30/12/2014 às 05h00
Por Mike Esterl e Tripp Mickle | The Wall Street Journal
Quando o conselho de administração da AnheuserBusch InBev NV realizou sua assembleia anual nos Estados Unidos este ano, aproveitou para conhecer uma pequena cervejaria em Chicago. Lá, o diretor-presidente Carlos Brito e os diretores da maior cervejaria do mundo descascaram e cortaram laranjas para fazer a cerveja artesanal Sofie, produzida pela Goose Island. O motivo: o crescimento da indústria nos EUA não está sendo gerado pelas marcas de produção em massa, mas pelas pequenas como a Goose Island, que foi comprada pela empresa belgo-brasileira em 2011. Quatro das cinco maiores marcas de cerveja dos EUA, incluindo a Budweiser e a Bud Light, da AB InBev, tiveram queda nas vendas em 2013. Há mais de 3 mil pequenas cervejarias artesanais nos EUA, o dobro do que havia cinco anos atrás e, nesse período, as vendas conjuntas delas subiram a uma taxa percentual de dois dígitos, de acordo com a Associação de Cervejarias, que representa as pequenas empresas do setor. Nos últimos anos, os consumidores americanos trocaram alimentos e bebidas de marcas consagradas por novas marcas que oferecem produtos mais criativos, mais requintados ou que passam uma imagem mais saudável ou mais natural. Essa transição está golpeando empresas que construíram suas operações com base em grandes campanhas publicitárias e produção em escala massiva. As vendas do McDonald’s Corp. estão sofrendo por causa do crescimento de redes menores como Chipotle Mexican Grill Inc. e Five Guys Burgers & Fries. A fabricante de iogurte Chobani LLC tem roubado mercado das marcas Yoplait, da General Mills Inc., e Dannon, da Danone SA. De modo geral, os fabricantes de alimentos embalados com menos de US$ 1 bilhão em vendas cresceram 6,2% ao ano entre 2009 e 2012, quatro vezes mais rápido que as empresas com mais de US$ 3 bilhões em vendas, de acordo com a PricewaterhouseCoopers. Com relação à cerveja, muitos consumidores querem experimentar sabores mais fortes. Eles estão deixando para trás cervejas mais leves como a Budweiser e preferindo alternativas com maior teor alcóolico, como cervejas do tipo porter com sabor de café, cervejas pretas envelhecidas em barris e as mais amargas India Pale Ale. Num bar típico nos EUA, a Budweiser costumava ser um dos quatro tipos de chope disponíveis. Hoje, é um entre dez. “Estamos atrasados nesse jogo”, diz Luiz Edmond, diretor-superintendente da AB InBev na América do Norte. “Levamos mais tempo do que deveríamos para reconhecer as tendências.” Segundo ele, “não deve haver surpresa” se a empresa comprar mais algumas cervejarias artesanais. A AB InBev despontou mundialmente ao focar em grandes marcas como a Budweiser e a Stella Artois. Recentemente, comprou a maior cervejaria do México, o Grupo Modelo, e também a líder de mercado na Coreia do Sul. Mas ela está se voltando para as pequenas do setor nos EUA, onde sua participação de mercado caiu de quase 50% há dez anos para 46% hoje, segundo o serviço de dados Beer Marketer’s Insights. A AB InBev comprou a 10 Barrel Brewing Co., do Estado do Oregon, no mês passado e no início deste ano comprou a Blue Point Brewing Co., de Nova York. Esses negócios se seguiram à compra da Goose Island, em 2011, por US$ 38,8 milhões. Juntas, as três cervejarias artesanais produzem cerca de 500 mil barris anuais, ou cerca de 0,25% do total consumido no mercado americano. Outras grandes companhias de alimentos e de bebidas também têm tentado entrar no mercado de pequenas marcas por meio de aquisições. Em setembro, a General Mills aceitou pagar US$ 820 milhões pela Annie’s Inc., uma fabricante de alimentos naturais e orgânicos da Califórnia que tem vendas anuais de US$ 204 milhões. Em agosto, a Coca-Cola Co. divulgou que fechou a compra de 16,7% na fabricante de bebidas energéticas Monster Beverage Corp. por US$ 2,15 bilhões e recentemente anunciou a aquisição das marcas de nicho Honest Tea, de chás, e Zico, de água de coco. As grandes cervejarias também têm criado do zero suas próprias marcas de nicho. A MillerCoors LLC, segunda maior cervejaria dos EUA, fabrica a Blue Moon, uma cerveja de trigo lançada em 1995, e recentemente lançou marcas menores como a Batch 19 e a Third Shift. A AB InBev produz a Shock Top, uma cerveja de trigo que desenvolveu para concorrer com as cervejarias artesanais. Essa abordagem tem riscos, já que, às vezes, o que os consumidores querem é justamente evitar comprar cervejas de grandes fabricantes. “Prefiro apoiar algo local”, diz Megan Hughes, uma moradora de Chicago que trocou a Goose Island pela Revolution Brewing, uma empresa novata da região, depois que ela virou parte de um grande conglomerado. Para lidar com isso, a AB InBev omite seu nome nos rótulos da Goose Island. A Associação das Cervejarias a acusa de fabricar cervejas “falsamente artesanais” e de vendê-las como se fossem feitas por cervejarias locais e independentes. A AB InBev afirma que o que torna uma cerveja artesanal é a forma que ela é feita, não a marca ou quem é seu dono. No ano passado, Brett Porter, que foi mantido como mestrecervejeiro da Goose Island após a aquisição pela AB InBev, lançou duas novas cervejas: a 312 Urban Pale Ale e a Rambler IPA. Ele diz que agora pode fazer experimentos com o lúpulo da fazenda que a AB InBev tem no Estado de Idaho. Isso é importante porque a planta é responsável pelo aroma e sabor amargo da cerveja. Ele também pode usar Brettanomyces, um tipo de levedura difícil de ser controlada que dá à cerveja um gosto “agradável de celeiro”, na sala de fermentação selada que a AB InBev construiu. Além disso, pode envelhecer a cerveja nos três barris de madeira, de 6 mil litros cada, que o conglomerado comprou para ele. Cada um custou cerca de US$ 50 mil. A Goose Island hoje vende cerca de 30 tipos de cerveja, ante 19 quatro anos atrás. Ela prevê que vai vender 400 mil barris este ano, cerca de três vezes mais que em 2011. É pouco para os padrões da indústria, mas pelo menos está crescendo. As vendas da AB InBev nos EUA caíram 1,7%, para 72,9 milhões de barris, nos primeiros nove meses deste ano, calcula a Beer Marketer’s Insights. A AB InBev espera que seu musculoso sistema de distribuição e marketing manterá o crescimento da Goose Island. Este ano, ela lançou a primeira grande campanha publicitária da marca nos EUA, com o slogan, em tradução livre: “Não precisamos ser a única cerveja que você toma. Só a melhor.”
Valor Econômico – SP