Nasci no Rio de Janeiro e, junto com meus irmãos, cresci ouvindo meus pais falarem sobre justiça social, direitos e democracia. Meu pai era matemático e dono de uma empresa de informática, e minha mãe, programadora. Sempre fui incentivada a viajar e conhecer outras realidades. Aos 7 anos, nos mudamos para Portugal, onde moramos por três anos. Na adolescência, tive a oportunidade de participar de uma organização internacional que me possibilitou conhecer pessoas de diferentes culturas. Essas experiências ampliaram meus horizontes.
Durante a faculdade de psicologia, comecei a estudar e pesquisar sobre direitos das mulheres e as construções sociais de gênero que impactam diferentemente homens e mulheres. Com isso em mente, busquei trabalhar na área da psicologia social e comunitária com um olhar para igualdade de gênero. Minha primeira experiência profissional foi numa organização não governamental – Ipas Brasil – voltada para a promoção dos direitos sexuais e reprodutivos e para o enfrentamento da violência sexual. Ali, vi que era o caminho que eu queria seguir. Em 2003, tranquei a faculdade e fui morar na Austrália para fazer um curso sobre desenvolvimento social e comunitário. Durante uma aula na disciplina de migrações, a professora mencionou a questão do tráfico de pessoas, e as situações de exploração que muitas mulheres vivenciam na busca por melhores condições de vida em outros países. Nunca tinha ouvido falar a respeito, mas isso não me saiu da cabeça. Voltei para o Brasil e escrevi minha monografia de conclusão de curso sobre esse tema, após conhecer uma brasileira que havia sido traficada para Israel e explorada sexualmente. Após a formatura, fui trabalhar por quatro anos no Trama, um consórcio de organizações no Rio de Janeiro voltado para o enfrentamento do tráfico de pessoas por meio da promoção de políticas públicas de prevenção e atenção às vítimas.
Voltei para a Austrália em 2009 e lá me dediquei a dois projetos com comunidades migrantes, um com idosos e outro com cuidadoras de pessoas com deficiência. Em ambos, era evidente a desigualdade de gênero e a naturalização do papel das mulheres no cuidado com a família e a comunidade, além das violências sofridas por elas.
Cada vez mais, a igualdade de gênero – a ideia de que as mulheres e os homens devem ter oportunidades, escolhas e conhecimentos de forma igualitária – se tornava meu foco de atenção pessoal e profissional. De volta ao Brasil, tive a oportunidade de trabalhar na Subsecretaria de Políticas para as Mulheres do Rio de Janeiro e no Fundo Social Elas, com projetos de promoção de direitos e enfrentamento da violência de gênero. Em 2015, me mudei para Brasília para trabalhar na Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o braço da Organização Mundial da Saúde para as Américas. Coincidiu com o grande surto de zika vivido no Brasil e, novamente, as mulheres, dessa vez em idade reprodutiva foram as mais afetadas. O surto não apenas impactou desproporcionalmente as jovens como reforçou as disparidades raciais e socioeconômicas no acesso à saúde e as restrições aos direitos sexuais e reprodutivos. Um grupo de agências das Nações Unidas, coordenado pela Opas/OMS, ONU Mulheres e pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), identificou a importância de reunir organizações feministas para dialogar e identificar estratégias de atuação. Foi um trabalho intenso e necessário para garantir que as mulheres e meninas tivessem as informações e os tratamentos adequados nesse período.
Dois anos depois, em 2017, me mudei para São Paulo para assumir o Programa de Combate ao Trabalho Forçado e Trabalho Infantil, e a agenda de Justiça de Gênero no Instituto C&A. Com a missão de transformar o setor da moda, garantindo uma indústria mais justa e sustentável, o Instituto apoia iniciativas de enfrentamento das condições análogas ao trabalho escravo, atua na promoção de melhores condições para as trabalhadoras e os trabalhadores do setor, promove projetos de incentivo ao algodão sustentável – por meio da agricultura familiar – e iniciativas em economia circular, sempre olhando novos modelos de negócio que tenham um impacto positivo no meio ambiente e na vida das pessoas.
O setor da moda reflete as desigualdades sociais e de gênero que existem em nossa sociedade. Entendemos que a transformação passa pela equidade de gênero e pelo combate à discriminação baseada em raça, etnia, classe, orientação sexual, status migratório, entre outras. Não reconhecer a existência desses desafios aumenta a vulnerabilidade e as situações de violência, e perpetua a exploração na indústria da moda.
No Instituto C&A, sabemos que não é possível transformar nada sozinhos. Ao lado de toda a nossa equipe e das organizações parceiras, mais uma vez tenho a oportunidade de trabalhar para que mulheres transformem sua própria vida e a das comunidades onde vivem. A mudança acontece quando mulheres são protagonistas e lideranças nas tomadas de decisão.”
Fonte: Revista Marie Claire