22/12/2014 às 05h00
Por João Luiz Rosa | De Las Vegas e São Paulo
A lista vai da Nike ao Facebook, da Samsung a TIM. O que há de comum entre essas empresas, a despeito de atuarem em áreas tão diferentes entre si, é que todas elas estão investindo fortemente para desenvolver algo que, a princípio, não parece ter muito a ver com seus negócios: software.
Uma pesquisa encomendada pela CA, companhia americana de sistemas empresariais, revela que 51% das empresas globais com receita de mais de US$ 1 bilhão lançaram quatro ou mais aplicativos voltados ao cliente só no ano passado. Em média, os investimentos na área estão crescendo ao ritmo de 25% por ano, mostra o levantamento, que envolveu mais de 1,4 mil pessoas em oito países. No Brasil, 51% dos grupos ouvidos disseram ter lançado cinco ou mais aplicativos em 2013, acima da média global.
Observar a Rent the Runway, uma companhia de moda de Nova York, ajuda a entender o porquê desse movimento. Em 2009, Jennifer Hyman decidiu abrir a empresa com uma sócia depois de perceber o interesse das pessoas em compartilhar suas coisas com estranhos – fossem suas listas de música no Spotify, seu carro no Uber ou sua própria casa no Airbnb. Todos esses serviços estão baseados em software. “Comecei a pensar: por que não estamos compartilhando roupa? Por que não construíram um software para permitir isso?”, contou a empresária durante a conferência CA World, realizada em Las Vegas no mês passado.
Desde então, a Rent the Runway, criada para esse fim há cinco anos, já recebeu US$ 116 milhões em aportes. No estoque estão 65 mil vestidos, que as 5 milhões de usuárias do serviço podem alugar, com a conveniência de receber a peça em casa. Um dos maiores atrativos é compartilhar impressões sobre as roupas e postar fotos de como os “looks” ficam em pessoas comuns, em vez de modelos. Por trás desse apelo fashion, no entanto, estão os softwares que fazem as coisas funcionarem, como garantir que a roupa escolhida está disponível e vá chegar a tempo.
Os programas iniciais eram rudimentares. Por isso, praticamente todo o dinheiro obtido com os primeiros aportes foi destinado a melhorá-los, disse Jennifer. “A companhia é totalmente baseada em software e tecnologia”.
Um número crescente de executivos começa a despertar para esse fenômeno, à medida que a internet e novas tecnologias mudam o comportamento do consumidor. Na pesquisa da CA, 28% das empresas brasileiras reconheceram efeitos significativos da chamada “economia dos aplicativos” em seus setores e 37% em suas próprias organizações. No mundo, a proporção é maior: 50% e 44%, respectivamente.
Adaptar-se às mudanças, porém, não é fácil. Nas grandes empresas, projetos chegam aos departamentos de tecnologia como pedidos em um restaurante cheio: muitos, variados e todos urgentes. No Aeroporto Internacional de São Paulo, o GRU, mais de 28 sistemas estão em atividade e para cada um deles há um esforço técnico específico, diz Luiz Ritzmann, chefe de informação da companhia.
A epopeia tecnológica no GRU começou há um ano e meio, depois que o processo de privatização foi concluído. “Fiquei espantado ao saber que as informações que constam na etiqueta de bagagem não estavam todas no código de barras da própria etiqueta”, conta Ritzmann, que veio da área de cartão de crédito. Um único sistema deveria dar conta do processo de despacho e envio das malas para a aeronave correta, mas os dados estavam espalhados por sistemas diferentes. O mesmo acontecia com o processo para o avião estacionar e sair de sua posição, que requeria três sistemas.
Em seis meses, Ritzmann visitou 49 aeroportos no mundo, acompanhado de especialistas. Em vez de fazer tudo dentro de casa, a decisão foi comprar tecnologias testadas no exterior, adaptando o que era necessário ao Brasil. O software de cargas, por exemplo, veio da Índia. É o mesmo usado pelo aeroporto de Hong Kong, pelo qual passam 5 milhões de toneladas de carga por ano, bem mais que as 500 mil toneladas do GRU. A maior parte do trabalho de renovação tecnológica foi concluída em maio, quando foi inaugurado o terminal 3 do GRU, mas ainda resta uma parte do sistema de carga, prevista para entrar em funcionamento no início de 2015.
Uma das maiores dificuldades é testar os aplicativos para corrigir falhas. Em alguns projetos, a TIM conseguia detectar problemas preventivamente, mas em uma fase posterior do trabalho. A operadora acelerou o andamento ao adotar um sistema que virtualiza cenários críticos e urgentes, como os que envolvem a tarifação dos clientes. No fim do ano passado, 50 erros foram descobertos antes do que era possível anteriormente.
A preocupação em acertar é tanta que o investimento pelas empresas brasileiras vai aumentar 28% nos próximos cinco anos, segundo a pesquisa da CA. Não há uma regra única de como efetivar esse investimento. Pode ser com a compra de programas prontos, como fez o GRU, ou com desenvolvimento próprio. As companhias brasileiras pretendem trazer de volta para dentro de casa 48% dos softwares desenvolvidos no prazo de dois anos. Para ajudar nesse esforço, pode ter início uma inédita temporada de aquisições de negócios. A maioria dos grupos ouvidos (78%) disse ter planos de comprar uma companhia de software nos próximos 12 meses.
Situar-se bem na economia dos aplicativos esconde muitos riscos. No Brasil, as restrições de orçamento são o maior obstáculo, segundo as empresas ouvidas, mas também há questões culturais, como no resto do mundo. Uma observação feita em tom de anedota por John Michelsen, chefe de tecnologia da CA, resume a situação. Quando você pede algo ao departamento de tecnologia, disse ele em Las Vegas, a resposta, tempos depois, costuma ser a seguinte: “Eis o que você pediu, eis o que vai ter (menos do que pediu) e isso é quanto vai custar, geralmente o dobro do que você quer pagar”.
Essa situação terá de mudar à medida que a economia dos aplicativos amadurecer. Para Jennifer Hyman, da Rent the Runway, engenheiros e programadores precisam abandonar a postura reativa e ser tão criativos como o pessoal de marketing e de outras áreas ligadas ao consumidor. Mais que entregar o que se pediu, o requisito é pensar se o que foi pedido atende às necessidades e, eventualmente, sugerir alternativas.
Antes, porém, será preciso resolver um problema ainda mais urgente: a falta de profissionais. “Estamos tendo dificuldades para conseguir bons engenheiros para nossas empresas”, disse ao Valor Mike Gregoire, diretor-presidente da CA. Nos EUA, há 4 mil vagas abertas. Ao mesmo tempo, existe um desemprego global entre pessoas com 19 a 16 pessoas. “É uma falha sistemática de nossos sistemas educacionais em fazer da ciência, da engenharia e da matemática uma prioridade”, afirmou Gregoire. Tentar atrair os jovens aos 21 anos é difícil. “Temos de pegá-los muito antes.”
O repórter viajou a convite da CA
Valor Econômico – SP