29/01/2015 – 05:00
Por Tim Bradshaw e Charles Clover
O que ainda é possível fazer depois que se consegue o trimestre mais lucrativo de sua história? Essa é a questão que agora paira sobre a Apple.
A popularidade dos iPhones maiores e o sucesso na China ajudaram o grupo americano a contabilizar um lucro líquido de US$ 18 bilhões sobre vendas de US$ 75 bilhões no trimestre encerrado em dezembro, superando as expectativas do mercado em praticamente todos os aspectos.
É o quarto trimestre consecutivo em que a Apple passa por cima das estimativas de Wall Street, um retorno ao costume que a fabricante do iPhone havia deixado de ter durante a maior parte de 2013. Ontem, quando os mercados abriram, a ação da empresa era negociada sob alta de 7%.
Como dizem os anúncios do iPhone 6, o trimestre foi “Grande. Em tudo”. Além dos bons números, Tim Cook, diretor-presidente da empresa, pôs fim aos receios dos investidores sobre o espaço de crescimento que ainda resta para o iPhone; a capacidade de produção da empresa, depois da série de reclamações sobre aparelhos que se entortavam; e a habilidade para enfrentar concorrentes como a Samsung e a chinesa Xiaomi.
Com as ações voltando a se aproximar de seu recorde, a Apple depara-se com o desafio ainda maior de corresponder às expectativas que a própria empresa fez chegar às alturas. Nas negociações depois do horário regular, após o anúncio dos resultados na terça-feira, as ações haviam subido 5,7%, para US$ 115,40. O preço recorde é US$ 119,75.
O trimestre das festas de fim de ano sempre é o mais lucrativo e, como fez nos anos anteriores, a empresa projetou queda na receita para o período seguinte. Para o atual trimestre, a previsão é de queda para algo entre US$ 52 bilhões e US$ 55 bilhões. Isso significa que cerca de 55 milhões de iPhones serão vendidos no trimestre, segundo o analista Jan Dawson, especializado em telecomunicações, “o que ainda será o segundo melhor trimestre deles na história”.
No ano passado, a esta altura, a Apple decepcionava ao não conseguir produzir um número suficiente de unidades do iPhone 5s. A escassez de oferta acabou limitando as vendas. Cook, que comandava as operações da cadeia de abastecimento antes de tornar-se diretor-presidente, aprendeu com o erro: a Apple vendeu quase todos os 74,5 milhões de iPhones que seus fornecedores remeteram no trimestre passado – e ainda há consumidores esperando na fila.
“Uma das coisas que eles fizeram surpreendentemente bem neste trimestre foi atender à vasta maioria da demanda”, disse Dawson, fundador da Jackdaw Research.
Para muitas empresas de tecnologia, ampliar o mercado de um produto é algo que só se consegue em detrimento do preço ou das margens de lucro. Não para a Apple, cuja margem bruta aumentou para o maior patamar desde 2012, com a melhora no desempenho da linha de produção. Os iPhones tiveram um preço médio de venda recorde de US$ 687, uma alta de US$ 50 em relação ao mesmo período de 2013 e quase o dobro que o de seus concorrentes.
Analistas atribuem grande parte da continuidade da popularidade do iPhone à demanda acumulada por telefones com telas maiores, que até setembro eram oferecidos apenas por marcas como a Samsung, que usa o sistema operacional Android, do Google. O iPhone 6 e o ainda maior iPhone 6 Plus atraíram um número recorde tanto de ex-usuários do Android quanto de compradores de primeira viagem de telefones da Apple, disse Cook na teleconferência sobre o balanço, na terça-feira.
Popularidade dos iPhones maiores e sucesso na China levaram a um lucro de US$ 18 bilhões
De acordo com Carolina Milanesi, diretora de análises na Kantar Worldpanel ComTech, 12,5% dos clientes europeus do iPhone no trimestre encerrado em dezembro eram usuários do Android que trocaram o sistema por um Apple, uma parcela que aumentou em relação ao mesmo período de 2013.
A força da Apple, no entanto, não se explica apenas pelas telas maiores, diz Milanesi. “Você ainda tem o iPhone 5c e 5s entre os dez aparelhos mais vendidos em diferentes mercados”. Esses aparelhos, com mais de um ano de lançamento, são vendidos com desconto em relação aos mais novos, o que permite à Apple atrair outros clientes sem precisar lançar um iPhone “barato”, algo que poderia diluir a força da marca.
C.K. Lu, que analisa o mercado de telefones celulares da China para a empresa de pesquisas Gartner, diz que a Apple vendeu tão bem lá “porque é uma marca premium, e uma marca premium com pouca concorrência no mercado”. Ele acrescenta: “Há uma idolatria por marcas de luxo na China – se você vai dar um presente à sua namorada, você vai dar um iPhone”.
A troca de presentes no Ano Novo Lunar chinês, em fevereiro, deve garantir que as vendas do iPhone continuem altas no atual trimestre fiscal, que termina em março.
Espera-se que o lançamento do relógio inteligente Apple Watch, em abril, dê um impulso adicional – nem que seja apenas por representar mais um motivo para os donos de iPhone continuarem na família da marca. O acessório vai custar mais de US$ 350 e só funcionará se o usuário tiver um iPhone.
Outro serviço para encorajar a lealdade da marca é o Apple Pay. Dois em cada três pagamentos sem fio nos Estados Unidos são feitos por meio de um iPhone e Cook deu sinais de que o aplicativo de carteira digital poderia em breve estar disponível em mais países.
“Não passa um dia sequer sem que eu receba recados de várias empresas de fora dos EUA querendo o Apple Pay, tanto bancos quanto varejistas”, disse. “2015 será o ano do Apple Pay”.
Enquanto recebia perguntas de analistas sobre como sustentar o crescimento, Cook disse que se sentia “incrivelmente” otimista quanto às perspectivas da Apple. “Entres os que trocam [de marca para Apple] e as pessoas que são novatas em smartphones e escolhem um iPhone e as atualizações […] nos sentimos muito bem quanto ao que teremos pela frente”, disse. Tal confiança poderia sair pela culatra, caso o entusiasmo em Wall Street comece a superar a capacidade da Apple de cumprir as expectativas. “Quando eles começam a ir bem, todos passam a esperar milagres”, alerta Dawson.
De qualquer forma, especialistas acham difícil prever quando a Apple poderia ter algum escorregão. “O ímpeto deles é incansável”, diz o analista Geoff Blaber, da CCS Insight. “Tenho dificuldade para imaginar quando eles poderiam cair”.
Valor Econômico – SP