19/12/2014 às 05h00
Por Jacilio Saraiva | Para o Valor, de São Paulo
Os tradicionais açougues de bairro estão dando lugar às “butiques” de carne, lojas para a venda de peças nobres, vindas de fazendas do Brasil, Uruguai e Austrália. Para se diferenciarem no mercado de venda direta da proteína, oferecem chefs de cozinha que ajudam na escolha do alimento, aulas para aprender a fazer churrasco, além de venda de vinhos e acessórios de culinária. Dependendo do corte escolhido, o preço do quilo pode variar de R$ 150 a R$ 600.
Com 27 funcionários, a Feed, inaugurada no bairro do Itaim Bibi, em janeiro, investiu em uma loja de 320 metros quadrados para receber os clientes. “Temos chefs de cozinha para ajudar os consumidores a pensar em um prato, além de especialistas em carnes e vinhos”, diz o CEO Pedro Merola. No fundo da loja, o empresário montou uma cozinha para aulas de gastronomia, com cursos sobre churrascos e receitas com o produto. O empreendimento também despacha encomendas pelo telefone. Há peças limpas e embaladas a vácuo, acessórios para culinária e bebidas para harmonizar com o alimento.
Filho e neto de pecuaristas, Merola é engenheiro agrônomo e também dirige a Fazenda Santa Fé, com atividades de pecuária e agricultura, a 203 quilômetros de Goiânia (GO). “Eu já era dono de um empreendimento que vendia carnes para restaurantes em São Paulo. A nova empresa foi criada para mudar a forma como entregava a mercadoria para o publico final, usando a produção das fazendas.”
Na loja, vende de 40 a 60 toneladas ao mês, de mais de 60 cortes de proteína bovina. O quilo mais caro é a picanha, que custa R$ 90. Além dos cortes clássicos de churrasco, é possível encontrar pratos prontos para irem à panela, como bifes, almôndegas e medalhões, criados pela chef da casa.
O empreendedor investiu R$ 5 milhões para abrir o negócio e a expectativa é faturar R$ 16 milhões no primeiro ano de atividades. Em 2015, Merola quer aplicar mais R$ 1 milhão em novos canais de venda. A empresa ainda não faz vendas pelo site.
Também no Itaim Bibi, o empresário Dárcio Lazzarini abriu a loja Intermezzo Gourmet há dois anos, com carnes do Brasil, Uruguai e Austrália. Com dez funcionários, o espaço de 80 metros quadrados também faz televendas e atendimento on-line. “A entrega para o consumidor final começou via delivery”, lembra o executivo, da família proprietária do restaurante Varanda Grill. “Com o tempo, notamos que o cliente prefere ver o produto antes de comprá-lo. Por isso, a ideia de montar o ponto, que dá ao consumidor uma experiência de compra, junto com uma consultoria gastronômica.”
Entre as novidades nas prateleiras estão o T-Bone, com cortes oriundos de novilhos selecionados, criados no Rio Grande do Sul, e o carpaccio de kobe beef, opção mais cara da loja. Proveniente do gado da raça japonesa Wagyu, é caracterizada por gerar cortes com alto teor de gordura entre as fibras. “Essa gordura entremeada, quando submetida ao processo de cocção, derrete e deixa o prato com um sabor mais amanteigado”, explica. O preço pode variar de R$ 150 a R$ 600, por quilo. A linha culinária da empresa oferece ainda bifes de chorizo, ossobuco e carne moída, além de cordeiro. Para ganhar mais clientes, também criou um serviço de rotisserie, com pratos preparados na hora.
“A principal dificuldade em manter uma casa no ramo é achar os parceiros ideais no Brasil e no exterior, que forneçam produtos de qualidade”, diz. “Para encontrar os melhores fornecedores, é preciso anos de pesquisa e acompanhar o processo de produção, desde a origem.” De olho no interesse dos consumidores, a loja organiza seminários e palestras para grupos interessados em saber como preparar um churrasco e conhecer mais sobre carnes. Já há procura para módulos no início de 2015.
De acordo com Suzana Cristina de Toledo Camacho Lima, coordenadora do curso de gestão de negócios em serviços de alimentação do Centro Universitário Senac, em São Paulo, o surgimento das butiques de carne é estimulada pela praticidade de compra procurada pelos consumidores. “O cliente não tem tempo para planejar refeições”, diz. “As lojas aparecem como uma solução para, em um único local, encontrar carnes e acompanhamentos que completam o cardápio de um jantar ou um de churrasco entre amigos.”
Para laçar mais compradores, Suzana diz que as butiques precisam oferecer peças de qualidade, que cumpram as normas sanitárias de venda, e entreguem atrativos como textura, maciez e maturação. “Pode-se conseguir um diferencial com a oferta de diferentes tipos de cortes, na maneira como os alimentos são expostos e nas embalagens para transporte”, diz. “Outro fator importante é a venda de itens complementares, como temperos e especiarias, farofas prontas e pães, além de produtos relacionados à realização do churrasco, como espetos, carvão e gelo.”
Artur Motta, diretor da consultoria de varejo GS&MD-Gouvêa de Souza, diz que esse tipo de segmentação de mercado já ocorreu em outros setores. “Guardadas as devidas proporções, vimos os bancos abrindo agências premium e farmácias que expandiram o conceito das perfumarias”, compara. Para ele, antes de investir em um negócio no ramo, é necessário estudar bem o mercado. “As oportunidades são grandes, mas é um segmento com consumidores ainda em desenvolvimento. O desafio é maior do que iniciar um negócio em um setor consolidado.”
O relatório semestral do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) aponta que a produção mundial de carne bovina em 2015 deve recuar para 58,7 milhões de toneladas, 1,4% a menos do que em 2014, uma indicação de preços elevados. O consumo mundial de proteína, considerando as carnes bovina, suína e de aves, por sua vez, deve subir para 253,2 milhões de toneladas, ante 252 milhões, este ano.
Valor Econômico – SP