, empresa de estratégia de crescimento que é parte da Nielsen NV. “Produtos que minha família de classe média costuma ter na despensa estão sob pressão significativa.” A mudança é aparente até no consumo de bebidas alcoólicas. As vendas de cervejas do segmento “premium” subiram 16% desde 2007, depois de reajustadas pela inflação, enquanto as vendas de marcas econômicas cresceram 8%, segundo a empresa de pesquisas Euromonitor International. As vendas de cervejas de preço médio caíram 1%. A tendência atingiu as montadoras de veículos há alguns anos, quando o antigo diretor-presidente da BMW AG, Helmut Panke, descreveu o mercado americano como uma ampulheta: muita demanda por marcas econômicas e de luxo, mas pouca no segmento intermediário. O mercado imobiliário ilustra como a fraqueza da classe média esfria os motores da economia americana. A compra de um imóvel residencial repercute em outros setores econômicos ao gerar gastos com eletrodomésticos, móveis e jardinagem, entre outras atividades. Em 2014, pela primeira vez, os construtores americanos venderam mais casas com preço acima de US$ 400 mil do que aquelas abaixo de US$ 200 mil. As vendas totais no ano passado, contudo, subiram só 1% ante 2013, ficando mais de 50% abaixo da média registrada entre 2000 e 2002, antes da bolha imobiliária. As construtoras elevam seus lucros vendendo mais casas de preços elevados. Mas menos construções significam menos novos empregos e queda no consumo em geral. As famílias jovens estão comprando menos casas em função do difícil mercado de trabalho. Muitos potenciais compradores não conseguem economizar o suficiente para a entrada nem ganham o suficiente para se qualificar para uma hipoteca. Uma família típica, por exemplo, precisaria de cerca de US$ 60 mil em dinheiro para dar uma entrada de 20% em uma casa nova de preço médio nos EUA. Para se qualificar para uma hipoteca, um comprador precisaria de bom crédito e ter uma renda anual de cerca de US$ 45 mil, considerando que a dívida familiar seja baixa. Nesse exemplo, um empréstimo garantido pelo governo exigiria uma entrada de US$ 11 mil, mas a renda anual teria que ser de US$ 60 mil. Lisa e Nathan Trione desejam comprar uma casa em Denver que seja grande o suficiente para seus cinco filhos. Mas há pouca oferta dentro do orçamento da família: um máximo de US$ 250 mil. “O processo é intimidante”, diz Trione, uma assistente de advogados e gerente de escritório de 28 anos. “E aí você vê um preço enorme e conclui que não está preparada para fazer isso agora.” Trione também tem uma dívida que fez para pagar a universidade. Com menos clientes potenciais, as construtoras abandonaram em grande parte o segmento de casas para famílias de renda mais baixa. “Se uma construtora puder ganhar dinheiro com algo, ela vai construir. O problema é que elas não ganham dinheiro com casas baratas”, diz John Burns, consultor especializado nesse setor. Com as vendas caindo em 2009, a Quadrant contratou uma consultoria que concluiu que mais compras seriam fechadas se ela construísse mais imóveis de luxo. Para atender mais compradores de alto padrão, a Quadrant abriu um estúdio de design dois anos atrás que permite que os compradores escolham entre dezenas de armários, bancadas, azulejos e pisos. Alguns novos compradores gastam quase duas vezes mais nesses aprimoramentos, informa a empresa, o que eleva o lucro das vendas das casas. Esse tipo de luxo atraiu Nick e Adriana Stoll, que acabaram de comprar uma nova casa de quatro quartos por US$ 579 mil. Os Stolls customizaram quase todos os recursos e acabamentos. “Sou o tipo de consumidor que toma decisões rápidas”, diz Nick Stoll. “Mas quando o assunto é sua casa, bem, nós analisamos 100 tipos de bancadas durante uma hora”, disse ele. O diretor-presidente da Quadrant, Krivanec, diz que não vê um retorno ao modelo antigo de sua empresa. Existem muitas pessoas com bons salários na área em empresas como Boeing, Amazon e Microsoft que mantêm as vendas, mesmo com a construção de menos casas.
Valor Econômico – SP