A queda de 11,4% do real ante o dólar em termos nominais em 2014 certamente ajudou a aproximar a taxa de câmbio do chamado “nível de equilíbrio”, aquele que, em tese, mantém relativamente estável o passivo externo. Mas a taxa ainda está a uma distância importante do “ótimo”, considerandose alguns modelos de cálculos.
Segundo analistas, tal desalinhamento não pressupõe necessariamente um ajuste à frente, que só deve ocorrer se o governo resolver problemas de competitividade que permeiam a cadeia econômica. A alta do dólar no exterior ajuda a ajustar o câmbio, mas é insuficiente, já que o fortalecimento da moeda americana atinge outras divisas de países que disputam com o Brasil espaço no comércio de bens e serviços. O conceito de taxa de equilíbrio tem variações de acordo com os modelos utilizados pelas instituições financeiras.
Algumas tratam a taxa de equilíbrio como aquela que coloca o déficit em transações correntes em um determinado ponto que estabiliza a dívida bruta. Outras preferem o conceito segundo o qual a trajetória de piora nas transações correntes é estabilizada. O sócio e economistachefe do Modal, Alexandre de Ázara, diz que o câmbio deveria estar na casa dos R$ 3,00 por dólar para reequilibrar as contas externas. Ele calcula que esse nível seria suficiente para colocar o déficit em conta corrente entre 2% e 2,5% do PIB, ante os 4,05% em 12 meses registrados até novembro e os 3,8% previstos para 2015 pelo Banco Central. “O dólar já está em torno de R$ 2,70, com inflação de mais de 6%. Uma alta adicional da moeda pressionaria ainda mais a inflação. A saída talvez seja reduzir o câmbio de equilíbrio com uma maior credibilidade na política econômica”, diz. Segundo ele, o atual nível de R$ 2,70 seria a taxa de equilíbrio há três meses, quando a moeda americana estava em torno de R$ 2,35. Mas, desde então, o preço do minério de ferro, um dos principais produtos da pauta de exportação brasileira, se depreciou cerca de 14%, enquanto o barril do petróleo recuou mais de 40%.
Com isso, houve piora significativa nos termos de troca, que medem a relação entre preços de exportação e importação. Entre setembro e novembro, esse indicador recuou 3,73%, aumentando a queda acumulada em 12 meses a 5,9%, segundo dados da Funcex. O Goldman Sachs vê uma taxa de equilíbrio ainda mais alta, entre R$ 3,10 e R$ 3,20 por dólar, para trazer o déficit em conta corrente para algo mais próximo de 2,5% do PIB. Ou seja, com base nessas estimativas, a moeda brasileira estaria sobrevalorizada em até 18% em termos nominais. O chefe de pesquisa econômica do banco na América Latina, Alberto Ramos, lembra a necessidade de um menor ativismo no câmbio para permitir que o real supere sua “perene sobrevalorização” e se aproxime de seu equilíbrio. A definição da taxa cambial de equilíbrio está bastante ligada a fatores domésticos, mas as variações em taxas de câmbio e de juros no exterior também influenciam seu cálculo. Por isso, o economista da Rosenberg Associados Rafael Bistafa chama atenção para a necessidade de medidas do lado doméstico para reduzir o desequilíbrio. Ele cita a ênfase que o novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem dado ao aumento da poupança interna, que poderia ser utilizada para investimentos produtivos, reduzindo gargalos e melhorando a competitividade da indústria. “O aumento da poupança doméstica reduziria a pressão nas transações correntes. Com menos déficit nessa conta, você reduz a taxa de câmbio necessária para equilibrar o balanço de pagamentos. Por isso o aumento da poupança doméstica é muito importante para rebalancear a relação câmbio/conta corrente”, afirma Bistafa. De acordo com os mais recentes dados do Banco Central, a taxa de câmbio real efetiva do Brasil em relação a seus 15 principais parceiros comerciais fechou novembro, dado mais recente, 25,5% sobrevalorizada ante o nível de dezembro de 2004. Era quando o país começava a se beneficiar dos efeitos da desvalorização ocorrida anos antes e da melhora nos termos de troca, na esteira da alta nos preços das commodities.
Pelos números do Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) no mesmo intervalo, o real é a quarta moeda mais sobrevalorizada num conjunto de 61, atrás apenas da Venezuela, Filipinas e China. A moeda brasileira se apreciou 44% desde dezembro de 2004 diante de uma cesta de moedas, estando muito mais fortalecido do que as divisas de outros importantes exportadores de matériasprimas, como Austrália (cuja moeda está 14% apreciada), Rússia (+17%), Colômbia (+16%), Chile (+2%), Canadá (+1%) e Nova Zelândia (+4%). As divisas da África do Sul e da Noruega, outros grandes exportadores de commodities, estão 28% e 7% depreciadas ante dezembro de 2004, sempre em relação às cestas de moedas.
Em outro modelo, rodado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), o desalinhamento cambial médio do real ficou em 17,9% no acumulado dos três primeiros trimestres de 2014. Esse desequilíbrio era ainda maior do que os 13,7% de 2013. De acordo com o diagnóstico da FGV, o câmbio está desalinhado no Brasil desde pelo menos julho de 2009.
O coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada na Escola de Economia da FGV, Emerson Marçal, explica que, como a pesquisa foi feita com base apenas em números oficiais, entre os quais o PIB, que sai com defasagem, o levantamento considerou o dólar em torno de R$ 2,40 ou seja, não captou ainda a valorização da moeda para cerca de R$ 2,70 ocorrida em dezembro.
Ainda assim, Marçal diz que a depreciação cambial ocorrida no período apenas reduziu o descompasso. “[A taxa de] R$ 2,70 ainda não é suficiente para reequilibrar as contas externas”, diz. O estudo da FGV chega à taxa de câmbio de equilíbrio de longo prazo considerando as variáveis Produto Interno Bruto (PIB), termo de troca relativo, balança de bens e serviços e um indicador de preços relativos entre os setores produtores de “tradables” (bens transacionáveis) e “nontradables” (não transacionáveis).
Essa conta é uma das mais importantes para se avaliar qual o ajuste necessário no câmbio para influenciar as contas externas. A trajetória da relação do saldo sobre o PIB, que saiu de positivo em 5% na metade da década de 2000 para cerca de 2,5% negativo mais recentemente, é semelhante à vista no fim dos anos 1990. “É o sinal amarelo, porque mostra que a situação agora é semelhante àquela que antecedeu a instabilidade cambial.”
A taxa de câmbio poderia se aproximar de seu equilíbrio se depreciando mais em termos nominais (alta do dólar) ou por meio de um conjunto de medidas para reequilibrar a economia. Desde 2011, quando o real se apreciou aos maiores níveis em mais de uma década, o governo adotou uma série de iniciativas para limitar a valorização da moeda brasileira, em meio a apelos do setor produtivo.
Segundo o BIS, desde julho daquele ano, o real já perdeu 41% de seu valor em termos nominais, mas a queda descontada a inflação é bem menor, de 28%. A ideia de que o real ainda está sobrevalorizado não é compartilhada pelo economista da Tendências Consultoria Bruno Lavieri, para quem a atual taxa de câmbio de equilíbrio estaria próxima de R$ 2,60. “Tudo mais constante, esse nível ajudaria a conter uma deterioração adicional nas contas externas. Não exatamente reduziria o déficit, mas pelo menos o estabilizaria”, afirma.
Valor Econômico – SP